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Moléculas criadas em laboratório pela UFC ajudam a combater fungos

Em trabalho premiado, pesquisadores detalham como peptídeos sintéticos atuam para danificar células de fungo com altas taxas de infecção

Consequência do uso excessivo e por vezes incorreto de medicamentos antimicrobianos, a resistência dos microrganismos a remédios tornou-se um problema comum, seja no tratamento de bactérias, seja no de fungos. A Universidade Federal do Ceará tem se juntado aos esforços científicos para driblar esse essa dificuldade e garantir eficiência nas terapias medicamentosas.

Em pesquisa realizada no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, do Centro de Ciências da UFC, o objetivo foi avaliar como moléculas desenvolvidas sinteticamente podem ajudar no combate ao fungo da espécie Candida albicans, responsável, segundo estudos de 2017, por 43,5% dos casos de candidemia, tipo de infecção da corrente sanguínea.

As moléculas sintetizadas são os chamados peptídeos, formados a partir da ligação entre duas ou mais outras moléculas do tipo aminoácido. Batizados de Mo-CBP3-PepI e Mo-CBP3-PepII, os peptídeos foram testados em sua capacidade de atingir as células de C. albicans e danificá-las, para possivelmente enfraquecer a infecção.

Os resultados foram promissores: as células do fungo, após o tratamento com os peptídeos, apresentaram rachaduras (indicando danos à parede celular), além de perda de conteúdo citoplasmático e cicatrizes. Também foi detectada a formação de poros largos nas células, causados pelos peptídeos, mais um indicativo do potencial deles de alterar a composição física das células.

Leitura microscópica das células da Candida albicans, com alterações sofridas em sua estrutura após a interação com os peptídeos
Leitura microscópica das células da Candida albicans, com alterações sofridas em sua estrutura após a interação com os peptídeos (Imagem: Reprodução)

A hipótese de formação de poros nas células a partir do uso dos peptídeos foi comprovada com testes à base de compostos fluorescentes que só se mostram “ativos” se puderem atravessar membranas celulares que foram danificadas, ou seja, se as células estiverem sem falhas e rachaduras, não haverá fluorescência; no caso contrário, o composto invade a célula, interage com o DNA e gera fluorescência vermelha.

Mais uma vez, não houve dúvidas nos resultados: enquanto nas células controle (aquelas em que não foram usados os peptídeos) não houve fluorescência, nas células tratadas o composto se tornou ativo e gerou a coloração vermelha.

“Durante o processo de desenho [dos peptídeos], eles são direcionados para atacar as membranas celulares dos microrganismos, e não das nossas células”, diz Pedro Filho Noronha de Souza, pesquisador da UFC e um dos autores do estudo. Isso explica inclusive por que não há toxicidade ao organismo humano nas moléculas sintéticas, característica de extrema importância para o desenvolvimento de fármacos.

Outra consequência constatada do uso dos peptídeos é a geração das chamadas reactive oxygen species (ROS), ou espécies reativas de oxigênio. As ROS são moléculas que, apesar de essenciais para a vida humana, podem ser destrutivas para as células se estiverem em altas concentrações, por causarem estresse oxidativo.

No caso do uso dos peptídeos, isso acaba se tornando um fator positivo, já que atingem as células que se quer combater. “O que acontece é que os peptídeos, nas células do fungo, induzem um aumento demasiado na produção de ROS, e essa alta concentração acaba por ser maléfica para as células, levando à sua destruição e morte”, explica o pesquisador.

Leitura microscópica das células da Candida albicans, com alterações sofridas em sua estrutura após a interação com os peptídeos
As leituras mostram como os peptídeos danificam as células, causando rachaduras e alterações no formato (Imagem: Reprodução)

POTENCIALIZADOR DE REMÉDIOS

Além de por si terem essa capacidade de atingir as células dos fungos, os peptídeos sintéticos também podem ser bons aliados para outros fármacos já utilizados pela medicina ou ainda em pesquisa, funcionando como adjuvantes. É o caso da nistatina, remédio antifúngico já amplamente conhecido nas terapias medicamentosas.

No trabalho desenvolvido na UFC, os peptídeos chegaram a potencializar em até 600 vezes a ação da nistatina, principalmente reduzindo o efeito tóxico do remédio.

O fármaco não é o único a ser foco de testes com os peptídeos. “Novos trabalhos mostraram que os peptídeos melhoraram a ação de várias outras drogas, como o itraconazol e a griseofulvina, que são antifúngicas, e o antibiótico ciprofloxacino”, destaca Pedro.

MOLÉCULAS SINTÉTICAS

O desenvolvimento de peptídeos desenhados em laboratório (sintéticos) tem sido um passo importante para a bioquímica e [a] biologia molecular. Isso porque, apesar de os peptídeos antimicrobianos naturais serem moléculas promissoras para o combate a microrganismos, até mesmo como adjuvantes, as pesquisas podem enfrentar problemas como as taxas de toxicidades ou dificuldade no isolamento e purificação das moléculas.

Essas questões são amenizadas quando se trata dos peptídeos sintéticos (inspirados na biologia dos naturais), já que as características positivas das moléculas podem ser potencializadas e os problemas, como a toxicidade, diminuídos.

No caso das moléculas Mo-CBP3-PepI e Mo-CBP3-PepII, desenvolvidas na pesquisa da UFC, a proteína de origem foi a Mo-CBP3. “[Ela é] purificada da planta Moringa oleifera. Após o desenho, os peptídeos são quimicamente sintetizados e testados contra os fungos”, explica Pedro.

SAIBA MAIS

O artigo que detalha o trabalho foi veiculado em março de 2020 no Journal of Peptide Science e premiado, em julho deste ano, pelos editores do periódico como o melhor paper publicado no período de 2020-2021. O artigo está disponível para leitura (em inglês).

Assinam o artigo, além de Pedro Filho Noronha de Souza: Patrícia Lima, Cleverson Freitas, José Oliveira, Lucas Dias, João Neto, Ilka Vasconcelos, Daniele Sousa, todos do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, e José Lopes, do Departamento de Física Aplicada da Universidade de São Paulo.

Fonte: Pedro Filho Noronha de Souza, pesquisador do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC – e-mail: pedrofilhobio@gmail.com

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Kevin Alencar 6 de dezembro de 2022

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