Em meio à busca por matrizes alternativas de energia, para além do petróleo e do metano, o hidrogênio surge como uma possibilidade. Renovável e não poluente, o gás tem a vantagem de não ser danoso ao meio ambiente, sendo um forte candidato a matéria-prima para a geração de energia elétrica e de combustível. O impedimento para seu uso, no entanto, está em um fator primordial para a indústria: a quantidade de energia externa necessária para sua produção.
Uma solução para esse problema pode estar em uma pesquisa internacional desenvolvida pela Universidade Federal do Ceará em parceria com as universidades norte-americanas Princeton e Columbia e com o Laboratório Nacional de Energia Renovável dos Estados Unidos. Em testes laboratoriais, os pesquisadores conseguiram produzir hidrogênio a partir do esgoto, sem a necessidade dessa energia externa.
A pesquisa, publicada na revista de alto impacto Energy & Environmental Science, foi possível com uma tecnologia bioeletroquímica (recente no meio acadêmico, não empregada no Brasil). O princípio é a utilização da energia química da matéria orgânica do esgoto para produzir elétrons, que podem ser manipulados para gerar corrente elétrica contínua e para criar determinadas reações químicas. São essas reações que possibilitam a criação do hidrogênio.
Essa tecnologia funciona com uma célula combustível microbiana, capaz de transformar a energia química presente no esgoto em corrente elétrica. Trata-se de um modelo simples: um cubo de acrílico com dois eletrodos (um ânodo e um cátodo, algo como os lados positivo e negativo de uma pilha).
Os elétrons que vão de um eletrodo a outro são coletados e utilizados, por meio de um sistema de controle de energia (PMS, na sigla em inglês), na geração da voltagem necessária para produzir o hidrogênio.
“A evolução do hidrogênio é uma reação endergônica, ou seja, precisa de uma energia externa para acontecer, não ocorre espontaneamente. Sempre que se produz hidrogênio, é necessário colocar energia no processo”, explica a Profª Fernanda Leite Lobo, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental, uma das colaboradoras da pesquisa.
“Conseguimos isolar as reações, a da produção de energia através do esgoto e a da evolução do hidrogênio, isolando eletricamente os eletrodos que estão no esgoto e armazenando essa energia por um tempo”, diz a pesquisadora, ressaltando que é justamente essa energia armazenada (processo que ocorre em uma escala de milissegundos) a fonte que passa a permitir a produção do hidrogênio, eliminando a necessidade de qualquer fonte externa de energia.
Nas fases iniciais da pesquisa, houve apenas a redução da quantidade de energia necessária, algo ainda não suficiente para que a produção dependesse somente da matéria orgânica do esgoto, sendo precisa a introdução adicional de cerca de 0,6 a 0,8 volt de tensão. Com o avanço do estudo, esses números foram zerados, e a energia química já no esgoto passou a ser suficiente.
TRATAMENTO
O estudo, ainda um proof of concept (feito apenas para gerar evidência de que a tecnologia pode ser aplicada), foi realizado nos laboratórios norte-americanos em uma escala ainda pequena. A ideia, porém, é que a pesquisa possa viabilizar uma nova forma de ver o tratamento de esgoto, já que estaria atrelado à produção de uma energia com grande potencial de mercado.
A aplicação da metodologia em uma escala maior depende ainda de diversos estudos, mas significaria unir a política de saneamento a um processo capaz de resultar em uma nova fonte de matriz energética, em um modelo sustentável.
“Como o saneamento é visto como algo sem valor comercial e político, não há investimento. A partir do momento em que se dá um valor comercial ao tratamento de esgoto, empresas e políticos vão ver o saneamento de forma diferente, não só como uma limpeza a ser feita, mas como uma fonte de geração de renda”, defende a Profª Fernanda.
Também há a expectativa de que iniciativas como essa possam substituir a produção de outros tipos de energia, ainda muito danosos ao meio ambiente. “Ele [o hidrogênio] é um combustível limpo, quando usado na célula combustível não produz gás de efeito estufa. É silencioso, de grande densidade energética, então o valor comercial é muito acima de qualquer outro gás que a gente esteja produzindo como combustível”, aponta.
SAIBA MAIS
Entre os próximos passos da pesquisa estão a aplicação da metodologia agora nos laboratórios da UFC e a formação de parceria com o Harbin Institute of Technology (HIT), da China, para novos testes, algo que deve ocorrer já em 2020.
Mais detalhes sobre o estudo e a metodologia podem ser lidos em artigo completo (em inglês) publicado na Energy & Environmental Science.
Fonte: Profª Fernanda Leite Lobo, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental – e-mail: fernandalobo@ufc.br