Embora seja uma técnica comum na pecuária, o pastoreio – criação do gado doméstico de modo livre – pode causar danos ao meio ambiente, sobretudo ao solo: ao permitir a circulação dos animais e o consumo da vegetação nativa por eles, o método, se utilizado de forma indiscriminada, pode acelerar a degradação do solo nos locais onde é utilizado.
A extensão desses danos a longo prazo, porém, ainda não é completamente compreendida, considerando aspectos físicos, biológicos e químicos dos solos. Dando alguns passos no sentido de preencher essas lacunas, há uma pesquisa desenvolvida nos Departamentos de Biologia (Centro de Ciências) e de Ciências do Solo (Centro de Ciências Agrárias) da Universidade Federal do Ceará.
O estudo enfoca a caatinga, bioma que costuma sofrer com as consequências do sobrepastoreio (quando o solo e a vegetação estão expostos ao pastoreio por longo período, impedindo a recuperação do ambiente), e já rendeu dois artigos publicados nos periódicos Microbiological Research e Land Degradation & Development (2021).
“O sobrepastoreio reduz a vegetação nativa, expõe o solo aos extremos meteorológicos (longos períodos de secas ou chuvas intensas em curtos períodos), intensifica os processos erosivos, promove a perda da matéria orgânica, altera os teores de nutrientes do solo, gerando impactos negativos para as plantas e para a comunidade microbiana e levando à deterioração do ecossistema e à desertificação”, detalha a Profª Vânia Melo, responsável pela pesquisa.
Para avaliar os efeitos do sobrepastoreio, os pesquisadores compararam diferentes tipos de paisagens de uma mesma região, no município de Irauçuba, a 154 quilômetros de Fortaleza, Ceará: áreas de sobrepastoreio, em processo avançado de desertificação; áreas de recuperação natural, que foram cercadas no ano 2000 e, desde então, estão em “descanso” do pastoreio; e um exemplar de caatinga nativa, servindo como referência.
Os resultados apontaram que, enquanto as áreas de sobrepastoreio apresentaram parâmetros danosos para o solo, como maiores níveis de sódio, alumínio e condutividade elétrica, as áreas que passaram por recuperação tiveram melhora em todos os parâmetros estudados, considerando propriedades químicas e a microbiota, apresentando ainda maior riqueza de bactérias promotoras do crescimento de plantas.
Fator bastante representativo dessa diferença entre as áreas é o nível de carbono orgânico reduzido com o sobrepastoreio, indicativo de redução na cobertura vegetal da área. Na área de recuperação, por outro lado, há um aumento da biomassa e, consequentemente, maior nível de carbono e maior disponibilidade de nutrientes, contribuindo para a diversidade da microbiota.
Outro elemento importante para os organismos vivos é o nitrogênio, que também apresentou diferença de níveis na comparação entre as áreas de sobrepastoreio e de recuperação: nesta última, detectou-se maior conteúdo desse elemento, o que garante um ambiente mais propício para o desenvolvimento das plantas e dos organismos edáficos (do solo).
POUSIO
O “descanso” pelo qual passam essas áreas cercadas, técnica chamada pousio (em inglês, grazing-exclusion, ou exclusão da pastagem, em tradução livre), consiste justamente em deixar que a área fique períodos sem a presença de gado, permitindo que o ecossistema seja restaurado. Sem o auxílio de outras técnicas, porém, essa restauração natural ocorre de forma lenta.
“A exclusão de pastagem favorece o processo natural de sucessão ecológica e recuperação do solo, embora de forma muito lenta. Nosso estudo mostrou que após 18 anos de exclusão de pastoreio, observou-se a recuperação parcial de alguns atributos físicos, químicos e biológicos do solo. Portanto, é necessário um manejo desses solos para acelerar a recuperação”, diz a Profª Vânia.
MICROBIOMA
A pesquisa traz uma mudança de perspectiva nos estudos que avaliam os danos do sobrepastoreio à caatinga: até aqui, a atenção desses estudos tem se voltado principalmente à análise da flora; com a pesquisa da UFC, o foco está na análise do microbioma, comunidade microbiana, considerando que ela pode servir como bom indicador da saúde dos ecossistemas.
“Plantas, animais e microrganismos estão intimamente interligados na natureza, e mudanças no uso da terra, como a transformação de florestas nativas em pastagem, afetam a dinâmica da matéria orgânica e, consequentemente, o acúmulo de carbono e nitrogênio no solo”, explica o Prof. Arthur Prudêncio, que também contribui com o estudo.
“Os microrganismos, por sua vez, desempenham papel importante na ciclagem de nutrientes, no crescimento e na saúde das plantas. Assim, qualquer desequilíbrio nessas relações gera impactos negativos para o funcionamento do solo”, conclui.
O foco da análise na microbiota foi possível por meio do isolamento de bactérias e fungos dos solos de cada área (sobrepastoreio, pousio e área nativa), que agora passam por estudos em laboratório. A ideia é analisar o potencial desses microrganismos como promotores do crescimento de plantas e agentes de interesse biotecnológico.
“Bactérias e fungos nativos, promotores do crescimento de plantas, podem ser explorados como inoculantes para acelerar a recuperação de solos, assim como inoculantes de plantas para o reflorestamento de áreas degradadas”, destaca o Prof. Arthur.
SAIBA MAIS
A pesquisa foi desenvolvida nos laboratórios de Ecologia Microbiana e Biotecnologia (Departamento de Biologia), coordenado pela Profª Vânia Melo, e de Microbiologia do Solo (Departamento de Ciências do Solo), coordenado pelo Prof. Arthur Prudêncio.
Contribuíram ainda com a pesquisa os estudantes Andreza de Freitas Nunes Oliveira, Lara Isensee Saboya de Sousa, Vanessa Ariane Silva da Costa, João Victor Teixeira de Andrade, Lara Andrade Lucena Lima, Pedro Amaral Fontes de Sales e Danilo Ferreira da Silva.
Leia os artigos completos (em inglês) publicados no Microbiological Research e na Land Degradation & Development.
Fontes: Profª Vânia Melo, do Departamento de Biologia – e-mail: vmmmelo@gmail.com; Prof. Arthur Prudêncio,do Departamento de Ciências do Solo – e-mail: arthur.prudencio@ufc.br
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