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Saúde

Pesquisadores da UFC ajudam a desvendar mecanismo de dormência da tuberculose e buscam formas de encurtar tratamento

Laboratório de Bioinorgânica se destaca por usar ciência básica para desvendar detalhes da bactéria que há milhares de anos desafia a humanidade

A Mycobacterium tuberculosis, a bactéria que provoca tuberculose (TB), é um caso de adaptação e resistência que chama a atenção de pesquisadores de todo o planeta. O microrganismo desafia a humanidade há milhares de anos: ele já foi encontrado em ossos datados de 6 mil anos antes de Cristo. No século XX, com o surgimento dos antibióticos, a expectativa era que a doença fosse erradicada. Aconteceu justamente o contrário: depois de um período de controle, o mundo assistiu à retomada dos casos de TB, com a micobactéria mais resistente do que nunca.

A bactéria depende do oxigênio para sobreviver – tanto que, ao infectar um ser humano, ela se instala justamente na parte superior dos pulmões. Para se proteger, o sistema imunológico a envolve em granulomas (estruturas resultantes da resposta inflamatória), tentando “asfixiá-la” e impedir a chegada de nutrientes.

É nessa hora que entra a evolução. A micobactéria possui uma proteína chamada DevS (pronuncia-se devés) que, uma vez acionada, a coloca em estado de dormência. É como ligar o “modo econômico”: a bactéria entra em um estado de hibernação, não precisando mais do oxigênio. Com isso, a doença deixa de se manifestar e de ser transmitida.

Placas de petri com culturas amareladas dentro de equipamento da UFC (Foto: Ribamar Neto/UFC)
Pesquisadores estudam a proteína DevS e analisam compostos que possam vir a facilitar o tratamento contra tuberculose (Foto: Ribamar Neto/UFC)

O problema é que, com o passar do tempo, o sistema imunológico pode sofrer baixas, permitindo que o patógeno se reative. A Organização Mundial da Saúde estima que uma em cada quatro pessoas no mundo esteja infectada pela bactéria dormente, o que significa 2 bilhões de seres humanos. Desses, entre 5% e 10% devem desenvolver a tuberculose, o que dá a dimensão do problema. Atualmente, mais de 1 milhão de pessoas morrem de TB no mundo por ano.

ENTENDER O PROBLEMA POR DENTRO

Pesquisadores do Laboratório de Bioinorgânica, do Programa de Pós-Graduação em Química da UFC, têm se debruçado nos últimos anos sobre a tuberculose. Uma das linhas de estudo é justamente entender em detalhes a DevS e o mecanismo de dormência, para tentar impedir que ele entre em ação. 

Em parceria com os cientistas Paul Bernhardt (Universidade de Queensland, na Austrália) e Marie-Alda Gilles-Gonzalez (Universidade Texas Southwestern Medical, nos EUA), os pesquisadores da UFC conseguiram comprovar que a DevS é um sensor de oxigênio, ou seja, ela percebe quando falta oxigênio e, nesse momento, é “ligada”, fazendo com que a bactéria entre em dormência.

Até então, havia dúvidas como seria seu mecanismo de ativação: se ela seria um sensor de oxigênio ou se a dormência ocorreria por meio de reações de oxidação-redução (“redox”) do metal (ferro) presente na proteína DevS da micobactéria.

Essa descoberta  impacta diretamente as estratégias para tentar desativar a proteína. “Se fosse por mecanismo redox, precisaríamos fazer alguma coisa para que o ferro [presente na proteína] se oxidasse, o que provocaria o desligamento da sua atividade. Sendo um sensor de oxigênio, temos de planejar algo que se ligue à proteína quando não houver mais esse mesmo oxigênio, mantendo-a desligada”,  explica o Prof. Luiz Lopes, um dos integrantes do Laboratório de Bioinorgânica. 

ENCAIXANDO AS PEÇAS

É como montar um quebra-cabeça: à medida que uma peça vai se encaixando, horizontes se abrem e novas pistas vão surgindo. “Uma coisa que a gente também aprendeu: o que o oxigênio faz quando se liga à DevS e muda [a forma] como as subunidades da proteína se juntam umas às outras”, relata o Prof. Eduardo Sousa, outro integrante do grupo.

A descoberta tem consequência prática: sabendo em que local exatamente o oxigênio desativa a proteína DevS, os pesquisadores agora podem pensar em compostos químicos que bloqueiem exatamente esse ponto, impedindo a ativação da DevS. “Se bloquear essas vias de dormência, a gente pode inclusive diminuir o tempo de tratamento. Se isso for alcançado, vai ser espetacular”, diz o Prof. Eduardo.

Hoje, esse tratamento é feito com um coquetel de medicamentos, levando de 8 a 10 meses, enquanto uma infecção comum geralmente leva de 10 a 15 dias. Por isso, muitas pessoas abandonam o tratamento quando a bactéria entra em dormência e os efeitos da doença não são mais sentidos.

Professores Luiz Lopes, Izaura Diógenes e Eduardo Sousa, pesquisadores do Laboratório de Bioinorgânica da UFC (Foto: Ribamar Neto/UFC)
Professores Luiz Lopes, Izaura Diógenes e Eduardo Sousa, pesquisadores do Laboratório de Bioinorgânica da UFC (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Aí entra o problema: a bactéria continua viva, latente, mas agora já tendo entrado em contato com o medicamento. Isso provoca a chamada tuberculose multirresistente, uma forma de TB cujas bactérias já não respondem à isoniazida e à rifampicina, medicamentos tidos como de primeira linha para o combate à doença.

As buscas por novos fármacos que levem a esse bloqueio nem sempre são lineares. Uma das linhas de ação do laboratório é justamente combinar a isoniazida com um segmento metálico para tentar vencer a resistência. A ideia é enganar a doença: hoje, a maior parte dos fármacos antituberculose é ativada pela própria bactéria. Com o tempo, no entanto, ela “aprende” a não fazer isso. Por isso, os pesquisadores do Laboratório de Bioinorgânica tentam desenvolver um composto que burle o sistema enzimático da bactéria para se autoativar.

A equipe desenvolveu um primeiro produto com essas características. Nas experiências in vitro, os resultados foram bastante animadores, mas, quando se passou para os estudos pré-clínicos, os primeiros resultados colocaram a viabilidade da ideia em dúvida. Agora, os pesquisadores se preparam para analisar novos centros metálicos e ligantes, que se acoplem a diferentes regiões químicas.

O CONHECIMENTO PEÇA POR PEÇA

As descobertas do Laboratório de Bioinorgânica chamam a atenção para a importância da ciência básica: a pesquisa detalhada, que busca compreender todas as etapas de um processo e as relações dos agentes envolvidos. “Se eu não sei o fundamento, não sei como um elemento age e, portanto, não sei como tratar ou como propor uma ação”, argumenta a Profª Izaura Diógenes, responsável pela parte de espectroeletroquímica da pesquisa, fundamental para identificar o papel biológico da DevS. 

Além da Profª Izaura e dos professores Luiz Gonzaga e Eduardo Henrique, o Laboratório de Bioinorgânica é composto pelos pesquisadores Florêncio Gouveia Júnior, Profª Alda Karine Medeiros Holanda, Profª Idalina Maria Moreira de Carvalho, Profª Elisane Longhinotti, Prof. Tércio Paulo e Dieric Abreu. O grupo também conta com a colaboração do Prof. Paul Bernhardt e da Profª Marie-Alda Gilles-Gonzalez e de um expressivo grupo de estudantes de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado.

Devido a seus avanços, o grupo foi convidado a publicar um artigo de revisão na prestigiada revista Coordination Chemistry Reviews (fator de impacto 22,315), em homenagem aos 70 anos de dois renomados cientistas do segmento de química bioinorgânica no mundo, os professores José Moura e Isabel Moura. O artigo descreve dois grandes segmentos de pesquisa: sensores biológicos e moléculas terapêuticas.

Fonte: Prof. Eduardo Sousa – e-mail: eduardohss@dqoi.ufc.br

Erick Guimarães 8 de setembro de 2021

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