Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Química acabam de obter patente de uma microcápsula para ser utilizada no tratamento contra a leucemia promielocítica (LPA), um tipo de câncer de sangue e medula. O objetivo principal da microcápsula é oferecer um tratamento que reduza os efeitos colaterais dos métodos tradicionais contra a LPA, muitas vezes à base de quimioterapia. O estudo foi publicado recentemente na revista internacional Carbohydrate Polymers.
A leucemia promielocítica é um subtipo da leucemia mieloide aguda. Ela é uma doença adquirida (não-hereditária) e ocorre quando a medula realiza uma superprodução de células imaturas, a ponto de prejudicar a geração das demais células sanguíneas. Se tratada no início, as chances de cura são altas, mas é importante que as medidas sejam iniciadas o mais rápido possível. O tratamento depende muito da situação de cada paciente, mas é comum o uso de quimioterápicos.
O problema é que os fármacos quimioterápicos atingem tanto as células cancerosas, que precisam efetivamente ser mortas, como também as sadias, e é isso que provoca inúmeras reações adversas. Foi justamente para atenuar esses efeitos colaterais da quimioterapia que os pesquisadores da UFC decidiram usar a biotecnologia para desenvolver a microcápsula.
“A nossa expectativa é de que esse medicamento possa ser uma alternativa eficaz no tratamento da LPA sem provocar reações adversas inerentes a outros quimioterápicos”, explica a Profª Nágila Ricardo, orientadora da pesquisa e uma das inventoras da microcápsula.
BIOTECNOLOGIA E DERIVADOS VEGETAIS CONTRA O CÂNCER
De início, a equipe identificou na literatura científica que o ácido betulínico é uma substância extraída das cascas de árvores como eucalipto e da betula, com atividade antitumoral seletiva – ou seja, que ataca prioritariamente as células doentes. “Mas ainda assim, apresentam citotoxicidade (afetando as células sadias). E nós procuramos diminuir isso”, explica a pesquisadora Louhana Moreira Rebouças, cuja tese de doutorado deu origem ao desenvolvimento da microcápsula.
A esse ácido, a equipe associou a hesperidina, também uma substância natural obtida a partir da casca de frutas cítricas, que potencializa o efeito de algumas substâncias a que estiver associada. Isso significa que ele amplia o poder de combate a determinadas células cancerosas.
A combinação por si só, no entanto, não resolve o problema dos efeitos colaterais. Para isso, os cientistas utilizaram biotecnologia para projetar uma microcápsula. No centro da microcápsula, foi inserida uma mistura de ácido betulínico e hesperidina, solubilizados em nanogotículas de óleo. Esse design permite que o ácido potencializado seja liberado aos poucos, de forma constante e concentrada nas células com câncer, reduzindo os efeitos negativos nas células sadias.
LIBERAÇÃO CONTROLADA DOS ATIVOS
Com esse modelo construído, a equipe de cientistas realizou estudos in vitro (em laboratório, utilizando células doentes). “As microcápsulas contendo ácido betulínico e hesperidina foram testadas em diversos tipos de células de câncer. E os melhores resultados de aumento de eficácia antitumoral pela atuação simultânea dos ativos foram contra células de leucemia promielocítica aguda”, explica a Profª Nágila.
Depois disso, foram realizados testes em peixes-zebra (Danio rerio), conhecidos por muitos como “paulistinha”, muito utilizados como modelo animal porque possuem homologia genética de 70% com os seres humanos. No caso, foram avaliados a toxicidade aguda e a atividade locomotora. A mistura nem se mostrou tóxica, nem afetou os movimentos dos animais.
“O que evita a citotoxicidade contra células sadias não é a mistura (do ácido e da hesperidina), mas o sistema como um todo que permite a liberação controlada”, explica Louhana. “O sistema evita picos de concentração (das substâncias com citotoxicidade), que acabam expondo células sadias às concentrações altas. E quando eu consigo controlar essa concentração, consigo manter as substâncias dentro de uma faixa terapêutica”, completa a pesquisadora.
Com o trabalho, a equipe conseguiu obter o registro de carta patente, a 38ª da UFC. O invento está em nome dos pesquisadores Nágila Ricardo, Louhana Rebouças, Deyse de Sousa Maia, Nilce de Sousa Brasil, Cláudia do Ó Pessoa, Odorico Moraes e Pedro Mikael Costa. A patente garante a proteção dos direitos intelectuais dos pesquisadores.
Para se transformar em medicamento propriamente dito, ainda são necessários vários outros passos. Primeiro, testes com animais para avaliar se a ação do composto contra a leucemia promielocítica identificada nas células in vitro também ocorre com seres vivos. Somente se os resultados forem positivos, como tendem a ser, o novo composto será testado em humanos (a chamada “fase clínica”).
É um caminho ainda longo que objetiva ter certeza da eficácia e segurança da microcápsula no tratamento contra a LPA. Esses testes ainda não têm prazo para início. A pesquisa recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Fonte: Profª Nágila Ricardo, orientadora da pesquisa – e-mail: naricard@ufc.br