Documentar para preservar: esse tem sido o mote de uma pesquisa desenvolvida no Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará. Com foco na arquitetura moderna de Fortaleza, os pesquisadores criaram um inventário, agora em fase de modelagem digital, de construções da cidade. O intuito é fortalecer a memória local com relação a esse acervo arquitetônico.
Criado no âmbito do Laboratório de Crítica em Arquitetura, Urbanismo e Urbanização (LOCAU), o Guia da arquitetura moderna em Fortaleza reúne informações sobre algumas das principais obras modernas da capital cearense, datadas de 1960 a 1982, e sobre os arquitetos responsáveis por elas. O período abordado corresponde às principais décadas de produção dessa arquitetura.
São 52 construções registradas. Entre elas estão, por exemplo, o edifício do Ministério da Fazenda (onde funciona a Receita Federal, no bairro Aldeota), de autoria de Acácio Gil Borsói; o ginásio Paulo Sarasate (no bairro Dionísio Torres), do arquiteto Ícaro de Castro Melo; e o Palácio da Abolição (no bairro Meireles), de Sérgio Bernardes, além de prédios da própria UFC, como a Faculdade de Direito (no bairro Centro), de Liberal de Castro, e o Museu de Arte (no bairro Benfica), de José Neudson Braga.
Com o guia concluído, o objetivo agora é produzir a modelagem e a impressão em 3-D de todas as obras documentadas. Segundo o Prof. Ricardo Paiva, coordenador da pesquisa, a ideia é que essas edificações passem a ser mais valorizadas e preservadas. “É um patrimônio recente e por isso mesmo ele está, às vezes, mais ameaçado. São edifícios que [ao contrário do que se costuma pensar] precisam de conservação”, diz.
A principal característica do movimento moderno é sua relação com o processo de industrialização e urbanização das grandes cidades, ou seja, há uma preocupação não só estética, mas também com a construção de espaços que possam ser funcionais. Um exemplo são os prédios construídos como grandes pavilhões modulados, que podem ser flexíveis a depender do uso que se queira conferir ao ambiente, o que mostra a capacidade adaptativa desse tipo de obra.
Do ponto de vista estético, ele se distancia das vertentes eclética ou neoclássica, caracterizadas pela forte presença de ornamentos (o prédio da Reitoria da UFC, por exemplo). Por serem mais recentes e possuírem aparência mais abstrata e sóbria, as obras modernas não são reconhecidas e valorizadas como patrimônio histórico e acabam não recebendo a mesma preocupação em relação à proteção. “Alguns edifícios são valorizados não pela obra, mas pela localização. Não é o valor cultural, mas o valor imobiliário”, aponta o professor.
ARQUITETOS
O período compreendido pelo guia coincide com três gerações de arquitetos modernos do Ceará. A primeira delas é de cearenses que migram para outros centros de estudo e produção, como o Rio de Janeiro, e voltam para Fortaleza, no fim dos anos 1950, para se inserir no mercado, inclusive atuando na UFC, tanto para projetar quanto para ensinar. É o caso de profissionais como José Liberal de Castro, Neudson Braga, Ivan Brito, dentre outros.
A segunda geração é composta por profissionais também cearenses que se formam em outros locais do País e passam a contribuir como professores na Escola de Arquitetura da UFC, como Roberto Castelo (Brasília), Marcílio Luna (Recife). Já a terceira geração é dos egressos das primeiras turmas de arquitetos já formados no Ceará, como Fausto Nilo e Paulo Cardoso, cuja atuação se torna intensa na década de 1970.
O ano de 1982 foi escolhido como o marco final do guia por conta de uma publicação da revista Projeto, especializada na área, com um panorama geral da arquitetura cearense desde a chegada dos primeiros arquitetos modernos. “É um marco na década de 80, que também é de transição. No fim da década, já começamos a ver influências pós-modernas na cidade”, explica o Prof. Ricardo.
NÚCLEO DOCOMOMO CEARÁ
Um dos objetivos da criação desse acervo é cultivar no poder público a ideia de preservação das obras arquitetônicas modernas, ainda pouco privilegiadas do ponto de vista de valor como patrimônio cultural e histórico. Para fortalecer esse movimento, foi criada uma unidade cearense do Núcleo de Documentação e Conservação do Movimento Moderno (DOCOMOMO) por pesquisadores da UFC, dentre eles as professoras Margarida Andrade e Beatriz Diógenes e os professores Clovis Jucá, Romeu Duarte e Ricardo Paiva.
O DOCOMOMO é um congregado internacional de pesquisadores e profissionais voltados ao objetivo de estudar o modernismo arquitetônico e compartilhar experiências de documentação, conservação e intervenção desse acervo pelo mundo. O I Seminário DOCOMOMO Ceará, realizado em fevereiro deste ano, culminou justamente em uma carta de Fortaleza acerca do direito à arquitetura moderna, com o intuito de incentivar o poder público a cultivar práticas de conservação.
“Essa é uma discussão escassa no poder público, no Estado e nos municípios. Quase nada do que é preservado é moderno”, diz o Prof. Ricardo. O trabalho de documentação, portanto, surge como condição essencial para a mudança dessa perspectiva. “É fundamental para a preservação e conservação do patrimônio, qualquer que seja, o processo de inventariação”, defende.
SAIBA MAIS
As publicações relacionados à conservação da arquitetura moderna podem ser acessados no site do LOCAU, laboratório responsável pela pesquisa, também conduzida pela Profª Beatriz Diógenes, e no site do DOCOMOMO Ceará.
Acesse o Guia da arquitetura moderna em Fortaleza.
Fonte: Prof. Ricardo Paiva, do LOCAU – e-mail: paiva_ricardo@yahoo.com.br