O feijão é um item básico na mesa do brasileiro, pois agrada a nosso paladar desde a mais tenra idade e nos remete à comida caseira. Nos versos da canção “O preto que satisfaz (Feijão maravilha)”, de Gonzaguinha, o alimento é tido como o preferido de “dez entre dez brasileiros”, com um sabor típico, ou “gosto de festa”, que o torna “verdadeiro fator de união da família”.
Nas últimas cinco décadas, pesquisadores do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará mantêm um amplo campo de estudos envolvendo o feijão-caupi, da espécie Vigna unguiculata, com ênfase na área de melhoramento genético.
O grão possui variações regionais; no Nordeste, o caupi é conhecido como feijão-de-corda; feijão-macáçar, no Norte; feijão-fradinho, no Sudeste; e feijão-miúdo, no Sul. No caso do Nordeste, o caupi ocupa mais de 90% da área plantada, mas sofre sérios problemas com sua baixa produtividade.
A forte presença do feijão na dieta da população brasileira e a relevância socioeconômica dessa cultura são aspectos destacados por Cândida Bertini, pesquisadora do programa de Pós-Graduação em Agronomia e Fitotecnia da UFC. No primeiro semestre de 2017, ela lançou o livro “Feijão-caupi: do plantio à colheita”, em conjunto com os professores Júlio César do Vale e Aluízio Borém, pela Editora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), de Minas Gerais.
A opção por estudar esse tipo de feijão se fundamenta em sua alta tolerância à oferta irregular de chuva, fator decisivo para a adaptação do cultivo em áreas de clima semiárido, além da elevada importância como fonte de nutrientes e da presença de alta variabilidade genética para diferentes características que podem ser melhoradas.
Segundo a autora, o objetivo da publicação é abordar toda a cadeia produtiva do feijão-caupi de forma simples e acessível para estudantes, técnicos agrícolas e também para outros atores, como melhoristas, profissionais dedicados a aprimorar via melhoramento genético as propriedades de sabor, concentração de nutrientes, produtividade e resistência a doenças.
MELHORAMENTO GENÉTICO
“O processo de melhoramento surge desde que o homem descobriu as plantas, passou a se alimentar delas e começou o processo de domesticação e seleção de forma empírica. Depois, adquiriu conhecimento sobre genética, avançando na biologia molecular”, explica.
Uma característica do feijão-caupi é o processo reprodutivo, pois as flores dessa planta são hermafroditas, ou seja, apresentam tanto estruturas masculinas como femininas, e se reproduzem por autopolinização, sem que ocorra a participação do vento ou de insetos como abelhas e borboletas.
Com o passar do tempo, as plantas geradas possuem no DNA cópias idênticas das plantas-mães, o que lhes causa maior risco perante a infestação de pragas e o surgimento de doenças. A ocorrência de mutações e possíveis cruzamentos que podem ocorrer entre plantas diferentes, no entanto, levam a variações genéticas que permitem a realização do melhoramento genético.
O trabalho contínuo de melhoramento genético e as pesquisas visando à obtenção de novas linhagens e variedades cultivadas são indispensáveis para o desenvolvimento dos chamados cultivares – plantas melhoradas geneticamente que se distinguem das demais por sua homogeneidade, estabilidade e novidade.
O tempo médio necessário para desenvolver um novo cultivar de qualquer espécie é estimado em 10 anos, desde os testes iniciais em laboratório, seguidos pela fase intermediária em uma estufa ou casa de vegetação, até a etapa final de semear os grãos na terra para verificar como se dão na prática as interações do cultivar com luz solar, temperatura, solo, água e oxigênio.
Uma das principais metas dos pesquisadores é em breve criar um cultivar autoral de feijão-caupi na UFC, com o estabelecimento de patentes, uma vez que o desafio maior é a aceitação e efetiva implantação dessa variedade por parte dos produtores locais.
CONSTRUINDO UMA BIBLIOTECA GENÉTICA
Os estudos sobre feijão-caupi iniciaram no Ceará quando o pesquisador José Braga Paiva (1932-2010) ingressou como docente no Departamento de Fitotecnia da UFC em 1963. Dez anos depois, fundou o Banco Ativo de Germoplasma (BAG), um tipo de biblioteca com todo o patrimônio genético de exemplares da espécie Vigna unguiculata.
A pesquisadora Cândida Bertini ensina que o armazenamento dessas amostras vegetais se dá conforme o método de propagação e reprodução empregado por determinada planta, que no caso específico do feijão-caupi são as sementes. “O germoplasma é importante por ser base alimentar, e, se não tem variabilidade, não serão encontradas soluções para problemas futuros”, justifica.
Cada “livro” dessa biblioteca temática se chama acesso, e a UFC possui 1.068 deles
Desde a década de 1970, a UFC tem sido pioneira no desenvolvimento de estudos nesse campo, além de manter contatos e realizar cooperação técnica com pesquisadores de instituições nacionais e estrangeiras, como o Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA), de Ibadan, na Nigéria. Parte da própria coleção desse banco de sementes foi doada em 1976 para a instalação da filial da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Teresina (PI), a Embrapa Meio-Norte.
A engenheira-agrônoma Elizita Maria Teófilo trabalhou e conviveu com o Prof. Paiva, e atualmente é a curadora responsável por administrar o Banco de Germoplasma do Feijão-Caupi da UFC, instalado no Laboratório de Sementes do Campus do Pici Prof. Prisco Bezerra, em Fortaleza.
O acervo é formado por material coletado em campo em áreas de cultivo e a partir do intercâmbio com instituições de pesquisa como o IITA e outras. Após a introdução, o material é catalogado e conservado entre 10 e 15 anos dentro de uma câmara fria, em condições controladas de temperatura a 10 graus Celsius e até 40% de umidade.
Cada “livro” dessa biblioteca temática se chama acesso, e a UFC possui 1.068 deles. “O registro dos acessos se dá com as características botânicas e agronômicas observadas no campo e em laboratório, com outras informações, como o peso da semente, a procedência, os cruzamentos e o ano da safra”, detalha Elizita.
A cada cinco anos, as amostras devem ser renovadas, multiplicadas para avaliação de sua viabilidade, colocando-as para germinar em campo. Em seguida, as sementes são colhidas e, uma vez confirmada sua identidade genética, são selecionadas e retornam para a câmara fria. Dessa forma, garantem-se a preservação e manutenção desses acessos da biblioteca para aqueles que precisarem realizar pesquisas, ou mesmo, para assegurar o retorno às mãos dos agricultores.
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Fonte: Profª Cândida Bertini, do Centro de Ciências Agrárias da UFC – e-mail: candida@ufc.br