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Saúde

Um corante que pode ajudar a combater o Parkinson

Laboratório da UFC encontrou na substância BBG características de proteção contra as lesões causadas pela doença

Ficar com a língua azul depois de comer um doce é prática comum durante a infância. Mas o que antes era apenas brincadeira de criança também pode ter valor para a ciência, sobretudo na área da saúde. Isso porque um corante, o Brilliant Blue-G (BBG), similar ao utilizado na produção dos doces de coloração azul, apresentou características favoráveis nos testes em laboratório com relação ao tratamento do mal de Parkinson.

O Laboratório de Neurociências e Comportamento (LNC) do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará tem investigado as propriedades do BBG no combate ao Parkinson e já constatou que, além de proteger os neurônios, evitando boa parte das lesões provocadas pela doença, a substância também diminui os efeitos colaterais da principal droga usada normalmente no tratamento, a L-Dopa.

O Parkinson é causado pela morte de neurônios da chamada substância negra do mesencéfalo, responsável pela produção de dopamina, um neurotransmissor que desempenha importante papel no controle motor. Quando esses neurônios morrem e a quantidade de dopamina no corpo diminui, os sintomas do Parkinson podem surgir. O BBG, que tem características anti-inflamatórias, ajuda a proteger essa região, diminuindo as lesões e a morte dos neurônios pela metade, segundo os testes realizados pelo LNC.

Profª Geanne Matos em laboratório de neurociências da UFC (Foto: Jr. Panela/UFC)

Profa Geanne Matos coordena o Laboratório de Neurociências e Comportamento da UFC (Foto: Jr. Panela/UFC)

A pesquisa ainda está em fase pré-clínica, tendo sido realizada apenas em modelos animais. Várias etapas precisam ser concluídas antes da realização de estudos em humanos. Os modelos animais são induzidos a desenvolver uma condição similar ao Parkinson (apenas humanos possuem a doença propriamente dita).

O BBG foi testado em dois modelos pelo laboratório: no primeiro, a condição já estava estabelecida alguns dias antes da administração do corante, enquanto no segundo o procedimento se deu antes do início das lesões.

A equipe constatou que, no primeiro caso (com as lesões já em andamento), não foi possível reverter o quadro e restabelecer os neurônios. Entretanto, no segundo modelo, as lesões na substância negra ocorreram em quantidade muito menor do que nos animais em que não havia proteção. A quantidade de dopamina em um dos animais, por exemplo, que tinha caído de 1.300 nanogramas por miligrama de tecido para apenas 44, voltou a ser cerca de 2.000 com o BBG.

Em parte essa atuação do BBG pode ser explicada da seguinte forma: quando há uma lesão, o nucleotídeo chamado ATP é liberado em grande quantidade pelos neurônios e células da glia (estas dão suporte ao funcionamento do sistema nervoso), ativando células inflamatórias e agravando a lesão.

No processo, o ATP se liga a um receptor chamado P2X7, propiciando a entrada em excesso de cálcio na célula, o que causa a morte de neurônios saudáveis. O BBG, nesse caso, funciona como um antagonista do P2X7, evitando as lesões.

USO MÉDICO

A coordenadora do laboratório, Profª Geanne Matos, lembra que o único uso do BBG na clínica até agora é feito na oftalmologia, funcionando como um marcador em cirurgias. “Ele é usado durante a cromovitrectomia (cirurgia auxiliada por corantes) devido à sua notável afinidade pela membrana limitante interna da retina”, diz, ressaltando que o uso clínico como bloqueador de P2X7 ainda não foi aprovado para nenhum corante.

Mas um dos benefícios do BBG é que ele já teve os testes de toxicidade realizados, o que facilitaria a evolução do corante em um fármaco voltado para o Parkinson. “A vantagem do redirecionamento é que, se a indústria se interessar, vai economizar dinheiro e tempo, podendo-se chegar mais rápido aos estudos clínicos”, diz Geanne.

EFEITOS COLATERAIS

Outra atuação do BBG tem relação com a L-Dopa (principal fármaco usado para tratar pacientes com Parkinson), que faz a reposição da dopamina perdida. O problema é que o uso contínuo da droga pode gerar, ao longo do tempo, efeitos colaterais no sistema motor, que se apresentam na forma de discinesias (movimentos involuntários pelo corpo).

Em um trabalho ainda não publicado, o laboratório da UFC concluiu que o BBG também é capaz de reduzir consideravelmente essas discinesias, garantindo proteção ao paciente. O mecanismo de ação disso ainda não está claro, mas os pesquisadores também apostam na relação da substância com as vias dopaminérgicas.

“Não se sabe bem o mecanismo que causa a discinesia. O que se sabe é que as vias dopaminérgicas estão alteradas e, quando se administra muita dopamina, o paciente começa a ter distúrbios motores incontroláveis”, explica Geanne. Contudo, ela lembra que ainda é preciso desenvolver novos estudos para entender o funcionamento do BBG nesse sistema.

Rato com patas e orelhas azuis: efeito colateral do BBG (Imagem: Takahiro Takano/University of Rochester Medical Center)

Efeito colateral da BBG em ratos (Imagem: Takahiro Takano/University of Rochester Medical Center)

Há ainda outro estudo a ser realizado caso o corante seja visto por alguma empresa como potencial fármaco: a alteração da molécula que causa a coloração azul. No testes em ratos, a substância fez com que algumas áreas mudassem de cor (sobretudo o abdômen, onde o BBG foi injetado, mas também as orelhas e os testículos).

“Se um humano tomar, pode acontecer a mesma coisa. Os pesquisadores da química precisariam fazer alterações nessa molécula, mas sem tirar as características principais dela”, diz a professora. O caminho do laboratório até a clínica, porém, ainda é longo, e a pesquisadora lembra que cabe aos farmacologistas clínicos e à indústria fazer o direcionamento do corante para que ele se transforme, de fato, em remédio.

 

Kevin Alencar 21 de novembro de 2017

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