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Uma enzima para a produção de queijo vegetariano

Equipe da UFC estuda como usar uma proteína encontrada na planta Calotropis procera em diversas aplicações biotecnológicas

Abundante no Nordeste brasileiro e em outras regiões semiáridas, a planta Calotropis procera, conhecida como ciúme ou algodoeiro-de-seda, é uma espécie com uma peculiaridade de grande valia para a ciência: no látex são encontradas enzimas conhecidas como proteases, que apresentam aplicações biotecnológicas que vão da agropecuária à área da saúde. Estudar o látex dessa planta tem sido trabalho do grupo de Biotecnologia Molecular do Látex Vegetal há mais de 15 anos.

A equipe, vinculada ao Programa de Pós-Graduação de Bioquímica da Universidade Federal do Ceará, isola e estuda as enzimas do látex da planta, que é facilmente encontrada na Região Metropolitana de Fortaleza. Uma das aplicações das proteases purificadas está na produção diferenciada de queijo coalho, gerando o que os pesquisadores têm chamado de queijo vegetariano.

Para a produção do coalho há duas possibilidades bem conhecidas. Na primeira, para fazer o processo de coagulação do leite, utiliza-se a quimosina, uma protease retirada do quarto estômago de bezerros, que são abatidos no processo. Na segunda, atualmente mais comum pela maior produtividade, usam-se micro-organismos para reproduzir a quimosina transgênica.

Queijo vegetariano, de cor branca, sobre a mesa (Foto: Divulgação/Cléverson de Freitas)

Diferentemente de outras enzimas vegetais, a protease da Calotropis não deixa o sabor do queijo amargo (Foto: Divulgação/Cléverson de Freitas)

As proteases, como a quimosina, possuem a característica de quebrar cadeias de proteínas, desorganizando-as. Esse é o processo que ocorre com o leite na elaboração do queijo: após a desorganização das proteínas (no leite, se chamam caseínas) pela introdução da protease, elas buscam uma nova organização e se acumulam criando uma estrutura que tende a se sedimentar. Basta que isso seja prensado para o queijo ficar pronto.

No caso das proteases encontradas no látex de Calotropis procera, o processo é parecido com o da própria quimosina, o que garante um produto final com qualidade similar à do queijo coalho tradicional, com sabor único, apesar de a textura ser um pouco diferente. Isso porque essa protease vegetal age de forma semelhante no momento de quebrar a cadeia de caseínas do leite, porém gera produtos distintos daqueles da quimosina.

O Prof. Cléverson de Freitas, pesquisador-chefe do estudo, explica que outros grupos de pesquisa já tentaram obter coalho com proteases vegetais, mas geraram queijos com gosto amargo. “Cada protease tem uma característica diferente. Há algumas que podem produzir substâncias indesejáveis, que geram um sabor desagradável ao paladar. Com a nossa protease, o queijo tem textura e gosto diferente, mas não é amargo”, garante.

PRODUÇÃO INDUSTRIAL

A produção em escala laboratorial já mostrou que as proteases da Calotropis não possuem qualquer toxicidade, mesmo em testes com altas doses, e se apresentam em baixa quantidade no produto final. “No queijo, você adiciona as proteases em pequenas quantidades. Já realizamos estudos mostrando que elas não foram detectadas no produto, o que diminui ainda mais qualquer possibilidade de alergia ou efeito tóxico”, explica Cléverson.

 “O objetivo, porém, não é substituir a quimosina, apenas ter um produto diferente disponível no mercado, cujo valor agregado é muito alto”

A ideia do grupo é elevar essa produção à escala industrial, algo que já está sendo planejado em parceria com a empresa Lá de Casa, localizada em Limoeiro do Norte, ação financiada pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) por meio de seu programa de inovação, o Inovafit.

Para concretizar a produção, os pesquisadores vão agora fazer a caracterização de valores nutricionais do queijo e adequá-lo à legislação prevista. “O objetivo, porém, não é substituir a quimosina, apenas ter um produto diferente disponível no mercado, cujo valor agregado é muito alto”, ressalta.

OUTRAS APLICAÇÕES

Essa característica peculiar das proteases de degradar proteínas garante às enzimas encontradas na Calotropis uma série de outras aplicações industriais. Uma das várias aplicações das proteases de Calotropis que vêm sendo estudadas pelo grupo da UFC está na retirada de pelos de peles de animais, um dos processos da indústria agropecuária para a produção de couro de bovinos e caprinos.

Antes de ser levado à indústria de transformação, o couro necessita ser lavado e tratado, um procedimento que precisa garantir a conservação das características de resistência, elasticidade e integridade. Um dos materiais utilizados nesse processo é o sulfeto de sódio, que se insere justamente na etapa de depilação.

O Prof. Márcio Ramos, responsável pela pesquisa e coordenador do grupo de Biotecnologia Molecular do Látex Vegetal, explica que o sulfeto é extremamente tóxico e prejudicial tanto ao meio ambiente quanto à saúde de quem entra em contato com ele no processo de tratamento do couro. “Quando o material é lavado, esse afluente tóxico é escoado para o ambiente”, explica.

Por isso, há pesquisas que visam propor a troca dessa substância por outras com a mesma eficácia no processo de depilação. É aí que se aplicam as enzimas da Calotropis procera. Como os pelos também são formados por proteínas (nesse caso, a queratina), as proteases examinadas pelo grupo nesse outro estudo podem ser uma alternativa ideal, oferecendo a substituição de um processo químico por um biológico. A pesquisa vem sendo desenvolvida em parceria com a Universidade de La Plata, na Argentina.

Pesquisadores em espaço de laboratório com as mãos sobre o balcão (Foto: Ribamar Neto/UFC)

O grupo responsável pelo estudo avalia ainda outras aplicações biotecnológicas para a enzima da Calotropis (Foto: Ribamar Neto/UFC)

A ideia é a mesma dos trabalhos realizados com o queijo: as proteases atacam diretamente a cadeia de proteínas, digerindo-as e causando a queda do pelo. Para o grupo, as pesquisas são facilitadas, ainda que em áreas distintas, justamente porque as mesmas proteases utilizadas para um caso específico podem ser empregadas para outro.

O pesquisador garante que os resultados obtidos são satisfatórios, com a mesma eficiência (incluindo eficácia e tempo de duração) da metodologia usada hoje na indústria. “A etapa em que estamos agora é a de contatar uma indústria para que possamos validar esse processo com couro caprino e ovino e também licenciar a patente para que a indústria local possa usar essa fonte enzimática”, explica o pesquisador.

Em ambas as pesquisas, já foram apresentados pedidos de patentes ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), tendo a UFC como detentora das tecnologias.

Kevin Alencar 28 de novembro de 2017

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