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Primeiro levantamento abrangente de abelhas-sem-ferrão do Ceará encontra 20 novas espécies para o Estado

Estudo elaborado por pesquisadores da UFC revela a presença de 49 espécies de abelhas-sem-ferrão em terras cearenses. Dados podem ajudar na preservação do inseto e na diversificação de sua cadeia produtiva

Responsáveis por exercer um papel essencial no equilíbrio dos ecossistemas, através da polinização, e por gerar renda a famílias rurais por meio de uma importante cadeia produtiva, as abelhas-sem-ferrão estão, agora, mapeadas no Ceará. O primeiro levantamento abrangente desse inseto já feito em território cearense revelou a presença de 20 espécies novas para o Estado, totalizando agora 49 espécies. As informações catalogadas provam uma diversidade que pode ampliar as oportunidades de negócio, contribuir com a conservação das abelhas e guiar um desenvolvimento mais sustentável.

O levantamento foi elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará. Iniciado ainda em 2013 com a tese de doutorado em Zootecnia de Jânio Angelo Felix, sob orientação do Prof. Breno M. Freitas, o estudo envolveu a coleta de amostras de abelhas em 122 localidades, alcançando 52 municípios do Ceará e abrangendo todas as regiões do Estado. Após essa fase, foi realizada a identificação científica de cada espécie, a etapa mais demorada do processo. Os resultados acabam de ser publicados nos Anais da Academia Brasileira de Ciências (AABC).

As abelhas-sem-ferrão, também chamadas de meliponíneos, estão presentes nas diversas regiões do Estado e são utilizadas principalmente para a produção de mel, através da atividade conhecida como meliponicultura. O estudo mostra que essa produção é baseada especialmente na criação da jandaíra, uma espécie que evoluiu na caatinga e se adaptou bem às condições dessa vegetação, a qual responde por 80% do território cearense. O levantamento, contudo, expõe informações que podem servir para o redesenho da referida cadeia produtiva.

Pesquisador de jaleco coletando abelhas no meliponário
Pesquisador faz a coleta de abelhas em meliponário do Ceará

“À medida que a população passa a conhecer e valorizar os produtos das demais abelhas, a diversificação será uma consequência natural”, defende Jânio Felix. Segundo ele, os produtores locais têm preferência pela jandaíra por ser uma espécie que produz mais mel, o produto mais buscado pelo consumidor. As espécies mandaçaia e uruçu, que fazem parte do mesmo gênero da jandaíra, têm essa mesma característica e também são criadas aqui, embora em uma escala muito menor. Mas, afirma o pesquisador, há diversas oportunidades de ampliar o leque de produtos por meio da implementação de outras espécies na meliponicultura do Estado.

“A jataí (do gênero Tetragonisca) é muito valorizada por seu mel em outros estados do Brasil. Além disso, as espécies sanharó e bunda-de-vaca (do gênero Trigona) e canudo e tubiba (Scaptotrigona spp.) são excelentes produtoras de pólen, produto normalmente não explorado. As abelhas breu, mocinha-preta e moça-branca (Frieseomelitta spp.) produzem muita resina, enquanto outros grupos são bons produtores de geoprópolis”, informa Felix.

Além desses produtos, a utilização das abelhas-sem-ferrão em atividades econômicas pode ser feita através da polinização agrícola, que consiste em usar ou alugar colônias para esse fim, ou também por meio do turismo ecológico. A educação ambiental é outra área com potencial para o uso de meliponíneos. “Todos esses são produtos diretos ou indiretos que podem ser explorados racionalmente e de forma sustentável”, reforça o pesquisador.

NOVAS ESPÉCIES

A literatura especializada até o momento registrava a ocorrência de 29 espécies de abelhas-sem-ferrão no Ceará. Segundo Jânio Felix, já era esperado encontrar um número maior de espécies, pois ainda não havia sido feito um levantamento com a abrangência do atual. Entretanto, descobrir 20 espécies a mais foi uma surpresa, admite.

É importante esclarecer que estas espécies são novas apenas para o território cearense, ou seja, elas já eram encontradas em outras localidades. Além das 49 relatadas no Estado, há outras três que ainda não foram validadas como espécies distintas, o que pode fazer com que o número de espécies no Ceará chegue a 52.

Os dados elaborados pelo estudo já se encontram presentes no Inventário da fauna: invertebrados do Ceará, lançado no início de agosto, e na coleção de abelhas da UFC. Os pesquisadores informam que pretendem continuar monitorando a diversidade de abelhas do Estado, adicionando qualquer nova ocorrência a essas listas.

DECLÍNIO DA POPULAÇÃO

Abelha na entrada do ninho
Abelha jandaíra, a mais utilizada na produção de mel no Ceará, na entrada do ninho

Apesar de apresentar uma riqueza da fauna de abelhas ainda maior que a anteriormente conhecida, a pesquisa relata que há um declínio nas populações desses insetos no Ceará, assim como em todo o mundo. Algumas espécies, como a olho-de-vidro e a mandaçaia, antes observadas em abundância no Estado, agora se encontram em risco iminente de extinção, conforme o estudo. Além disso, o levantamento mostrou que a uruçu- nordestina possivelmente já não existe em condições naturais no Ceará.

As razões para o problema com as mais diversas espécies de abelhas, em todo o mundo, são diversas e incluem mudanças climáticas, doenças, espécies invasivas, uso indevido de pesticidas, desmatamento e aumento da urbanização. No caso dos meliponíneos no Ceará, o Prof. Breno Freitas aponta o elevado grau de devastação da vegetação nativa em todo o Estado e a predação dos meleiros (pessoas que destroem os ninhos em busca de mel) como as principais causas. Já o mau uso dos agrotóxicos e as mudanças climáticas são apontadas como as ameaças mais recentes.

Estudos que mostram a ocorrência e a diversidade das espécies de abelhas podem servir de base para a conservação não só desses insetos como de todo o meio ambiente, uma vez que eles estão entre os principais responsáveis pela polinização da flora nativa e cultivada.

“Precisamos conhecer, saber da existência, para conservar”, argumenta o Prof. Breno Freitas. “Nossa motivação com o estudo foi levantar quantas espécies temos, como se distribuem no Estado, investigar a relação da ocorrência com as formações vegetais, enfim, gerar informações que tanto pudessem contribuir para o desenvolvimento racional, diversificado e sustentável da meliponicultura no Ceará como também para a conservação das distintas espécies”, justifica.

Pesquisador entrevistado produtor de mel
Pesquisador Jânio Felix entrevistando produtor rural

Um dos problemas ainda existentes na meliponicultura é o transporte indevido de espécies entre diferentes regiões, ação que, inclusive, é proibida por lei federal através de Resolução de 2004 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Segundo o professor, muitos produtores, especialmente os novatos na área, não sabem das consequências desse transporte. Abelhas criadas em um ambiente diverso ao qual naturalmente habitam podem ter problemas de adaptação e competir por espaço e recursos com as espécies nativas. Além disso, podem transmitir doenças às abelhas locais, causando até mesmo a sua extinção.

O levantamento traz informações necessárias para mitigar esse transtorno, pois apresenta que tipos de abelhas são adaptados a cada condição de clima e vegetação. A distribuição das abelhas-sem-ferrão, mostra o documento, não se dá de forma homogênea no Ceará, estando ela fortemente ligada às condições específicas de cada ambiente. A maior parte da diversidade de abelhas, por exemplo, foi encontrada nas florestas úmidas do Estado, localizadas nas serras, as quais registraram 19 espécies diferentes. Já na caatinga, apesar de representar um território bem mais extenso, foram encontradas apenas 7 espécies.

“É importante destacar que o maior amigo das abelhas-sem-ferrão tem sido o meliponicultor, e se algumas vezes ele age de maneira diferente da ideal, geralmente é por falta de conhecimento e não má-fé”, enfatiza o Prof. Breno Freitas. De acordo com ele, esses profissionais geralmente adotam novos conhecimentos “quase que imediatamente quando têm acesso a ele”. Dessa forma, acredita, o levantamento realizado poderá contribuir para o melhor desenvolvimento da atividade no Estado.

Fontes: Prof. Breno Freitas, do Departamento de Zootecnia – e-mail: freitas@ufc.br; Jânio Felix – e-mail: janiozootecnia@yahoo.com.br

Sérgio de Sousa 31 de agosto de 2021

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