Gordura na barriga, nas pernas, nos glúteos. Não importa onde nem como ela se distribui, gordura é ruim para a saúde, certo? Uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará e publicada recentemente nos Cadernos de Saúde Pública mostra que não é bem assim. Aliás, não é nada assim.
A ciência já sabia isoladamente que o acúmulo na região do abdômen, por estar relacionada à gordura visceral, é um fator que aumenta o risco de doenças cardiovasculares (DCV). Sabia também que, contrariando o senso comum, a gordura nos membros inferiores (que inclui quadris, nádegas e pernas) tem efeito protetor contra as DCVs em dez anos.
O que os pesquisadores da UFC acabam de fazer foi, pela primeira vez, estabelecer a relação entre esses dois grupos de adiposidade. O grupo observou que, se a quantidade de gordura nos membros inferiores for maior do que no tronco, o indivíduo tende a estar mais protegido de desenvolver um evento cardiovascular em 10 anos. “E essa relação é mais forte nas mulheres do que nos homens”, completa a pesquisadora Bárbara Bruna Rodrigues de Oliveira, principal autora do artigo.
Na prática, isso significa dizer que existem biotipos mais e outros menos favoráveis à ocorrência de DCVs. Assim, é possível que pessoas que tenham o mesmo Índice de Massa Corporal (IMC) e mesmo percentual de gordura corporal total estejam expostas a riscos cardiovasculares diferentes, a depender da distribuição e da localização dessa gordura no corpo.
COMO FOI FEITO
Para chegar a esses resultados, a equipe da UFC analisou os dados de 10.047 participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adultos (ELSA Brasil), pesquisa multicêntrica realizada em seis instituições de ensino superior no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Vitória e Bahia. Para cada participante do estudo foi calculado o escore de Framingham, um índice que avalia o risco de ocorrer um evento cardiovascular em 10 anos.
Com aparelhos de bioimpedância elétrica, foram medidos os percentuais de gordura, em quilogramas, para os membros inferiores (glúteos, quadris e pernas) e tronco (tórax, abdômen e costas – não inclui braços, pescoço e cabeça), e definida a relação entre eles. A partir daí, investigou-se a relação da razão entre as gorduras dos membros inferiores e tronco com o risco de ter um evento cardiovascular em 10 anos, com base em modelos estatísticos.
O FATOR SEXO
Os biotipos são influenciados também pelo sexo do indíviduo. “Por exemplo, as mulheres com excesso de peso, por apresentarem uma maior quantidade de gordura nos membros inferiores, têm menor risco cardiovascular comparado aos homens, já que esta gordura metabolicamente é protetora para eventos cardiovasculares”, explica Bárbara de Oliveira.
“É como se a gordura localizada nos membros inferiores minimizasse os efeitos maléficos da gordura abdominal”, completa. O trabalho chega a mensurar esses riscos. Para isso, divide a quantidade de gordura dos membros inferiores pela gordura do tronco. “O aumento de uma unidade nessa razão reduz o risco em 31% nos homens e em 77% nas mulheres. Em outras palavras, o risco em mulheres é 2,33 vezes menor comparado aos homens”, detalha a autora do trabalho.
A pesquisadora chama a atenção para o fato de que essa relação é válida para mulheres em idade fértil, mas não na menopausa. Isso porque a presença dos hormônios sexuais favorece o acúmulo de gordura nas regiões inferiores do corpo. Com a menopausa, e a consequente queda desses hormônios, há uma inversão e o favorecimento do acúmulo na região do tronco.
Bárbara alerta, no entanto, que biotipo e composição corporal favorecem, mas não determinam a ocorrência de um evento cardiovascular. “É importante lembrar da relevante contribuição que o estilo de vida tem na ocorrência do sobrepeso/obesidade e das doenças cardiovasculares”, ressalta. Daí porque, independentemente do biotipo do indivíduo, é importante manter hábitos como alimentação saudável e rotina de atividades físicas.
A pesquisa “A distribuição de gordura corporal está relacionada ao risco de eventos cardiovasculares em 10 anos: Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil)” teve ainda a participação das pesquisadoras Larissa Fortunato Araújo, da UFC; e Carolina Gomes Coelho, Sandhi Maria Barreto e Luana Giatti, todas da Universidade Federal de Minas Gerais. O trabalho recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).
Fonte: Pesquisadora Bárbara de Oliveira – E-mail: barbarabruna_ro@hotmail.com
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