Agência UFC

Meio ambiente

Aquecimento global provoca danos estruturais irreversíveis nas construções históricas, revela pesquisa da UFC

Primeira etapa do levantamento apontou deterioração em patrimônios históricos de Aracati; novas análises serão feitas em Viçosa do Ceará e Sobral, Recife (PE), Ouro Preto (MG) e Rio de Janeiro (RJ)

Divulgado no último mês de outubro, o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) trouxe um cenário preocupante sobre o aquecimento global: está cada vez mais difícil atingir a marca do teto de 1,5 ºC no aumento da temperatura, considerada limite para se evitarem impactos catastróficos para o planeta. A subida dos termômetros tem resultado em fenômenos climáticos cada vez mais intensos, extinção de espécies de animais e plantas e alterações profundas em ecossistemas.

Mas não é apenas a natureza que sofre as consequências, as selvas de pedra, ou melhor, as cidades, correm o risco de verem desaparecer parte de sua história, como aponta o estudo desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Experiência Digital do Instituto de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC. Feito em parceria com o Laboratório de Reabilitação e Durabilidade das Construções (LAREB) do Campus da UFC em Russas, o estudo analisou construções históricas no município de Aracati e concluiu que a ilha de calor verificada no local resulta em um estresse térmico nas edificações, acelerando o desgaste estrutural.

Com estimativas de elevação da faixa de temperatura na cidade para acima dos 41 graus, entre os anos de 2050 e 2100, os cientistas projetam uma elevação de 400% nas movimentações térmicas na alvenaria na Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, em comparação aos níveis atuais. Essas mudanças deverão provocar o aumento de fissuras nesta e em outras construções do município.

Publicado em setembro deste ano na Energy & Buildings, um dos periódicos de comunicação científica mais prestigiados do mundo na área, o trabalho apresenta os impactos do aumento da temperatura para a degradação da estrutura de edificações e monumentos históricos, representando sérias ameaças à preservação do patrimônio cultural a longo prazo.

Foto termográfica do município de Aracati, com destaque para a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim
Foto termográfica do município de Aracati (Foto: Divulgação)

Apesar de a pesquisa ter sido realizada em Aracati, o coordenador do estudo, Prof. Esequiel Mesquita, informa que os danos apontados são irreversíveis e previstos não apenas para o município cearense. Tendo em vista as construções de alvenaria serem as mais vulneráveis às mudanças climáticas, essas consequências podem ser sentidas em sítios históricos similares do Brasil.

A pesquisa teve início em 2023 – como parte de projeto apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – e segue até 2025 na investigação dos efeitos das mudanças climáticas na degradação das construções históricas.

As próximas etapas do projeto preveem levantamentos de outros centros históricos de municípios do Ceará – Viçosa do Ceará e Sobral – e do Brasil – Recife (PE), Ouro Preto (MG) e Rio de Janeiro (RJ). A meta da equipe é que, ao final dos levantamentos, sejam elaboradas ferramentas para a gestão do patrimônio cultural edificado do País.

“O Governo Federal sancionou recentemente o Programa Cidades Resilientes, e esse programa precisa entrar na discussão popular e ser de fato implementado nas cidades. Porque se não pensarmos em resiliência, nosso patrimônio histórico e nossas cidades entrarão em colapso por conta desses efeitos de elevação de temperatura, com riscos para além dos apontados por nosso estudo, como maiores ocorrências de deslizamento e inundações”, projeta o coordenador do estudo.

CUSTOS DE MANUTENÇÃO TENDEM A SUBIR

Os dados da pesquisa demonstraram que a elevação da temperatura vai provocar uma degradação generalizada nas construções históricas brasileiras, e isso vai requerer mais esforços para manutenção, com elevação de custos e necessidade de reparos cada vez mais frequentes. “E isso não é sustentável de nenhum ponto de vista”, alerta o pesquisador.

Ainda segundo Mesquita, intervenções urbanas são fundamentais para a mitigação dos danos ao patrimônio histórico e para prover melhoria da qualidade de vida nas cidades, como a implantação de áreas verdes, adoção de revestimentos termoeficientes e implantação de estruturas para passagem dos ventos.

Jovem em frente a uma igreja histórica segurando equipamento de análise
Estudo foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Experiência Digital do Instituto de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC, em parceria com o Laboratório de Reabilitação e Durabilidade das Construções do Campus de Russas (Foto: Divulgação)

“No estudo, foi possível identificar trechos de ruas de Aracati em que os valores de temperatura variam até 3 °C em poucos metros de um ponto para outro. E isso traz o questionamento de como as cidades podem contribuir para a gestão das temperaturas locais e mitigar esses avanços de temperatura. Se isso não for feito, haverá regiões muito mais quentes do que outras”, complementa.

O pesquisador explica que o estudo traz elementos que possibilitam a tomada de decisão pelos gestores. “Se, por um lado, mensurar os impactos das mudanças do clima é importante para a compreensão do próprio modo de vida e de produção da sociedade, por outro, subsidiar e identificar as áreas, o modo e a intensidade de como as variações do clima afetarão nossa cidade também é uma resposta que a sociedade espera ter para agir”, defende.

IGREJA DE 250 ANOS

O local escolhido nesta primeira etapa foi o centro histórico de Aracati, cidade do litoral leste cearense, para análise dos impactos do aquecimento global sobre a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2001, a Igreja do Bonfim chegou, em 2024, à marca de 250 anos, sendo uma das construções mais antigas do município.

A nova metodologia de investigação envolveu a coleta de informações da igreja e de seu entorno, bem como parâmetros ambientais – como concentração de CO₂, umidade relativa, temperatura e condição do ar – para predição do nível de degradação. Os pesquisadores realizaram ainda levantamentos digitais com o uso de laser scanner terrestre e drones térmicos, além de simulações numéricas para avaliar quais áreas eram mais suscetíveis ao aumento de temperatura.

Foto do professor Esequiel Mesquita na Reitoria
O professor Esequiel Mesquita, do Campus da UFC em Russas, coordena o estudo (Foto: Divulgação)

“Com os processos de levantamento por drone, conseguimos ter acesso a informações atualizadas e mais detalhadas sobre a volumetria do centro histórico e seus revestimentos. Essas informações são importantes porque influenciam a temperatura local”, explica.

“Por exemplo, através da análise da disposição do parque edificado de uma área é possível verificar como o vento se comporta, como ele vai escoar pelas vias e de como vai atuar para minimizar essa temperatura. Através desse tipo de estudo é possível ainda identificar em uma mesma região, que estamos chamando de microáreas urbanas, como as temperaturas e os outros fatores ambientais se comportam e responder a perguntas como e por que em uma mesma microrregião urbana as temperaturas podem variar consideravelmente”, esclarece Esequiel Mesquita.

Além do Prof. Esequiel Mesquita, integram a equipe: Vitória Rebeca Pinheiro e Rafael Fontenele, alunos de graduação do curso de Engenharia Civil da UFC em Russas; Allan Magalhães, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da UFC em Russas; e Naggila Frota, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC.

Fonte: Prof. Esequiel Mesquita, do Laboratório de Experiência Digital, Instituto de Arquitetura e Urbanismo da UFC – e-mail: emesquita@ufc.br

USE NOSSAS MATÉRIAS

A reprodução dos textos da Agência UFC é permitida, com atribuição. Caso o texto seja reproduzido na íntegra, ele deve ser assinado com o nome do repórter seguido do identificador “da Agência UFC”. Caso o texto passe por cortes ou ajustes no processo de edição, deve-se publicar apenas “da Agência UFC”, ou forma semelhante, de acordo com os padrões adotados pelo veículo.

Saiba mais sobre como usar as matérias da Agência UFC

Cristiane Pimentel 19 de novembro de 2024

Assuntos relacionados

A pesquisa foi realizada no rio Verruga, na Bahia (Foto: Kaíque Mesquita Cardoso) Estudo em parceria com UFC avalia elementos tóxicos em solo de bacia hidrográfica na Bahia e estabelece padrão para outras regiões

Pesquisa é importante para estabelecer valores de referência, visando à formação de políticas públicas para preservação do solo

Mulher de costas, com um celular na mão, fotografa uma enorme raia branca em um aquário. O animal é acompanhado de seis pequenos peixes e a imagem é obtida com baixa iluminação (Foto: Julien Lanoy em Unsplash) Um terço dos tubarões e raias do mundo está ameaçado de extinção; diminuição afeta equilíbrio marinho

Painel internacional aponta que a pesca é a grande responsável pela redução da população dessas espécies, o que afeta o equilíbrio marinho

Foto de faixa de areia na Praia do Pecém (Imagem: Wikimedia Commons) Metade da costa cearense deverá perder pelo menos 10 metros de faixa de areia até 2040, prevê estudo pioneiro

Além de elaborar uma previsão, pesquisa analisou as mudanças na linha costeira do Estado entre 1984 e 2020; Praia do Icaraí, em Caucaia, é exemplo das mudanças causadas pelo homem