Crescimento populacional, aumento de demanda de água, diminuição da oferta e mais conflitos pela disponibilidade hídrica: deve ser essa a Fortaleza do futuro. O cenário é apontado pelo projeto Gestão Adaptativa do Risco Climático de Seca como Estratégia de Redução dos Impactos da Mudança Climática (ADAPTA), do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará.
A pesquisa do ADAPTA estima que o consumo da Capital deve alcançar 20 metros cúbicos por segundo em 2040 (cada metro cúbico equivale a mil litros), mesmo se passar a adotar um uso conservativo. Até o início da seca, em 2012, o consumo de toda a Região Metropolitana era de cerca de 12 metros cúbicos por segundo.
“No século XX, triplicamos a população e sextuplicamos o uso de água. Se formos conservativos, podemos imaginar que vai se manter o consumo per capita”, explica o coordenador do ADAPTA, Francisco de Assis de Souza Filho. Na prática, isso tornará a Capital dependente da transposição do rio São Francisco.
Para chegar aos cenários futuros, a pesquisa tomou como referência a disponibilidade atual de água no Ceará e informações históricas de variabilidade climática, em que são analisados períodos de seca e de grande incidência de chuva, e montou um grande banco de dados hídricos do Estado. Também esboçou potenciais futuros, considerando aspectos econômicos e sociais e a mudança climática.
O projeto trabalha com a ideia de cenários possíveis. Se o clima e a demanda atual se mantiverem os mesmos durante as próximas décadas, por exemplo, o bombeamento do São Francisco teria de ser acionado a cada 5 ou 10 anos, permanecendo ativo de 3 a 4 anos. Mas em um cenário de mudança climática, com aumento de demanda e redução da oferta local dos rios, o São Francisco deveria ser bombeado continuamente, gerando maiores conflitos políticos e sociais pela água da bacia.
ESTRATÉGIAS
Segundo o Prof. Assis, se confirmada a hipótese de maior demanda por água com uma população crescente, novas estratégias precisam ser criadas para evitar o colapso da cidade. “Neste cenário, consideramos a hipótese de aumentar o pedido de outorga de uso do São Francisco”, antecipa.
A ideia é criar novos mecanismos de segurança hídrica para diminuir a pressão do grande sistema. “O que vai acontecer é que o rio Jaguaribe e o São Francisco estarão pressionados por Fortaleza”, explica Assis. Por isso, além da transposição, seria necessário ampliar as fontes hídricas da Capital. Atualmente, Fortaleza se utiliza principalmente do sistema de açudes Pacoti-Riachão-Gavião e do transporte de águas do Castanhão via eixão das águas.
Uma das possibilidades é trabalhar com a dessalinização. “Precisamos fazer um estudo para identificar a viabilidade ambiental e financeira, mas temos de considerar essa alternativa”, assegura. Atualmente, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE) deu início a um projeto de parceria público-privada para uma usina capaz de abastecer a cidade com até 1 metro cúbico por segundo de água dessalinizada.
Outra ação que será necessária para Fortaleza é o reúso de água, com a adaptação das residências para que tenham dois sistemas de despejo: um para águas cinzas e outro para esgoto. A água cinza, proveniente de chuveiro e pia, seria tratada e destinada a usos como descarga de vaso sanitário, responsável, segundo o Prof. Assis, por cerca de 30% de todo o consumo das casas.
Já a água do esgoto passaria pelo mesmo tratamento já existente na cidade para depois ser reutilizada. Uma das propostas é levar a água de esgoto tratada para o complexo industrial do Pecém por meio de um canal. Atualmente, esse canal é empregado para levar água bruta, que é utilizada naquelas instalações e passaria a ser economizada.
Além disso, pode ser feito um sistema de cisternas urbanas em prédios, para captação de água da chuva, e a perfuração de novos poços. Neste último caso, porém, a exploração de recursos seria mais difícil, já que Fortaleza está localizada na chamada Formação Barreiras, que apresenta baixa permeabilidade.
MULTIDISCIPLINARIDADE
O projeto ADAPTA, com parcerias nacionais e internacionais entre universidades e instituições públicas, trabalha hoje em duas regiões do País. No Ceará, é estudada a bacia do Jaguaribe; no Sudeste, a bacia do rio Paraíba do Sul, que abrange municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. As bacias têm características físicas diferentes, mas ambas abastecem áreas metropolitanas.
Com foco no tema da alocação da água, a pesquisa chega a analisar a variabilidade climática dos últimos mil anos, com auxílio de estudos meteorológicos e geográficos, além de considerar os fatores de governança da água. Por isso, participam do projeto pesquisadores de vários campos do conhecimento, como sociologia, antropologia, engenharia e física. “Prever o clima do futuro é também difícil pela dimensão da política, que condiciona os processos naturais. O homem hoje é uma força geológica”, afirma Assis.
Fonte: Prof. Francisco de Assis de Souza Filho – e-mail: assis@ufc.br