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Inovação

Shih-tzus, pugs e bulldogs: pele da tilápia é usada em cirurgia de córneas de cachorros

A pele da tilápia consegue, com baixo custo, acelerar o processo de recuperação dos pacientes, evitando contaminação. A nova técnica nasceu no Programa de Medicina Translacional da UFC e já beneficiou 400 cães

Pesquisadores do Programa de Medicina Translacional, da Universidade Federal do Ceará, estão usando a pele da tilápia como curativo para acelerar a recuperação de cães e gatos submetidos a cirurgia de córnea, inclusive com perfurações. Procedimentos desse tipo são comuns em algumas espécies de cães, notadamente raças de nariz curto, que têm predisposição a ferimentos na córnea. Na maioria das vezes, essas lesões necessitam de intervenções cirúrgicas, comumente feita com uma membrana comercial, importada e de elevado custo. 

Esses cães são justamente alguns dos mais populares entre os brasileiros: os shih-tzus, pugs, lhasas e bulldogs, chamados de braquicefálicos. Eles possuem uma alteração no crânio que faz com tenham nariz curto, face arredondada e olhos arregalados. Essa alteração, que os deixa mais carismáticos ou “fofinhos”, por outro lado aumenta problemas respiratórios e oculares. Aliás, os olhos mais expostos favorecem traumas, o que é um problema porque, por uma questão genética, seu organismo não consegue realizar o autorreparo da córnea. 

Até o momento, mais de 400 animais foram submetidos ao procedimento com pele da tilápia e os resultados têm se mostrado muito positivos, com restabelecimento da visão, relata a cirurgiã veterinária Mirza Melo, que realizou a pesquisa no mestrado. Para isso, a pesquisadora utiliza a matriz dérmica acelular (MDAPT) da pele da tilápia, uma espécie de “lâmina de colágeno puro” elaborada no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da UFC. 

Imagem mostra mulher sentada, segurando dois pedaços de pele da tilápia em uma embalagem de plástico. Ela está sentada, usando bata azul, com aparelhos em uma sala de cirurgia ao fundo (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)
Pesquisadora Mirza Melo estudou o uso da pele da tilápia em cirurgias oftamológicas veterinárias no mestrado de Medicina Translacional da UFC (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)

O trabalho de mestrado comparou os resultados obtidos pela MDAPT com o da membrana comercial mais utilizada atualmente e com uma outra membrana biológica. “Vimos a superioridade da pele da tilápia nessas lesões”, diz a pesquisadora. “Ela funciona como uma doadora de colágeno para essas estruturas (oculares) e promove o reparo e uma maior transparência na cicatrização”, completa. O trabalho foi orientado pelo Prof. Manoel Odorico Moraes, um dos pais da pesquisa com a pele da tilápia no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC. 

VANTAGENS 

Além do efeito cicatrizante, a pesquisadora identificou outras vantagens do uso da MDAPT na cirurgia, como a ação antiálgica (de combate à dor) e o fato de ela ser estéril e não promover a contaminação, em situações em que a lesão já está infectada. Com isso, a recuperação acaba se tornando mais rápida e fácil para os tutores, que não precisam trocar curativos a todo tempo. Somem-se a isso facilidades de ordem prática para a cirurgia, como o armazenamento e manuseio. 

Pesquisadora observa um curativo de pele da tilápia ao microscópio (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)
Até o momento mais de 400 animais foram submetidos ao procedimento, com sucesso (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)

O trabalho do NPDM concentrou-se nas cirurgias de córnea, não havendo indicação até o momento para intervenções de outro tipo, como alterações intraoculares, descolamento de retina ou degenerações. “Não fizemos esses testes ainda, mas o que temos é muito promissor. Ainda há muito por se descobrir com o uso da tilápia em oftalmologia”, explica a pesquisadora, que também é professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE). 

A pesquisa avança agora para o tratamento de gatos, animais que são mais suscetíveis a processos inflamatórios que os cães. Segundo Mirza, cerca de dez gatos já foram operados, todos com sucesso. Há ainda conversas com oftamologistas para futuramente aplicar a mesma técnica em humanos. 

COMO NASCEU A IDEIA 

As cirurgias foram realizadas na clínica em que a pesquisadora Mirza Melo trabalha, o Centro de Olhos Veterinários. Foi a partir das demandas cotidianas da clínica que a cirurgiã sentiu a necessidade de encontrar alternativas ao uso das membranas comerciais. De início, começou a estudar o uso da pele da tilápia in natura com uma preparação semelhante a outras membranas biológicas. A pesquisadora já conhecia o impacto da pele da tilápia no tratamento dos queimados e sabia que a recuperação da córnea é parecida com a da pele. Decidiu então realizar uma primeira cirurgia com um shih-tzu em 2019, que foi bem-sucedida. 

Foto na penumbra mostra uma mão segurando um busturi enquanto a outra segura um curativo de pele de tilápia. A luz está focada unicamente no curativo (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)
O curativo da pele da tilápia consegue ter desempenho muito melhor do que os atuais modelos no mercado (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)

Foi a partir desse momento que surgiu a aproximação com o Programa de Pós-Graduação em Medicina Translacional da UFC. É exatamente essa área que aproxima o conhecimento produzido nos laboratórios da aplicação prática da medicina nos serviços de saúde. 

No mestrado, a pesquisadora passou a utilizar a matriz dérmica da pele da tilápia. “Essa membrana foi desenvolvida pelo NPDM. Há muitos pesquisadores por trás dela, desde pegar a pele de um peixe, processar tudo e chegar a essa membrana, que está inovando na oftalmologia veterinária”, conta a pesquisadora. 

O trabalho foi apresentado no ano passado no Congresso Brasileiro de Oftalmologia Veterinária, em Foz do Iguaçu, obtendo o primeiro lugar. Mais recentemente, no fim do mês passado, foi novamente apresentado no 42º Congresso da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais, em Fortaleza. 

As pesquisas com pele da tilápia remontam a 2014 no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), vinculado à Faculdade de Medicina da UFC. Inicialmente, se concentraram no desenvolvimento de um curativo para tratar queimaduras, úlceras varicosas e outras feridas até evoluir para a matriz dérmica. Logo a matriz começou a ser utilizada com sucesso em outras situações médicas, como em cirurgias de reconstrução vaginal e redesignação de sexo (masculino para feminino). 

Hoje, os trabalhos desenvolvidos a partir da matriz já abrangem mais de uma dezena de especialidades médicas, como cirurgia geral, plástica, urológica, cardiológica e neurológica, envolvendo mais de 300 pesquisadores. 

Fonte: Pesquisadora Mirza Melo – fone: (85) 99953 0990

Erick Guimarães 27 de junho de 2023

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