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Fatores associados à violência doméstica entre crianças e adolescentes

Publicação internacional usa estatística para apontar os sinais que podem indicar situações de perigo envolvendo meninas e meninos dentro de casa, auxiliando políticas públicas

Um artigo publicado na revista Vulnerable Children and Youth Studies (Estudos sobre Crianças e Jovens Vulneráveis) ajuda a identificar os fatores (os chamados preditores) que podem prever o risco de ocorrência da violência doméstica entre crianças e adolescentes, fenômeno complexo com muitas causas e elevados indicadores, mas pouca visibilidade. Para isso, a publicação dividiu os preditores em dois grupos: ser vítima ou ser promotor da violência (nomeado na pesquisa como perpetrador).

“Quando encontramos os determinantes, no caso aqui os preditores, temos como alertar aqueles que criam as políticas sociais, dando pistas dos aspectos que devem ser trabalhados para evitar que mais crianças e adolescentes promovam ou sofram violências”, explica Adriano Ferreira Martins, enfermeiro, mestre em Saúde Pública pela UFC e um dos autores do artigo.

Entre as crianças e adolescentes vítimas de violência, os principais agressores foram mães (34,3%) e pais (15,3%). Entre as crianças e adolescentes que promovem a violência, as principais vítimas foram adolescentes (26,5%) e mães (20,6%). O sexo feminino foi predominante tanto no grupo das vítimas (49,9%) quanto no dos perpetradores (51%). De acordo com Adriano Martins, a pesquisa mostra que os lares de crianças e adolescentes com esses determinantes não são tão seguros quanto deveriam.

Os fatores que aumentam a probabilidade de crianças e adolescentes serem vítimas foram: “violência prévia sofrida”, “ausência na escola”, “estarem trabalhando”, “uso de substâncias químicas” e “pais divorciados”. Já os preditores para que elas sejam promotoras foram: “ameaças” e “uso de substâncias químicas pelos pais”. “Todas as variáveis escolhidas foram baseadas em estudos de referências da área”, explica o pesquisador.

Tabela com porcentagens (Imagem: Adriano Martins e José Gomes Bezerra Filho)
O sexo feminino foi predominante tanto no grupo das vítimas (49,9%) quanto no dos perpetradores (51%) (Imagem: Adriano Martins e José Gomes Bezerra Filho)

A pesquisa foi realizada nos Conselhos Tutelares de Fortaleza, com 3.926 processos de violência doméstica envolvendo crianças e adolescentes em 2011. A ideia de trabalhar sob essa ótica surgiu antes mesmo do mestrado, quando Adriano participava do grupo de pesquisa Violência e Acidentes, coordenado pelo Prof. José Gomes Bezerra Filho. “Na época da coleta, não existia o SIPIA [Sistema de Informação para Infância e Adolescência]: os processos eram físicos, então foi um trabalho árduo, com prontuário às vezes de até 100 páginas, que revelavam pela leitura as complexas idas e vindas de sofrimento e promoção das violências”, relata.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

De acordo com o artigo “Can we foretell violence? Predictors of being victim and perpetrator of domestic violence involving children and adolescents in a Brazilian metropolis” (Podemos prever a violência? Preditores de ser vítima e perpetrador de violência doméstica envolvendo crianças e adolescentes em uma metrópole brasileira), a contribuição da pesquisa se dá em dois sentidos: a caracterização das crianças e adolescentes vítimas e perpetradores da violência e a aplicação dos chamados modelos de regressão logística nas análises estatísticas, que permitem prever valores tomando, no caso em questão, as variáveis ​​dependentes “vítimas” e “perpetradores”.

“À medida que fomos cruzando as variáveis, obtivemos as razões de chances, que é a razão entre a chance de um evento ocorrer em um grupo e a chance de ocorrer em outro grupo. E, a partir dessas razões de chances, é possível mostrar a probabilidade desse evento acontecer”, descreve Adriano Martins.

A publicação se atém à parte estatística da dissertação do pesquisador, intitulada Epidemiologia da violência envolvendo crianças e adolescentes em Fortaleza, quando era bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). A noção de uma epidemia se dá, conforme o enfermeiro, porque a violência causa um agravo, um processo de adoecimento cujas sequelas perduram para o resto da vida do envolvido. O artigo é assinado também por José Gomes Bezerra Filho, professor aposentado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFC e orientador de Adriano Martins no mestrado.

Segundo o autor, o modelo é construído escolhendo as variáveis denominadas “desfechos” (no caso do trabalho, elas são “promover violência” e “sofrer violência”); e as variáveis “exposições”, utilizadas para explicar o evento. Ao serem cruzadas, algumas vão sendo caracterizadas como estatisticamente significantes por meio do uso do software chamado Statistical Package for the Social Sciences (Pacote Estatístico para as Ciências Sociais) para a construção de modelos estatísticos que podem explicar essas violências. No fim do texto, há um apêndice com todas as variáveis, com o objetivo de expor os conceitos adotados pela literatura e pelos próprios instrumentos utilizados. “Fizemos isso porque, dependendo da base de referência, os termos podem ter conotações e interpretações diferentes”.

LARES INSEGUROS

A casa nem sempre é sinônimo de segurança para crianças e adolescentes. Segundo o pesquisador, existem vários estudos mostrando que, embora se tenha a ideia de que possam ser mais protegidos dentro de casa, a realidade é outra. “Isso se dá por conta de condições sociais e humanas vivenciadas no conjunto da sociedade nas mais diversas realidades no Brasil e no mundo. Esses determinantes ‘sociais’ estão intimamente ligados e são corresponsáveis pela violência disseminada”, interpreta.

De acordo com Adriano Martins, o ciclo da violência é perpetuado quando a vítima não passa por nenhum processo de redução de danos ou não melhora seus determinantes sociais de saúde. “Assim, o jovem inserido nessa realidade, que sofreu qualquer tipo de agravo, acaba promovendo e replicando essa violência”, explica.

Pesquisador Adriano Martins (Foto: Ribamar Neto/UFC)
Uma das contribuições do trabalho, de acordo com Adriano Martins, é a caracterização das crianças e adolescentes vítimas e promotoras da violência (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Para o enfermeiro, a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que existe desde 2005, foi importante porque levou para dentro de sua estrutura as bandeiras estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído na década de 1990. “Apesar disso, encontramos várias dificuldades e agravantes no processo, porque o investimento nessas políticas de assistência social não é priorizado tanto quanto deveria ser”, avalia.

A violência é considerada um problema global de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de acordo com artigo assinado, em 2002, por Linda Dahlberg e Etienne Krug no Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Segundo os autores, o principal obstáculo para a prevenção é o desconhecimento. Para muitos gestores públicos, enquadrar a violência como uma questão de saúde é algo novo e estaria em desacordo com a ideia de que se trata de um problema criminal. Isso se dá, de acordo com os pesquisadores, principalmente nas formas menos visíveis, como o abuso de crianças, mulheres e idosos. Segundo a OMS, calcula-se que, no último ano, até 1 bilhão de meninas e meninos entre 2 e 17 anos em todo o mundo foram vítimas de abusos físicos, sexuais, emocionais ou de abandono.

Fonte: Adriano Martins Ferreira, enfermeiro, mestre e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFC – e-mail: adrianoenfobr@gmail.com

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Síria Mapurunga 3 de dezembro de 2019

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