Você já deve ter se deparado com uma situação em que realizar atividades on-line pode desafiar seriamente a velocidade de sua Internet. Um exemplo é quando se está jogando uma partida dos chamados e-sports. Cada comando deve ser transformado em um pacote de dados que será transmitido para um ponto de rede e, de lá, para outro e para outro, até chegar ao local em que o servidor final fica hospedado, na maioria das vezes, em outro país. Lá, os dados enviados se convertem em uma ação, que será retransmitida de volta fazendo o mesmo trajeto.
Parece complicado, mas essa é a lógica por trás de cada simples ordem, como “chute essa bola para a frente” ou “dobre à direita”. O tempo em que os dados percorrem até o servidor e voltam à sua máquina chama-se latência, e deveria ser contabilizada na casa dos milissegundos para que um jogo on-line siga sem travamento. Mas isso nem sempre ocorre.
A latência cresce quanto maior for a distância entre os equipamentos e quanto maior o número de pontos de rede a serem percorridos. Com o crescimento acelerado do tráfego de dados na rede mundial de computadores, ela é um desafio potencial para a área de redes e tem chamado a atenção de diversos grupos de pesquisa pelo mundo, que se dedicam a expandir essa fronteira.
Não à toa. O tráfego global na Internet praticamente dobrou desde o início da pandemia de covid-19, passando de 113,3 para 262,7 gigabytes por segundos, de acordo com a TeleGeography, consultoria especializada na área de telecomunicações. Esse período foi visto como o boom da Internet, ainda que tenha registrado crescimento menos acelerado ano passado.
ENTRE O ÓPTICO E O ELÉTRICO
Na UFC, o pesquisador Almir Wirth Lima Júnior, em estágio de pós-doutoramento no Laboratório de Telecomunicações e Ciência e Engenharia de Materiais (LOCEM), e seu orientador, o Prof. Sérgio Sombra, desenvolveram uma tecnologia que permite aumentar a taxa de transmissão de dados da rede, resolvendo alguns importantes gargalos existentes nas tecnologias atualmente utilizadas. Para isso, eles criaram uma memória DRAM nanofotônica baseada em grafeno.
A tecnologia usada atualmente já conseguiu acelerar bastante a transmissão de dados na rede ao utilizar comutadores totalmente ópticos, chamados de OXCs. Comutadores são equipamentos que conectam diferentes pontos da rede de comunicações ópticas, selecionando os caminhos mais adequados para os pacotes de dados digitais que trafegam na rede.
Foi um grande avanço sobre a tecnologia anterior, que usava comutadores com memória eletrônica convencional, como as DRAM, e até mesmo as memórias de acesso aleatório sincronizado (SRAM), mais rápidas. Com elas, no entanto, os dados que trafegavam na fibra óptica precisavam ser convertidos em sinais elétricos para que pudessem ser lidos pela memória e, em seguida, reconvertidos em sinais ópticos para seguir viagem pela melhor rota. O uso dos OXCs evitou esse processo de conversão e desconversão do óptico para o elétrico e, consequentemente, reduziu o tempo da viagem.
Mesmo assim, relata Lima Júnior, a latência ainda é significativa. Isso porque, para fazer o pré-carregamento dos dados (buffering), os OXCs precisam utilizar linhas ópticas de atrasos, as chamadas ODLs. Essas linhas são utilizadas para minimizar a ocorrência de colisão dos pacotes de dados. Na prática, isso significa que os pacotes de dados ficam “rodando” nas fibras das linhas óticas das ODLs, enquanto um complexo algoritmo organiza a saída dos dados para a rede de forma adequada. E esse tempo do giro tem impacto na latência.
INVENÇÃO NA UFC
A saída que os pesquisadores encontraram para reduzir a latência foi desenvolver a memória DRAM fotônica à base de grafeno. E o que isso significa? Primeiro, que os pesquisadores retomam a ideia de usar memórias DRAM, em vez das OXCs que se utilizam do “atraso” para gerenciar o tráfego de dados.
Para ser mais rápida que as OXCs, a nova memória precisa armazenar e ler diretamente os dados que trafegam pela fibra óptica sob a forma de sinais luminosos (por isso o nome “fotônica”), em vez convertê-los em sinais elétricos como nas memórias tradicionais. Assim, os dados chegam ao ponto de rede, são lidos pela nova memória e imediatamente encaminhados ao seu destino, reduzindo muito a latência.
O segredo para a construção dessa memória fotônica foi o uso do grafeno, conhecido como o material mais fino do mundo por ser uma camada bidimensional de átomos de carbono. Sua espessura e ligações químicas lhe garantem propriedades muito particulares: extrema resistência, impermeabilidade, elasticidade e grande condutividade elétrica (os elétrons conseguem ser transportados muito mais facilmente).
“O mais importante é a possibilidade do controle das propriedades físicas do grafeno através de dois processos: por meio de elementos químicos e de aplicação de tensão elétrica. Nesse último caso, a alteração da constante dielétrica do grafeno possibilita a ‘escrita’ do sinal óptico na memória óptica nanofotônia, bem como a posterior ‘leitura’ desse sinal óptico que foi memorizado. Isso diminui significantemente a latência”, explica Lima Júnior.
A invenção, diz o pesquisador, traz duas outras vantagens aos modelos atualmente em uso: evita a necessidade de ter algoritmos complexos; e ocupa um espaço infinitamente menor que as ODLs, uma vez que possui dimensões nanométricas.
A APOSTA NA FOTÔNICA
A aposta de Wirth Júnior na fotônica não é isolada. Diversas unidades de pesquisa tecnológica pelo mundo têm apostado nesse caminho como uma forma de romper os limites atuais do processamento e transformação da informação. No fim do ano passado, por exemplo, uma empresa canadense disponibilizou para testes públicos um “computador quântico” com um processador fotônico. Já pesquisadores dinamarqueses e suecos conseguiram transmitir 1,8 pentabits por segundo, o suficiente para baixar 230 milhões de fotos em um segundo.
Mas essas pesquisas ainda se concentram em laboratório, estimuladas pelo crescimento acelerado do volume de dados gerados e transmitidos. Um estudo da Universidade de Portsmouth em 2020, aliás, estima que em 350 anos a humanidade haverá produzido quantidade de bits maior que o número de átomos do planeta Terra.
Por enquanto, a nova memória DRAM fotônica obtida a partir do grafeno foi concebida no plano teórico. A patente do desenvolvimento, aliás, acaba de ser concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Wirth Júnior diz que serão necessárias parcerias para a produção de um protótipo do componente, etapa necessária para avaliar seu desempenho na rede mundial de computadores.
Fonte: Pesquisador Almir Wirth Lima Júnior – e-mail: awljeng@gmail.com