Utilizando o aparelho que ele mesmo criou ainda na graduação para avaliação de gemas, minerais de alto valor econômico, um pesquisador da Universidade Federal do Ceará realizou, recentemente, o que pode vir a ser uma das mais importantes descobertas da mineralogia moderna. Ao analisar cristais do Sertão Central cearense, ele identificou uma propriedade relacionada à luz até então nunca vista em nenhum mineral do mundo e que pode influenciar novas tecnologias ópticas.
Isaac Gomes de Oliveira, hoje doutor em Geologia pela UFC, descobriu em sua pesquisa de doutorado que minerais coletados em Quixeramobim, quando atravessadas pela luz, apresentam características visuais até então inéditas. Esses atributos de cores e formas gerados a partir da luz, chamados de figuras de interferência, eram diferentes das 10 figuras já conhecidas pela ciência e estabelecidas há pelo menos sete décadas.
Quando atravessa os cristais analisados, a luz se propaga em várias direções de vibração simultaneamente, gerando uma aglutinação de cores. Azul, amarelo e roxo aparecem juntos em uma configuração que se assemelha a um mosaico. Por esta razão, Isaac denominou de “mosaico” esta que se apresenta agora como a possível 11ª figura de interferência.

O achado deve mudar o entendimento moderno sobre a óptica e estrutura atômica dos minerais e foi relatado em artigo publicado em julho na American Mineralogist, uma das mais importantes publicações internacionais na área de Geologia.
No estudo realizado, foram escolhidos aleatoriamente sete exemplares de grossulária, um mineral comum, rico em cálcio e alumínio e que costuma ser usado em jóias. As amostras recolhidas possuem cores que vão do amarelo até o alaranjado. Todos os sete exemplares analisados apresentaram a mesma forma de mosaico ao serem atravessados pela luz, o que, segundo o pesquisador, confere consistência e representatividade ao estudo.
“A descoberta da possível nova figura de interferência ‘mosaico’ nas grossulárias do Ceará representa um fenômeno sem precedentes na mineralogia. Pela primeira vez em cerca de 70 anos, observamos um fenômeno óptico que ainda não havia sido documentado: cristais com alto nível de ordem e desordem, causando uma sobreposição complexa de cores e padrões, algo que expande significativamente nosso entendimento da interação da luz com minerais”, salienta Isaac Gomes.
NOVAS TECNOLOGIAS ÓPTICAS
O pesquisador destaca que esse novo padrão não é apenas visualmente impressionante, mas também fornece informações sobre o crescimento, deformações e formação do cristal ao longo de milhões de anos. “É como se ele estivesse registrando a própria história da natureza em sua estrutura”, explica.

Em termos de aplicações futuras, a descoberta pode influenciar áreas de estudo como a gemologia, a mineralogia óptica, a cristalografia e a física óptica. Além disso, acrescenta Isaac, ela tem o potencial de instigar inclusive novas tecnologias ópticas.
“É um fenômeno óptico único, com implicações práticas imediatas e grande potencial para novas pesquisas, aplicações e para autenticação de gemas e minerais. É, possivelmente, uma das descobertas mais importantes da mineralogia moderna”, defende. “Trata-se, portanto, de um avanço com relevância científica, prática e pedagógica, comparável em importância às grandes contribuições clássicas da mineralogia óptica do século XX”, complementa.
O pesquisador enfatiza que, até então, pensava-se que todas as figuras de interferência já conhecidas estavam completamente mapeadas e estudadas. Agora, com a descoberta no Ceará, abre-se a perspectiva para a ciência de que podem existir fenômenos ópticos ainda inéditos.
AUTONOMIA NACIONAL
Desde a graduação, Isaac contou com a parceria de pesquisa de Tereza Neri, professora do Departamento de Geologia. Como pesquisadora, o estudo dela sempre esteve voltado para gemas, minerais e rochas, com ênfase em gemologia – ciência que trata de materiais utilizados como adorno e com valor econômico mensurável – e mineralogia.
“O Ceará é uma das províncias gemológicas mais importantes do Brasil, com ocorrências de esmeralda, turmalina, água-marinha, espessartita, grossulária, ametista, entre outros minerais”, informa a professora. Segundo ela, o estudo desses minerais é essencial para caracterizar, identificar e catalogar os recursos minerais do Brasil. “Além disso, essas pesquisas contribuem tanto para a ciência quanto para a autonomia nacional na área de recursos estratégicos”, reforça.

Isaac escolheu Quixeramobim como área de estudo em sua monografia, e seguiu com esta área no mestrado e no doutorado. “Escolhi o município como área de estudo por sua riqueza mineralógica de alta qualidade gemológica. Portanto, o estudo em Quixeramobim não é apenas regional. Ele contribui para caracterizar recursos minerais de alto valor científico e econômico, com impacto direto na autonomia nacional”, esclarece.
As grossulárias de Quixeramobim, salienta, não são cristais uniformes, mas sim arranjos que abrigam em si duas ou mais estruturas cristalinas ligeiramente diferentes, que interagem entre si e geram esse efeito óptico raro e exclusivo. “Para ajudar a visualizar essa figura de interferência, imagine uma casa, uma grande casa. Cada cômodo dessa casa foi desenhado e arquitetado por um arquiteto diferente, com gostos distintos e formas diferentes de trabalhar, sem que estes arquitetos tivessem conversado entre si em nenhum momento. Ao final, cada cômodo terá estilo, cor e personalidade únicos, completamente distintos uns dos outros” compara.
“Em minerais convencionais, a grande maioria se assemelha a uma casa totalmente padronizada, com cômodos alinhados e homogêneos. Já no caso das grossulárias do Ceará, temos uma ‘casa’ totalmente atípica, onde cada cômodo é diferente, refletindo a organização interna complexa e heterogênea que caracteriza a figura de interferência mosaico”, conclui.

POLARISCÓPIO GOMES
Sob orientação da professora Tereza Neri, Isaac Gomes criou, ainda quando cursava a graduação, uma versão moderna do polariscópio, instrumento utilizado para identificação de minerais e gemas. O equipamento, que ele próprio já patenteou, leva seu sobrenome: Polariscópio Gomes. Foi com ele que o pesquisador realizou a descoberta da figura de interferência tipo ‘mosaico’ nos minerais de Quixeramobim.
Tradicionalmente, as figuras de interferência são observadas no microscópio petrográfico. O Polariscópio Gomes também permite essa análise, mas consegue verificar a autenticidade de uma gema com mais rapidez e ainda oferece detalhes adicionais sobre a gema.
Uma das principais diferenças entre os equipamentos é a escala de observação: enquanto que as amostras analisadas no Polariscópio Gomes apresentam dimensões macroscópicas, em centímetros, no microscópio petrográfico, a espessura é de apenas 0,03 milímetros. Essa particularidade desempenhou um papel importante na análise das grossulárias de Quixeramobim.

“Como os minerais utilizados nesta pesquisa, incluindo as grossulárias, são gemas, ou seja, não podem ser destruídas, as análises precisaram ser realizadas nas amostras lapidadas, em sua forma macroscópica”, explica Isaac. Para serem analisadas em microscópio petrográfico, as gemas precisariam ser cortadas para a confecção de lâminas petrográficas. Contudo, por seu alto valor econômico, essa alternativa se torna inviável. Entretanto, apontam os pesquisadores, tudo indica que a figura tipo mosaico também poderia ser observada no microscópio.
O estudo, encabeçado por Isaac Gomes, contou ainda com a colaboração de outros pesquisadores, como os professores Lucilene dos Santos, do Departamento de Geologia, e Carlos William Paschoal, do Departamento de Física, ambos da UFC, a doutora Laryssa Carneiro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além do professor Lee Groat, da University of British Columbia (UBC), no Canadá. Isaac Gomes projeta, futuramente, investigar minerais de outras regiões do Brasil e do mundo, para verificar se a figura do mosaico também ocorre em outros contextos geológicos.
Fonte: Isaac Gomes de Oliveira, doutor em Geologia pela UFC – E-mail: isaacgomes_1996@hotmail.com / Tereza Neri, professora do Departamento de Geologia da UFC – E-mail: tereza.neri@ufc.br
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