Agência UFC

Ciências

UFC desenvolve tecnologia para combater efeitos colaterais do tratamento contra câncer

Pesquisadores acabam de receber a patente por uma microcápsula, a ser utilizada no tratamento contra leucemia promielocítica

Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Química acabam de obter patente de uma microcápsula para ser utilizada no tratamento contra a leucemia promielocítica (LPA), um tipo de câncer de sangue e medula. O objetivo principal da microcápsula é oferecer um tratamento que reduza os efeitos colaterais dos métodos tradicionais contra a LPA, muitas vezes à base de quimioterapia. O estudo foi publicado recentemente na revista internacional Carbohydrate Polymers

A leucemia promielocítica é um subtipo da leucemia mieloide aguda. Ela é uma doença adquirida (não-hereditária) e ocorre quando a medula realiza uma superprodução de células imaturas, a ponto de prejudicar a geração das demais células sanguíneas.  Se tratada no início, as chances de cura são altas, mas é importante que as medidas sejam iniciadas o mais rápido possível. O tratamento depende muito da situação de cada paciente, mas é comum o uso de quimioterápicos. 

O problema é que os fármacos quimioterápicos atingem tanto as células cancerosas, que precisam efetivamente ser mortas, como também as sadias, e é isso que provoca inúmeras reações adversas. Foi justamente para atenuar esses efeitos colaterais da quimioterapia que os pesquisadores da UFC decidiram usar a biotecnologia para desenvolver a microcápsula. 

A pesquisadora Louhana Moreira Rebouças (esquerda) com sua orientadora, a Profa Nágila Ricardo, em frente aos equipamentos utilizados na elaboração da microcápsula (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)

“A nossa expectativa é de que esse medicamento possa ser uma alternativa eficaz no tratamento da LPA sem provocar reações adversas inerentes a outros quimioterápicos”, explica a Profª Nágila Ricardo, orientadora da pesquisa e uma das inventoras da microcápsula. 

BIOTECNOLOGIA E DERIVADOS VEGETAIS CONTRA O CÂNCER 

De início, a equipe identificou na literatura científica que o ácido betulínico é uma substância extraída das cascas de árvores como eucalipto e da betula, com atividade antitumoral seletiva – ou seja, que ataca prioritariamente as células doentes. “Mas ainda assim, apresentam citotoxicidade (afetando as células sadias). E nós procuramos diminuir isso”, explica a pesquisadora Louhana Moreira Rebouças, cuja tese de doutorado deu origem ao desenvolvimento da microcápsula. 

A esse ácido, a equipe associou a hesperidina, também uma substância natural obtida a partir da casca de frutas cítricas, que potencializa o efeito de algumas substâncias a que estiver associada. Isso significa que ele amplia o poder de combate a determinadas células cancerosas. 

A combinação por si só, no entanto, não resolve o problema dos efeitos colaterais. Para isso, os cientistas utilizaram biotecnologia para projetar uma microcápsula. No centro da microcápsula, foi inserida uma mistura de ácido betulínico e hesperidina, solubilizados em nanogotículas de óleo. Esse design permite que o ácido potencializado seja liberado aos poucos, de forma constante e concentrada nas células com câncer, reduzindo os efeitos negativos nas células sadias. 

Foto de equipamento que se assemelha a um liquidificador, sem a tampa. A base é azul e sobre ele há uma peça de vidro no qual está sendo derramado uma mistura turva, de cor branca
Para elaboração das microcápsulas, o ácido betulínico e a hesperidina são misturados com óleo, água e tensoativos em um aparelho chamado sonicador. Depois, passam por um novo equipamento (foto), que promove a mistura a nível nanométrico. (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)

LIBERAÇÃO CONTROLADA DOS ATIVOS 

Com esse modelo construído, a equipe de cientistas realizou estudos in vitro (em laboratório, utilizando células doentes). “As microcápsulas contendo ácido betulínico e hesperidina foram testadas em diversos tipos de células de câncer. E os melhores resultados de aumento de eficácia antitumoral pela atuação simultânea dos ativos foram contra células de leucemia promielocítica aguda”, explica a Profª Nágila. 

Depois disso, foram realizados testes em peixes-zebra (Danio rerio), conhecidos por muitos como “paulistinha”, muito utilizados como modelo animal porque possuem homologia genética de 70% com os seres humanos. No caso, foram avaliados a toxicidade aguda e a atividade locomotora. A mistura nem se mostrou tóxica, nem afetou os movimentos dos animais. 

“O que evita a citotoxicidade contra células sadias não é a mistura (do ácido e da hesperidina), mas o sistema como um todo que permite a liberação controlada”, explica Louhana. “O sistema evita picos de concentração (das substâncias com citotoxicidade), que acabam expondo células sadias às concentrações altas. E quando eu consigo controlar essa concentração, consigo manter as substâncias dentro de uma faixa terapêutica”, completa a pesquisadora. 

Para a obtenção das nanocápsulas, a solução líquida com os ativos misturados é posta em um aparelho chamado Spray Dryer, como nesta foto. O aparelho é responsável por retirar a água, resultando nas microcápsulas em formato de um pó branco. (Foto: Viktor Braga/UFC Informa)

Com o trabalho, a equipe conseguiu obter o registro de carta patente, a 38ª da UFC. O invento está em nome dos pesquisadores Nágila Ricardo, Louhana Rebouças, Deyse de Sousa Maia, Nilce de Sousa Brasil, Cláudia do Ó Pessoa, Odorico Moraes e Pedro Mikael Costa. A patente garante a proteção dos direitos intelectuais dos pesquisadores. 

Para se transformar em medicamento propriamente dito, ainda são necessários vários outros passos. Primeiro, testes com animais para avaliar se a ação do composto contra a leucemia promielocítica identificada nas células in vitro também ocorre com seres vivos. Somente se os resultados forem positivos, como tendem a ser, o novo composto será testado em humanos (a chamada “fase clínica”).  

É um caminho ainda longo que objetiva ter certeza da eficácia e segurança da microcápsula no tratamento contra a LPA. Esses testes ainda não têm prazo para início. A pesquisa recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Fonte: Profª Nágila Ricardo, orientadora da pesquisa – e-mail: naricard@ufc.br 

Erick Guimarães 14 de março de 2023

Assuntos relacionados

Máquina de análise de solos sobre bancada de laboratório Pesquisadores da UFC criam equipamento portátil que permite análise do solo no próprio campo

Patenteada em maio, a máquina pode ser manipulada pelo próprio agricultor e promete redução de custos na produção agrícola

Jane Goodall falando em conferência enquanto segura uma pelúcia de macaco (Foto: Adrián Zoltán/Képszerkesztőség) Conheça a história da cientista Jane Goodall

Hoje referência no mundo inteiro, a primatóloga fora desacreditada no início da carreira, por ser mulher e não ter formação acadêmica

Pesquisador segura lâmina com órgão que passou por técnica de plastinação (Foto: Ribamar Neto/UFC) A técnica de plastinação no estudo de anatomia

A UFC é a única universidade do Nordeste com laboratório voltado a esse tipo de conservação, que utiliza o silicone ao invés do formol