O líquido da casca da castanha-de-caju (LCC) já é um velho conhecido de pesquisas da Universidade Federal do Ceará. Com vasta aplicação tecnológica, a matéria-prima já foi pauta de reportagens na Agência UFC sobre seu uso na geração de produtos que vão de inseticidas a antimicrobianos e antifúngicos. Agora, o LCC rendeu à Universidade sua mais nova patente.
A invenção patenteada busca resolver os problemas inerentes à produção de óleos lubrificantes, destinados ao uso pela indústria (em maquinários, por exemplo). Quando obtidos a partir de origem mineral, com derivados de petróleo, esses produtos são tóxicos para o meio ambiente, por possuírem descarte difícil e serem derivados de uma fonte não renovável.
A utilização de óleos vegetais para a fabricação dos lubrificantes, portanto, surgiu como próximo passo desse processo produtivo, já que, além de provirem de fontes renováveis, apresentam melhores propriedades, inclusive melhor aplicabilidade, maior durabilidade e maior segurança.
Ainda assim, apesar das vantagens em relação aos minerais, os óleos vegetais esbarram em outras questões: é uma produção que entra em conflito com os setores agrícolas e alimentícios, pela necessidade de áreas extensas para plantio da matéria-prima e altos custos econômicos ou sociais.
Por isso, o lubrificante obtido a partir do LCC se apresenta como uma alternativa, já que o líquido é um subproduto normalmente extraído durante o processamento da castanha-de-caju para obtenção da amêndoa (o principal objetivo dessa indústria). Como já está inserido em um processo produtivo bem estabelecido, o uso do LCC contorna os problemas de custos e conflitos apresentados pelos óleos vegetais.
O líquido funciona como matéria-prima para a produção dos biolubrificantes por ser constituído principalmente de um composto do tipo fenol chamado cardanol, que tem a característica de aderir a superfícies metálicas, de forma compacta, criando uma película que ajuda na redução do atrito e, consequentemente, do desgaste causado pelo contato entre metais.
Para chegar ao cardanol, o LCC passa por um processo chamado destilação molecular, que permite a obtenção do cardanol em purezas elevadas, removendo outros componentes existentes no LCC que podem interferir no processo de síntese química, como explica a Profª Selma Mazzetto, coordenadora do Laboratório de Produtos e Tecnologia em Processos (LPT) da UFC e uma das inventoras que assinam a patente.
O objeto principal da nova patente é justamente a produção dos biolubrificantes a partir dessas reações que possam ser consideradas ecologicamente corretas, com um processo produtivo com menor quantidade de resíduos poluentes e com o uso de materiais menos prejudiciais ao meio ambiente.
Além, claro, de representar o desenvolvimento de um produto que aproveita a força da indústria da castanha, já relevante e bem consolidada, sobretudo no Ceará.
“A grande vantagem da produção e uso destes biolubrificantes está relacionada com a valorização de um insumo de origem regional, do qual o Ceará é o maior produtor, e que atualmente não possui uma aplicação nobre. Com o desenvolvimento deste tipo de produto tecnológico, podemos esperar um grande impacto socioeconômico para nossa região”, reforça a Profª Selma.
MULTIUSO E RENTÁVEL
O uso de uma matéria-prima como o LCC se justifica de muitas maneiras, não apenas no aspecto ambiental, mas também econômico: não é novidade que se trata de um insumo com alta capacidade produtiva e rentável. No caso dos biolubrificantes, não é diferente.
“Por ser um material de origem natural, a quantidade de LCC presente na casca da castanha-de-caju pode oscilar bastante, devido às condições climáticas, geográficas etc. Mas podemos estimar que são necessários em torno de dez quilos de castanhas para a obtenção de um litro de LCC”, detalha a Profª Selma.
Para transformar o líquido em biolubrificante, o rendimento também não decepciona. “A rota sintética para a obtenção desses biolubrificantes a partir do LCC é bem eficiente, indicando rendimentos na ordem de 80 a 90%, dependendo do tipo de biolubrificante desejado”, diz a pesquisadora.
O Laboratório de Produtos e Tecnologia em Processos da UFC tem dedicado os últimos 15 anos a realizar pesquisas relacionadas à concepção e desenvolvimento de produtos derivados do LCC, provando as múltiplas aplicabilidades possíveis do insumo.
Aditivos, larvicidas, inseticidas, surfactantes, antioxidantes, resinas, compósitos e macromoléculas são algumas das possibilidades já apontadas pelo LPT. “[Todos] norteados por uma política de agregar valor, trabalhando paralelamente em consonância com as legislações ambientais vigentes, desenvolvendo rotas sintéticas alternativas e respeitando o meio ambiente”, ressalta a coordenadora do laboratório.
SAIBA MAIS
Nos últimos anos, a Universidade Federal do Ceará vem acumulando cartas patentes concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sendo essa a de número 33.
Também assinam como inventores: Mayara Oliveira de Almeida, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Química da UFC; Francisco Jonas Nogueira Maia, doutor em Química pela UFC; e Diego Lomonaco Vasconcelos de Oliveira, professor do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica e integrante do LPT.
Na Agência UFC, o líquido da casca da castanha-de-caju já foi notícia em duas outras oportunidades. Veja as matérias:
> LCC: aplicações vão da tecnologia ao tratamento de doenças
> LCC: de subproduto do agronegócio a protagonista da química
Fonte: Selma Elaine Mazzetto, coordenadora do Laboratório de Produtos e Tecnologia em Processos (LPT) e professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Química da UFC – e-mail: selma@ufc.br
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