Agência UFC

Meio ambiente

Estudos da UFC comprovam elevada contaminação em águas, peixes e mariscos dos rios Ceará e Cocó com agrotóxicos urbanos

Investigação também identificou presença de substâncias tóxicas em peixes, caranguejos e sururus do rio Jaguaribe e do delta do Parnaíba

O intenso uso de agrotóxicos urbanos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), comumente chamados de pesticidas e aplicados no combate a pragas domésticas, está ocasionando a contaminação dos rios Ceará e Cocó, com sérios riscos à saúde humana. A situação foi atestada por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) em estudos que comprovaram a presença dessas substâncias tóxicas na água, nos sedimentos e nos peixes e mariscos dos rios. 

Foram realizados quatro estudos, liderados por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR-UFC). O primeiro se concentrou no rio Ceará, de onde foram coletadas amostras de água e de sedimentos da região do mangue por onde o rio passa. Os resultados comprovaram a presença de substâncias altamente tóxicas para organismos marinhos e de estuário, em níveis de magnitude semelhantes àqueles encontrados em áreas agrícolas e, em alguns casos, em volumes ainda maiores. 

A substância presente em maior quantidade foi a cipermetrina, seguida pela deltametrina, permetrina e malationa. À exceção da permetrina, esses agrotóxicos estão relacionados ao controle químico realizado na RMF no combate a pragas urbanas e vetores de doenças, a exemplo do mosquito Aedes aegypti, transmissor de arboviroses como dengue, zika e chikungunya. Já a permetrina está presente nos inseticidas de combate a pragas domésticas, como ratos, baratas e formigas, comuns tanto em produtos usados por serviços de dedetização como naqueles comprados por consumidores em supermercados.  

A ausência de áreas agrícolas na bacia do rio Ceará, conforme aponta o estudo, descarta a possibilidade de a contaminação estar vindo de atividades da agricultura, reforçando o argumento de que esses compostos estão principalmente relacionados a fontes e usos urbanos. “As principais fontes de entrada desses agrotóxicos são pelo uso em atividades urbanas e domésticas, tais como as dedetizações, os combates a pragas urbanas e o combate à dengue, que é feito pelo chamado fumacê, que usa o agrotóxico malationa”, explica o responsável pelo estudo, o Prof. Rivelino Cavalcante, do LABOMAR.  

Foto do professor Rivelino Cavalcante, homem branco, calvo, em um ambiente de laboratório. O professor está de jaleco, com braços cruzados, em frente a um computador com um gráfico de linha, e ao lado de uma máquina (Foto: Equipe Lacor/Labomar/UFC)
O Prof. Rivelino Cavalcante destaca que os altos volumes de agrotóxicos encontrados no rio e a considerável diversidade de substâncias no local tornam a situação preocupante (Foto: Equipe Lacor/Labomar/UFC)

Segundo ele, a situação é considerada alarmante. “E se torna grave uma vez que não temos outros registros para avaliar a evolução destes volumes de agrotóxicos e nem temos dados de outros locais do Brasil, nos quais a situação pode estar até pior em termos de níveis dessas substâncias”, avalia. O professor destaca que os volumes muito altos de agrotóxicos encontrados no rio e a considerável diversidade de substâncias presentes no local tornam a situação ainda mais preocupante. 

Os resultados do estudo estão apresentados em artigo publicado no ano passado na revista científica International Journal of Environmental Analytical Chemistry.  

PEIXES, CARANGUEJOS E SURURUS CONTAMINADOS 

De acordo com o pesquisador, a forte presença desses agrotóxicos urbanos no rio não gera riscos prováveis para banhistas, mas para aqueles que consomem os peixes e mariscos da região. “Quando qualquer substância ou elemento químico entram no ambiente, ele se torna disponível para os organismos e, assim, entra na cadeia alimentar, chegando até o homem. O potencial de causar problemas à saúde é variável de substância para substância, porém uma substância que é feita para exterminar pragas consegue causar o mesmo efeito, seja em um micro-organismo, seja em um organismo de porte superior”, alerta o professor.  

O primeiro estudo comprovou os elevados níveis de substâncias tóxicas na água e nos sedimentos do rio Ceará. Entretanto, para comprovar a hipótese de que organismos da região podem também estar contaminados, a equipe de pesquisadores realizou três novas investigações, desta vez, analisando peixes, sururus e caranguejos coletados em diferentes rios. Um deles foi em outro rio urbano de Fortaleza, o Cocó. Os outros dois foram no Jaguaribe, no Ceará, e no delta do Parnaíba, no Piauí. As novas análises foram mais amplas em número de agrotóxicos observados, abrangendo os mais usados no Brasil e no mundo, como as triazinas, piretroides e organofosforados. 

Pesquisadores usam seringa para coletar amostras em peixe (Equipe Lacor/Labomar/UFC)
Equipe do Labomar realizou as análises de peixes e mariscos dos rios Cocó, Jaguaribe e do delta do Parnaíba; no Rio Ceará, a análise foi da água e dos sedimentos (Equipe Lacor/Labomar/UFC)

Estas foram as primeiras pesquisas já realizadas que comprovaram a presença de agrotóxicos em animais marinhos. No rio Jaguaribe e no delta do Parnaíba, foram identificados, nesses animais, os agrotóxicos rurais, que são usados para o combate a pragas em plantações. Já no rio Cocó, houve uma presença mista, tanto dos agrotóxicos urbanos, provenientes dos pesticidas domésticos, como dos rurais. Segundo o Prof. Rivelino Cavalcante, esses últimos se devem à existência de diversas hortas urbanas ao longo do rio Cocó. Com base nesses achados, avalia o pesquisador, os peixes e crustáceos do rio Ceará, por associação, também devem estar contaminados. 

“Embora não haja estudos suficientes para atestar essas substâncias como causadoras de doenças deletérias, elas apresentam o potencial de influenciar os sistemas endócrino e imunológico, prejudicando a função reprodutiva em seres humanos e em outros animais. Podem até mesmo causar feminização em animais, levando a espécie à extinção, devido ao interrompimento da reprodução”, avalia o Prof. Rivelino Cavalcante.  

“Além disso, esses agrotóxicos são reconhecidamente biacumuláveis, ou seja, entram no organismo e nele ficam, sem serem metabolizados. Assim, eles se tornam um problema para organismos não alvos, como o homem, uma vez que há evidências de causarem danos neurológicos e cognitivos graves em longas exposições”, acrescenta o pesquisador. 

Os novos trabalhos foram submetidos a revistas de alto impacto na área ambiental e estão à espera da conclusão do processo de revisão. 

Conforme o professor, os estudos demonstram as dificuldades que as administrações públicas possuem no gerenciamento de resíduos sólidos e líquidos, além da ausência de programas de monitoramentos ambientais. “O estudo serve como um norteador para uma ampla discussão em prol da elaboração de políticas públicas voltadas para o monitoramento de substâncias nocivas à vida marinha, bem como para a proteção ambiental e para a saúde ecossistêmica”, afirma. 

Fonte: Prof. Rivelino Cavalcante, do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR-UFC) – e-mail: rivelino@ufc.br – fone: (85) 3366 7035 

USE NOSSAS MATÉRIAS

A reprodução dos textos da Agência UFC é permitida, com atribuição. Caso o texto seja reproduzido na íntegra, ele deve ser assinado com o nome do repórter seguido do identificador “da Agência UFC”. Caso o texto passe por cortes ou ajustes no processo de edição, deve-se publicar apenas “da Agência UFC”, ou forma semelhante, de acordo com os padrões adotados pelo veículo.

Saiba mais sobre como usar as matérias da Agência UFC

Sérgio de Sousa 7 de fevereiro de 2024

Assuntos relacionados

Foto de um pequi cortado ao meio Novo biolubrificante feito a partir do pequi é desenvolvido na UFC como alternativa renovável e não tóxica para a indústria

O biolubrificante pode solucionar um dos principais gargalos da área de combustíveis e lubrificantes minerais, que é o processo de oxidação de seus produtos

Imagem mostra duas peças de pré-moldados feitas a partir do novo cimento: a primeira, do lado esquerdo, é preta, tem formato retangular com dois círculos vazados. a segunda, cinza, também tem formato retangular, mas com dois quadrados vazados na parte central. A segunda peça parece menos densa que a primeira. A frente delas, pedois pequenos quadrados e uma barra feita com os novos materiais (Foto: Divulgação) Pesquisadores da UFC desenvolvem novo tipo de cimento, mais sustentável, a partir de resíduos de siderúrgica

A invenção é a 44ª carta patente da Universidade. O novo produto pode ser uma alternativa mais ecológica ao uso do cimento Portland, padrão do mercado

Papel sendo jogado em cesto de lixo Brasileiros têm mais comportamentos sustentáveis quando moram fora do que no próprio país, avalia estudo

Pesquisadora da UFC avaliou o comportamento de brasileiros que vivem no Canadá e concluiu que eles já possuíam conhecimentos sobre sustentabilidade quando moravam no Brasil, mas não os aplicavam