O papilomavírus humano (HPV) tem sido uma das preocupações do Laboratório de Farmacogenética do Centro de Pesquisa Clínica – Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (UNIFAC/NPDM) da Universidade Federal do Ceará. O vírus, sexualmente transmissível, apresenta mais de 150 tipos e é o principal fator no desenvolvimento do câncer de colo de útero, o mais comum no Norte do País e o segundo mais frequente no Nordeste e Centro-Oeste, além de também estar ligado ao câncer de pênis.
Um dos objetivos da pesquisa coordenada pela Profª Raquel Montenegro no NPDM, em parceria com pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, é o desenvolvimento de uma vacina terapêutica para tratar pacientes que já estão infectados com o vírus. Atualmente, apenas a vacina preventiva é fornecida pelo sistema de saúde brasileiro, ainda assim incapaz de abranger todos os tipos de HPV com potencial para o desenvolvimento de câncer.
A professora explica que hoje a ciência tem conhecimento de pelo menos 13 tipos de HPV com características oncogênicas (que podem causar algum tipo de neoplasia). Mas a vacina mais eficiente distribuída no Brasil, a chamada quadrivalente, confere proteção aos tipos 16 e 18, que podem levar ao câncer do colo de útero, e para os tipos 6 e 11, associados ao desenvolvimento de verrugas genitais. Os demais tipos do vírus, porém, estão descobertos pela vacina, sendo necessária prevenção para os demais casos.
A pesquisa ainda se encontra em fase inicial e exploratória, na qual está sendo realizado um mapeamento dos principais tipos de vírus circulantes na população. Em uma avaliação de cerca de 700 amostras de material genético, os tipos mais encontrados, de fato, foram os 16 e 18. “Mas em torno de 25% dos vírus eram de outros tipos, por exemplo, o 31, 33, 35 e 45”, não cobertos pela vacina, aponta Raquel.
Após a caracterização dos tipos de HPV, a ideia é identificar peptídeos (biomoléculas compostas por aminoácidos) presentes na membrana das células infectadas pelo vírus para um posterior estudo de produção da vacina terapêutica. Uma vez administrada, a vacina depositaria os mesmos peptídios no organismo, que estimularia o sistema imune a reconhecer as células infectadas, e assim, produzir o efeito terapêutico.
Com isso, espera-se tanto uma melhor compreensão sobre os tipos do vírus circulantes e que não estão cobertos pela vacina profilática atual quanto o combate a infecções já instaladas na população.
EFICIÊNCIA
Segundo a Profª Raquel, apesar de o programa de imunização ter sido iniciado somente em 2014 no Brasil, com as primeiras doses distribuídas para mulheres, há evidências significativas de segurança e eficácia na prevenção do câncer do colo do útero em programas de vacinação iniciados há mais de dez anos em outros países.
Ainda não é possível medir a eficiência das vacinas administradas atualmente pelo sistema de saúde brasileiro, dado o curto período de tempo. As primeiras vacinas para homens, entre 12 e 14 anos, só começaram a ser disponibilizadas pela rede pública no início deste ano, com ampliação recente para a faixa etária de até 26 anos.
“Muitos acham que depois de tomar a vacina, você pode manter relações sexuais sem preservativo que não vai contrair o HPV, mas há outros tipos”
“O resultado esperado é a redução da incidência de doenças genitais relacionadas ao HPV, inclusive o câncer, mas ainda não temos como avaliar. Pelo pouco tempo de implementação da vacina, não é possível mensurar a redução das afecções associadas ao vírus”, explica.
Diante da possibilidade de compreender as formas de combater o HPV uma vez que o mesmo encontra-se instalado no hospedeiro, o que a professora explica que deve ser feito é o monitoramento dos tipos de vírus que passam a circular após a aplicação das vacinas. “Quando começamos a prevenir os tipos 16 e 18, algum outro tipo pode aumentar a incidência. Campanhas de educação e prevenção devem ser feitas para informar à população que existem outros tipos e que a vacina cobre apenas aqueles dois tipos”, diz.
PREVENÇÃO
A colaboração entre as universidades brasileira e inglesa pode ser particularmente produtiva pelo papel de cada uma nas fases da pesquisa: apesar do extenso trabalho na produção de vacinas, os pesquisadores europeus se deparam com a baixo número de casos de HPV para o estudo. No Brasil, por outro lado, a alta incidência do câncer de colo do útero garante que não faltem exemplares de tumores causados pelo HPV.
A pesquisadora acredita que, mesmo com a fácil identificação de lesões por exames como o papanicolaou, a alta incidência das doenças relacionadas ao vírus é consequência da falta de conhecimento acerca da prevenção, principalmente em locais de difícil acesso a médicos.
Apesar de haver outros tipos de transmissão, pelo contato com a pele ou mucosa infectada, o HPV está profundamente ligado à atividade sexual. “Muitos acham que depois de tomar a vacina, você pode manter relações sexuais sem preservativo que não vai contrair o HPV, mas há outros tipos”, lembra.
“Os homens precisam ter maior cuidado na higiene pessoal. Isso poderia diminuir a transmissão do HPV, mas é um assunto pouco falado”
Outro fator levantado pela professora diz respeito à responsabilização apenas da mulher quanto aos cuidados necessários para evitar a transmissão do vírus. “Tanto homens como mulheres podem transmitir o HPV, ainda que a mulher possua maior facilidade de adquirir o vírus”, diz.
Recente estudo divulgado na revista especializada The Brazilian Journal for Infectious Diseases, com 4 mil voluntários homens, constatou a presença do vírus na região genital de 72% dos brasileiros da amostra, índice superior aos dos mexicanos (62%) e americanos (61%).
“Os homens precisam ter um cuidado maior na sua higiene pessoal, principalmente nas genitálias. Esse gesto poderia diminuir a transmissão do HPV, mas, infelizmente, esse assunto ainda é algo pouco falado”, lamenta.
Os cuidados pessoais e as vacinas preventivas já são realidade que podem ajudar no controle de doenças relacionadas ao vírus. Apesar de ainda ser cedo para garantir que a pesquisa desenvolvida no NPDM resulte em uma vacina terapêutica, a esperança é que os estudos contribuam para diminuir, no Brasil, a incidência dos cânceres associados à infecção por HPV, por meio do conhecimento dos tipos do vírus ainda não incluídos nas vacinas profiláticas.
Fonte: Profª Raquel Montenegro – fone: 3366 8336