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Pesquisadores da UFC estudam impacto de longo prazo dos biocarvões no solo

Os biocarvões são apontados como uma opção promissora para a regeneração de solos, especialmente no Nordeste

Como garantir que uma tecnologia promissora não acabe se transformando em problema ambiental de longo prazo? Como manter os benefícios dessa inovação ao longo do tempo? Pesquisadores dos departamentos de Física e de Ciências do Solo da Universidade Federal do Ceará e do Departamento de Química da Universidade Estadual de Londrina (UEL) estão estudando os efeitos de longo prazo dos biocarvões, material que tem grande potencial para aumentar a qualidade e a produtividade dos solos a partir de diversas biomassas.

Os biocarvões são produzidos a partir da queima controlada, com baixo oxigênio, de diversas biomassas, como bagaço da cana-de-açúcar ou palha do arroz. Eles possuem uma estrutura porosa e rica em carbono, que funciona como uma “esponja” de água e nutrientes, capaz de aumentar a produtividade da agricultura e do pasto e de ajudar na recuperação de terrenos degradados. Por isso, são vistos como uma das principais promessas científicas no campo do meio ambiente e da agricultura, que sofre pressões constantes pelo aumento de produção.

“Existe uma interrogação, uma dúvida científica, a respeito de quanto tempo esses biocarvões vão trazer benefícios às propriedades desse mesmo solo. Isso, dentre outros questionamentos, como, por exemplo, será que as características do solo, como a variabilidade no valor de PH, afetam o funcionamento deles?”, diz a Profª Mirian Cristina Gomes Costa, da UFC.

A professora é uma das autoras do trabalho “Effects of chemical aging on carbonaceous materials: stability of water-dispersible colloids and their influence on the aggregation of natural-soil colloid”, que acaba de ser publicado na prestigiada revista especializada Science of Total Environment. O estudo que resultou na publicação foi coordenado por Odair Pastor Ferreira, então docente do Departamento de Física da UFC e que hoje atua na Universidade Estadual de Londrina.

O grupo de pesquisa do qual os professores fazem parte já havia desenvolvido um biocarvão a partir da biomassa do bagaço do caju, que aguarda pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O bagaço é um resíduo farto e barato da agroindústria nordestina, obtido após a extração da castanha.

AS TERRAS PRETAS DA AMAZÔNIA

A ideia por trás desses materiais orgânicos é reproduzir as chamadas “terras pretas da Amazônia”, que ocorrem em pequenas porções de terrenos da região amazônica. Diferentemente dos solos mais comuns dessa região, as terras pretas possuem alta fertilidade. Ainda não há consenso sobre o que provocou o surgimento dessas terras pretas, mas a hipótese mais admitida pela ciência é a de que elas surgiram a partir da ação dos povos pré-colombianos na floresta tropical há milhares de anos.

O solo é formado por sobras de alimentos, cinzas e outros restos orgânicos da própria floresta, que se misturaram durantes anos, deixando-o rico em diversos nutrientes. Para arqueólogos, a descoberta causou certo frisson: se a tese estiver correta, é sinal de que a Amazônia abrigou grandes populações indígenas em uma mesma área, contrariando o que se pensava até então. Significa também que seria possível alimentar grandes populações na floresta.

Vaso feito de cano, com terra escura e pequena planta

Isso chamou a atenção de pesquisadores de outras áreas do mundo inteiro, que passaram a querer entender a estrutura das terras pretas e tentar reproduzi-las. Há pouco mais de uma década, eles encontraram nos biocarvões uma forma de replicar esse material, passando a desenvolver experiências com diferentes biomassas. Seu uso comercial amplo, no entanto, esbarrou no alto custo da tecnologia e nas dúvidas sobre as vantagens econômicas.

Esses gargalos, no entanto, vêm sendo resolvidos com os avanços científicos dos últimos anos, que conseguiram baratear os custos e trouxeram novos indícios das vantagens econômicas dos produtos. A ciência começou, então, não apenas a se perguntar sobre como produzir o biocarvão, mas também qual o melhor tipo para cada situação, como deve ser o processo de reposição e quais os impactos a longo prazo.

DE VOLTA AO ENVELHECIMENTO

É nesse contexto que se insere o trabalho dos pesquisadores da UFC. No novo trabalho, eles estudaram dois tipos de biocarvões do bagaço do caju, que se diferenciam pela forma de produção: um é feito pelo método da pirólise (que usa biomassa seca) e outro, pelo modelo hidrotérmico (biomassa úmida). Os dois tiveram seu processo de “envelhecimento” acelerado pela exposição ao peróxido de hidrogênio, água e ácidos inorgânicos. O trabalho constatou que, mesmo obtidos a partir de uma mesma biomassa, os dois materiais responderam de forma diferente aos processos de envelhecimento avaliados.

Além disso, o envelhecimento provocou mudanças na própria estrutura do biocarvão e na forma como ele se relaciona com a argila.  “O processo de oxidação, por exemplo, influencia a forma como as pequenas partículas desses carvões interagem com a argila do solo, que chamamos de coloides”, explica a pesquisadora Laís Gomes Fregolente, que faz parte da equipe e conduziu os experimentos. Isso significa que o envelhecimento muda a interação e a dinâmica com essas pequenas partículas, exigindo atenção aos riscos ambientais devido à sua aplicação ao longo do tempo.

Também levanta questões sobre a necessidade de reposição do material periodicamente. “Há necessidade de um monitoramento do solo por meio de análises químicas para saber o que está acontecendo, se será preciso aplicar mais biocarvão ao ambiente ou se existe um limite que possa ser aplicado para que não haja malefícios”, completa a Profª Mirian. Na prática, o estudo responde a alguns pontos, mas traz várias novas questões cujas respostas ajudarão a criar protocolos para o uso seguro da nova tecnologia.

MAIS EXPERIMENTOS

O novo trabalho é um desdobramento de estudos que vêm sendo tocados de forma multidisciplinar em várias frentes. Além do biocarvão do bagaço do caju, os pesquisadores estão conduzindo um trabalho, ainda em andamento, para produzir e caracterizar material semelhante a partir do lodo do esgoto.

“Ele é composto principalmente por carbono orgânico, com alto teor de cinzas de minerais nutrientes, podendo conter também elementos potencialmente tóxicos às plantas”, explica a Profª Mirian Costa. O biocarvão já foi produzido e instalado em experimentos com milho em casa de vegetação, estruturas cobertas com materiais transparentes que permitem a passagem de luz para crescimento e desenvolvimento de plantas. Os cientistas agora analisam seus efeitos no solo e nas plantas para verificar se ele exerceu efeito positivo.

No caso de material produzido a partir do bagaço do caju, os pesquisadores estão realizando experimentos agronômicos para avaliar seus efeitos em aspectos físicos, químicos e microbiológicos de solos degradados do município de Irauçuba, região que está passando por um processo de desertificação.

O próximo passo, segundo a Profª Mirian, é levar o experimento conduzido em estufas agrícolas para o campo, nas mesmas condições da região Nordeste. “Será se esses biocarvões conseguem melhorar as condições de um solo que está muito prejudicado – do ponto de vista físico, químico e biológico e conseguem estimular o crescimento de plantas?”, questiona. Se a resposta for positiva, terão sido criadas as condições para mudar significativamente a realidade da região.

Fonte: Profª Mirian Cristina Gomes Costa, do Departamento de Ciências do Solo – e-mail: mirian.costa@ufc.br

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Erick Guimarães 28 de novembro de 2023

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