O uso da hidroxicloroquina no tratamento precoce de pacientes com covid-19 pode reduzir de 50% a 60% o risco de hospitalização nestes casos. Esta é a conclusão a que chegou um estudo feito pelo professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará Anastácio Queiroz, em parceria com pesquisadores de outras instituições no Brasil e nos Estados Unidos.
Denominado “Risk of hospitalization for Covid-19 outpatients treated with various drug regimens in Brazil: Comparative analysis” (Risco de hospitalização para pacientes ambulatoriais de Covid-19 tratados com diversos regimes de drogas no Brasil: análise comparativa), o artigo foi publicado no fim do ano passado na revista científica Travel Medicine and Infectious Disease. O estudo avaliou, de maio a junho de 2020, 717 pacientes com o vírus SARS-CoV-2, todos com 40 anos ou mais de idade, internados em emergências dos hospitais da rede Hapvida Saúde nos estados do Ceará, Pernambuco e Bahia.
Para esses pacientes, foi aplicado um protocolo que consistiu na prescrição de medicamentos antivirais, como a hidroxicloroquina, imediatamente à apresentação do doente ao médico, e o corticoide prednisona a partir do sexto dia dos sintomas da covid-19, para tratar a infecção pulmonar. Os resultados mostraram que os riscos de hospitalização reduziram de 50% a 60% com o uso isolado da hidroxicloroquina ou associado à prednisona.
Uma questão delicada quando se fala no uso de hidroxicloroquina diz respeito à preocupação de o medicamento poder causar arritmia cardíaca nos pacientes. O estudo, todavia, expôs que este efeito colateral não se confirmou em patamares que exigissem o uso de outros fármacos para seu controle. “A hidroxicloroquina é uma medicação muito segura e, por isso, foi vendida por muitas décadas sem prescrição médica e utilizada por muitos milhões de pessoas em todo o mundo, sem relatos de efeitos colaterais importantes”, defende o Prof. Anastácio Queiroz.
Entretanto, ainda que os resultados não tenham apresentado tais complicações, ele pondera: “para a utilização da hidroxicloroquina em pessoas de mais de 60 anos com a covid-19, com outras comorbidades, recomendo realizar ECG [eletrocardiograma] antes, para se ter a certeza que não há contraindicação”.
Os pesquisadores afirmam também que o uso do protocolo descrito garantiu atenuação na mortalidade na mesma magnitude dos achados para os riscos de hospitalização. Dos 717 pacientes estudados, 11 morreram em decorrência das complicações do novo coronavírus.
A pesquisa mostrou ainda quais grupos apresentaram maiores riscos de hospitalização. Para pessoas com diabetes do tipo 2 ou obesidade, esse perigo era duplicado. Entre aqueles com doenças cardíacas, os riscos foram elevados em dois terços. A partir dos 40 anos, os pacientes têm 75% mais chances de ser internados a cada década a mais de idade.
O Prof. Anastácio Queiroz afirma que o estudo demonstra a importância do tratamento precoce.
“Hoje, achamos que todos os pacientes sintomáticos devem receber tratamento precoce individualizado e devem ser avaliados diariamente, digo de perto, porque nunca temos a certeza sobre quem vai evoluir deste ou daquele modo. Esta é uma doença de uma dinâmica que poderá nos surpreender se não estivermos atentos e bem próximos do paciente, com avaliações clínica e laboratorial frequentes”, reforça.
NOVAS DESCOBERTAS
O professor, entretanto, pondera que a pesquisa é fruto de uma abordagem feita há cerca de 9 meses e que, hoje, já existem outros protocolos médicos a serem oferecidos a quem adoece da covid-19. Entre as principais evoluções no tratamento de covid-19 após a pesquisa está a mudança nas recomendações relacionadas ao corticoide prednisona.
“A quase totalidade das pessoas que recebe tratamento farmacológico precoce com multidrogas – por exemplo, com azitromicina, mais ivermectina e hidroxicloroquina ou nitazoxanida –, associado à reposição adequada de vitamina D e zinco, não precisam de corticoide”, relata Anastácio Queiroz. Segundo o professor, novos estudos revelam que o corticoide é benéfico apenas a pessoas cuja saturação de oxigênio cai para um percentual abaixo de 94% ou para aquelas que apresentam um processo inflamatório muito intenso.
“Os antivirais devem ser prescritos primeiro e o corticoide somente após o processo inflamatório se apresentar intenso em decorrência da replicação viral. E aí o benefício do corticoide fica claro, como ocorreu no nosso trabalho”, esclarece.
TRATAMENTO OU VACINA
O estudo sobre tratamento de pessoas com covid-19 surge em uma etapa na qual já existem diversas vacinas contra o coronavírus testadas e aprovadas no mundo. Esse cenário, ressalta o professor da UFC, não reduz a importância de se continuar estudando e aperfeiçoando os tratamentos de pessoas infectadas.
De acordo com o professor, o tratamento precoce é ainda uma alternativa indispensável para o Brasil e para diversos outros países a curto, médio e, talvez, longo prazos. Um dos motivos para isso é que as duas vacinas hoje aplicadas em regime emergencial no Brasil, a Coronavac e a da Oxford/Astrazeneca, requerem um esquema vacinal de duas doses, o que elastece o prazo até a imunização da população, pois ainda há incertezas em relação à eficácia dos anticorpos produzidos durante a infecção natural ou em virtude da vacinação no combate a essas variantes.
Além disso, pontua: “considerando a baixa disponibilidade de vacinas, por questão de produção, teremos muitos meses, talvez mais de um ano, para conseguirmos uma cobertura vacinal que apresente um impacto importante sobre a ocorrência de casos”. Ele também assinala que o surgimento de novas cepas (variações do vírus) pode retardar ainda mais esse processo de imunização.
O professor ressalta o baixo custo dos medicamentos utilizados no tratamento da doença, uma vez que já são usados há muitos anos e não possuem patentes. “O uso precoce destes medicamentos de modo correto, sendo o paciente bem acompanhado clinicamente, traria um impacto imensurável para a saúde pública, reduzindo muito os gastos financeiros e o sofrimento dos pacientes, e com certeza evitaria a maioria dos internamentos e dos óbitos”, defende.
O estudo foi feito em parceria com os pesquisadores Silvia Nunes Szente Fonseca, do Hospital São Francisco, em Ribeirão Preto (SP); Alexandre Giandoni Wolkoff, Marcelo Sampaio Moreira, Bruno Castro Pinto, Christianne Fernandes Valente Takeda, Eduardo Rebouças e Anderson L.A. Nascimento, do Hapvida Saúde; Ana Paula Vasconcellos Abdon, da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), e Harvey A. Rische, da Escola de Saúde Pública de Yale, nos Estados Unidos. O artigo na íntegra pode ser conferido na plataforma ScienceDirect.
Fonte: Prof Anastácio Queiroz, da Faculdade de Medicina da UFC – e-mail: aqsousa@gmail.com.
Este texto faz parte de uma série sobre a produção científica da UFC relacionada à covid-19. Os textos vêm sendo publicados semanalmente na Agência UFC. Os resultados aqui apresentados não representam necessariamente a opinião da UFC sobre o assunto.