Com uma frota de 1.053.975 veículos, número resultante de aumento de 49% nos últimos 10 anos, Fortaleza tem sido palco de várias intervenções de mobilidade para desafogar zonas de congestionamento e proporcionar opções além do carro particular. Essas ações e o impacto nos habitantes da cidade são o foco de pesquisa do Laboratório de Estudos de Política e Cultura (LEPEC).
Para estudar a real efetividade das políticas desenvolvidas e propor alternativas, o Prof. Irapuan Peixoto se debruçou sobre a experiência de mobilidade em outras cidades do mundo, especialmente na América Latina.
Segundo o pesquisador, o forte investimento em obras de estrutura viárias, como o alargamento de vias e a construção de viadutos, está em consonância com a cultura de transporte individual, que valoriza o carro, típica das grandes metrópoles brasileiras. Para ele, esse investimento causaria alívio no trânsito apenas temporariamente, uma vez que as obras acabam estimulando o consumo de veículos particulares e, a longo prazo, aumentando os congestionamentos.
Ele lembra que em cidades como Londres e Nova York os moradores são desestimulados a usar carros em áreas centrais, em virtude do custo de estacionamento, da escassez de vagas e de opções mais eficientes de transporte público. O professor acredita, então, que a real melhoria na mobilidade da cidade se daria por meio da mudança dessa cultura e do investimento no transporte coletivo.”É preciso provar que é mais rápido andar de ônibus do que de carro para que o motorista particular veja que não vale a pena (o carro)”, defende.
“Deve haver redistribuição, requalificação e um repensar do transporte público de Fortaleza”
Entretanto, ele considera que a falta de estrutura e conforto no sistema público de transporte, sobretudo nos ônibus, tem sido um empecilho para garantir essa mudança de hábito. “Deve haver redistribuição, requalificação e um repensar do transporte público de Fortaleza para que ele possa, de fato, aparecer como alternativa ao transporte particular”, complementa.
Mesmo que haja o ganho de novas faixas preferenciais para ônibus a partir das obras viárias desenvolvidas, garantindo maior velocidade na locomoção, o professor argumenta que a reformulação de vias não é uma solução completa, visto que os coletivos ainda precisam dividir o mesmo espaço com carros nos momentos de conversão.
Outro problema encontrado por quem depende dos ônibus está na falta de confiança no cumprimento de horários dos coletivos, algo que começa a ser contornado por aplicativos de celular que informam a chegada dos veículos nas paradas. “Se você sabe o horário de seu ônibus, você planeja sua vida em torno disso. A confiabilidade do sistema torna o uso do ônibus uma coisa menos traumática”, explica.
SOLUÇÕES
Modelo adotado inicialmente em Curitiba e copiado por países da América Latina, o Bus Rapid Transit (BRT) tem sido uma das apostas da gestão em Fortaleza para desafogar as grandes vias, retirando automóveis do espaço de circulação dos ônibus. “É interessante perceber que o Brasil está exportando esse modelo, mas não estamos refletindo (sociologicamente) sobre ele. Discutimos a mobilidade apenas em um aspecto matemático ou estrutural”, provoca Irapuan.
Tomado como uma experiência de sucesso, por facilitar o trajeto dos coletivos, o BRT surge, segundo o professor, como uma alternativa melhor que o metrô, projeto caro e, no caso de Fortaleza, ultrapassado (visto que data de 1997). Ele argumenta que, ao contrário de cidades onde o sistema subterrâneo já é bem estabelecido e são necessárias apenas algumas melhorias, na capital cearense, a construção de novas linhas demanda trabalho e gastos que seriam melhor investidos no BRT, obra capaz de trazer um impacto positivo maior na cidade por ser de superfície.
Diante do ainda deficiente sistema de ônibus e metrô, o que surge são medidas paliativas de transporte alternativo, como é o caso das bicicletas compartilhadas, promovido em Fortaleza por parceria público-privada. “Houve desenvolvimento de ciclofaixas, foram surgindo iniciativas. Mas até que ponto (se pode afirmar que) o uso é apenas de lazer ou que está tendo adesão da população?”, questiona o pesquisador.
“Existe um movimento de tensão de demanda e oferta entre população e governo, que precisa negociar com a sociedade civil”
Apesar de proporcionar um novo modelo de locomoção, o sistema tem sido desenvolvido de forma problemática, segundo Irapuan. Ele lembra que o uso da bicicleta como condução cotidiana sempre foi comum nas regiões periféricas da cidade, mas a distribuição de estações do modelo compartilhado teve início em bairros nobres, de forma concentrada.
“A periferia sempre andou de bicicleta, mas não tinha essa proteção estrutural”, argumenta. “O máximo que tivemos foram as ciclovias nos anos 1980, que são intrafegáveis, pois estão tomadas por árvores.” Apesar de haver a proposta de expansão, o pesquisador questiona se as estações um dia chegarão às regiões afastadas, algo que ele acredita poder ser resolvido se houver um movimento de convergência de um ponto da cidade a outro, em vez de espalhamento a partir da região central.
FUTURO
Os próximos passos da pesquisa tentarão, por meio de entrevistas, de fato estipular se o sistema compartilhado de bicicletas tem servido na melhoria do deslocamento diário. O pesquisador segue a hipótese de que se trata, em um primeiro momento, de um modelo mais ligado ao lazer do que à funcionalidade na mobilidade urbana. Também será analisado o impacto das primeiras intervenções de BRT na cidade, tanto para os motoristas de carro particulares quanto para os usuários e motoristas dos ônibus.
Com a pesquisa, Irapuan espera ajudar a preencher a lacuna de estudos dentro da sociologia que abordem a temática da mobilidade urbana, enfocando a dinâmica entre poder público e habitantes da cidade. “Existe um movimento de tensão de demanda e oferta entre população, que exige uma solução, e governo, que tenta satisfazer essa exigência, mas precisa negociar com a sociedade civil. É interessante analisar essa negociação”, diz.