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Saúde

Moléculas marinhas podem ajudar no combate ao câncer

Pesquisa desenvolvida no NPDM realiza prospecção de substâncias com potencial de contribuir para tratamento antitumoral

A biodiversidade marinha não é pequena: milhares de novas espécies são descobertas por ano no mundo todo. Nesse grande universo, não espanta que novas possibilidades para pesquisas no campo da saúde possam surgir a partir do estudo desses organismos. Esse é justamente o trabalho feito pelo Laboratório de Bioprospecção e Biotecnologia Marinha (LABBMAR) da Universidade Federal do Ceará.

Instalado no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), o laboratório tem buscado moléculas isoladas de organismos marinhos que possam ter atividade anticâncer. Em estudos recentes, duas dessas moléculas se mostraram promissoras para ser usadas no auxílio de tratamentos de quimioterapia.

A primeira, chamada piericidina A, é antiga conhecida da ciência, tendo sido caracterizada ainda na década de 1960. Apesar do tempo, a potência dela foi percebida somente nas análises do LABBMAR: os pesquisadores descobriram que ela é capaz de interferir nas células tumorais de origem epitelial, reduzindo a respiração celular, mesmo em concentrações muito baixas.

Veja reportagem da UFC TV sobre a pesquisa

Eles notaram que a piericidina consegue agir no metabolismo e na fisiologia das células quando diluída até níveis extremos, algo nunca visto em outra molécula até então. Tanta potência pode torná-la um forte aliado de outras substâncias já usadas no combate ao câncer, já que deixaria as células mais suscetíveis ao tratamento.

Nas concentrações mais altas, ela tem também efeito antitumoral, atuando de forma mais incisiva nas células. O problema é o alto nível de toxicidade dessa molécula, que acabaria atingindo não só as células cancerosas, como também as saudáveis. Se administrada em concentrações baixas, porém, ela atuaria para controlar a respiração celular sem esse alto efeito tóxico.

“Poderíamos usar uma dose não tóxica dessa substância junto à de outra já utilizada na clínica e potencializar os efeitos terapêuticos”, idealiza o Prof. Diego Wilke, coordenador do LABBMAR. Ou seja, se administrada em dose baixa, não tóxica, a piericidina pode continuar interferindo na célula, como provado pelos pesquisadores, auxiliando outra substância na quimioterapia. O efeito que ela possui de reduzir a respiração celular tornaria mais potente o tratamento com outra substância, sem aumento de toxicidade.

A expectativa é que essa capacidade de produção de efeitos em baixíssimas doses possa ser de grande serventia para os fármacos anticâncer. “A piericidina não impede as células de proliferar e crescer; então ela sozinha não é suficiente, mas poderia auxiliar outra substância a produzir resultados melhores, evitando a alta toxicidade da quimioterapia”, diz o Prof. Wilke.

A molécula não é exclusiva do ecossistema marinho, estando na verdade presente em diversos ambientes, inclusive aqueles ao nosso redor, mas foi encontrada pelo laboratório associada a zoantídeos (da família dos corais). Os pesquisadores também isolaram bactérias de sedimentos marinhos que são capazes de produzir a piericidina, garantindo sustentabilidade ao processo de coleta.

ANTI-INFLAMATÓRIO

Em outra pesquisa, foram encontradas moléculas inéditas com características similares às do ômega 3 (tipo de gordura benéfica ao organismo), isoladas diretamente de algas marinhas do litoral cearense. Assim como o ômega 3, elas são atenuadoras de inflamação, algo útil principalmente para inflamações crônicas, mas são mais citotóxicas para células tumorais.

Essas moléculas também têm a vantagem de ser capazes de produzir esses efeitos em níveis comparáveis ou superiores aos do ômega 3, mas em concentrações menores.

Para a medicina e os tratamentos anticâncer, isso pode significar duas coisas: tanto o aumento da efetividade do tratamento quanto a redução de efeitos negativos das drogas usadas na quimioterapia. “A atividade anti-inflamatória pode ser bem-vinda para diminuir efeitos colaterais de fármacos quimioterápicos ao mesmo tempo que melhora a resposta antitumoral do tratamento”, sugere o Prof. Wilke.

Equipe do LABBMAR responsável pela pesquisa com as moléculas marinhas. No centro, o Prof. Diego Wilke (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Equipe do LABBMAR responsável pela pesquisa com as moléculas marinhas. No centro, o Prof. Diego Wilke (Foto: Ribamar Neto/UFC)

O pesquisador vê a possibilidade de associação dessas moléculas com quimioterápicos de primeira linha importantes, como o paclitaxel, usado contra câncer de mama, inclusive do tipo mais agressivo, e a oxaliplatina, muito empregada contra o câncer de cólon.

Apesar de já haver substâncias que possam cumprir o papel duplo de aumento de efetividade e redução de efeitos negativos, ainda não há nada concreto voltado especificamente para a oxaliplatina. Tanto esta pesquisa quanto aquela com a piericidina estão em fase inicial.

REDE DE PESQUISA

O LABBMAR integra a Rede Nacional de Pesquisa em Biodiversidade Marinha, grupo que trabalha nos âmbitos da ecologia, conectividade genética e prospecção de substâncias químicas com potencial anticâncer de organismos marinhos. Na UFC, o laboratório tem o apoio também do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica, sobretudo para o isolamento e determinação das estruturas das moléculas, em colaboração com a Profª Otília Pessoa.

As coletas são feitas tanto na costa brasileira quanto nas ilhas oceânicas. Uma das preocupações é com a sustentabilidade das pesquisas. “Ultimamente, nós temos isolado micro-organismos, tanto de sedimentos quanto associados aos invertebrados, e obtemos substâncias a partir do cultivo microbiológico”, diz o Prof. Wilke. Assim, coletando poucos gramas de material, é possível replicar tudo em laboratório, sem que o ecossistema marinho seja alterado.

Fonte: Prof. Diego Wilke, do LABBMAR e-mail: diegowilke@gmail.com

Kevin Alencar 2 de outubro de 2018

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