Agência UFC

Destaque

Pesquisadores descobrem mecanismos de ação da luz vermelha sobre células que podem abrir caminho para terapias mais precisas

Descobertas pioneiras podem favorecer tratamentos de feridas crônicas, queimaduras, cicatrização pós-operatória, regeneração óssea e até de doenças degenerativas

Aplicada por atletas como o jogador Cristiano Ronaldo para acelerar a recuperação muscular após os treinos intensos, a luz vermelha já é amplamente usada em clínicas especializadas no tratamento de dores crônicas, de doenças degenerativas e na cicatrização. Contudo, por lacunas ainda existentes no entendimento desse mecanismo, o método ainda gera ceticismo na área médica.

No intuito de esclarecer as principais dúvidas sobre o assunto, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará realizaram uma análise pioneira deste tipo de tratamento e confirmaram que ele, de fato, pode gerar efeitos benéficos ao corpo. Para além disso, os cientistas chegaram a uma conclusão inédita: células diferentes respondem distintamente à luz vermelha. O achado pode abrir caminho para intervenções terapêuticas mais precisas nesse campo.

Chamada de fotobiomodulação, a terapia emprega luz de baixa intensidade para tratar várias condições médicas. Surgiu como uma estratégia terapêutica potencial para várias doenças, incluindo doença de Alzheimer, depressão e reabilitação de acidente vascular cerebral. Entretanto, pesquisas já realizadas com a terapia mostraram resultados conflitantes, incluindo um ensaio controlado com pacientes com dor lombar, no qual aqueles tratados com luz vermelha não apresentaram nenhuma alteração em relação àqueles que receberam placebo.

Em 2022, então, pesquisadores da UFC iniciaram uma abordagem integrada e inovadora da terapia, na intenção de compreender melhor os mecanismos biofísicos e bioquímicos da fotobiomodulação. Para isso, foi estabelecida uma parceria entre quatro departamentos da Universidade: Física, Bioquímica e Biologia Molecular, Biologia e Fisiologia e Farmacologia.

Imagem dos pesquisadores do Laboratório de Física Biológica
Pesquisadores do Laboratório de Física Biológica, que conduziram a pesquisa (da esq. para dir.): Antônio Vinnie Silva, Jeanlex Soares de Sousa, Cláudio Lucas Nunes de Oliveira e Rosemayre Freire (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Como resultado, o estudo revelou pela primeira vez que células diferentes respondem distintamente à luz vermelha. Isso, segundo o professor Jeanlex Soares de Sousa, do Departamento de Física e um dos responsáveis pelo estudo, deu-se devido à remodelação específica do citoesqueleto.

O citoesqueleto é uma estrutura complexa e dinâmica de filamentos de proteínas nas células, que se assemelha a um esqueleto celular. Sua principal função é fornecer suporte, organização e mobilidade à célula.

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores estudaram, portanto, três linhas celulares do citoesqueleto, localizadas em diferentes profundidades: os queratinócitos, que ficam da superfície da pele; os fibroblastos, que se encontram em tecidos conjuntivos como ligamentos e tendões localizados em profundidades intermediárias; e os osteoblastos, que estão na superfície óssea, portanto em locais mais profundos.

“Descobrimos, por exemplo, que fibroblastos aumentam sua mobilidade e flexibilidade, importante para cicatrização; queratinócitos aumentam a rigidez sob certas condições, fortalecendo a barreira protetora da pele; e osteoblastos mostraram pouca resposta biomecânica, coerente com seu papel estrutural”, complementa o professor Jeanlex de Sousa.

Com isso, o estudo revelou que a terapia com luz vermelha precisa ser ajustada ao tipo celular e à função do tecido. “Células mais superficiais (queratinócitos) têm funções protetoras e respondem diferentemente das células mais profundas (fibroblastos e osteoblastos), responsáveis por reparação e estrutura. A interpretação dessas diferenças permite o desenvolvimento de protocolos terapêuticos altamente específicos para cada aplicação clínica”, esclarece o pesquisador.

Esquema mostra os tipos de células que foram analisadas e suas respectivas profundidades no corpo
Esquema mostra os tipos de células que foram analisadas no estudo e suas respectivas profundidades no corpo

Segundo o pesquisador colaborador do departamento de Física Antônio Vinnie Silva, os estudos anteriores deixaram dúvidas sobre a eficácia da fotobiomodulação devido à utilização de diferentes protocolos. “Nosso trabalho minimiza essa variabilidade ao padronizar comprimento de onda da luz vermelha, suas densidades de potência e os tempos de exposição nas três referidas linhas celulares”, esclarece ele, que hoje é professor do Colégio Militar de Fortaleza. A pesquisa foi fruto de sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Física da UFC, sob orientação do professor Jeanlex de Sousa.

Este foi o primeiro estudo a descrever a mecânica celular por meio da análise de proteínas, utilizando a chamada microscopia de força atômica (AFM). Os achados foram publicados recentemente em artigo na revista internacional Small.

“Nossa pesquisa traz dados sólidos e metodologias robustas que elucidam os mecanismos moleculares e físicos específicos pelos quais a luz vermelha afeta diferentes tipos de células. Ao usar técnicas rigorosas e avançadas como AFM e proteômica, reduzimos ambiguidades e fornecemos evidências mais claras e replicáveis, contribuindo assim para reduzir o ceticismo e validando cientificamente o uso clínico da fotobiomodulação”, comemora o professor.

POSSIBILIDADE DE TERAPIAS PERSONALIZADAS

Os resultados alcançados através do estudo podem levar, segundo os pesquisadores, à personalização de terapias baseadas na resposta celular específica. A compreensão detalhada dos mecanismos celulares permitirá a otimização de protocolos terapêuticos específicos para cada tecido ou condição.

Segundo o professor Jeanlex de Sousa, é possível, por exemplo, ajustar intensidade e duração da exposição à luz vermelha para acelerar cicatrização, melhorar elasticidade de tecidos conjuntivos ou fortalecer barreiras da pele, aumentando significativamente a eficácia clínica das terapias baseadas em luz.

Imagem de amostra sendo submetida à luz vermelha em laboratório
O estudo revelou que a terapia com luz vermelha precisa ser ajustada ao tipo celular e à função do tecido (Foto: Ribamar Neto/UFC)

“Essas terapias podem ser aplicadas em tratamentos de feridas crônicas, queimaduras, cicatrização pós-operatória, regeneração óssea e até doenças degenerativas. Nosso estudo amplia as possibilidades ao oferecer um entendimento aprofundado dos mecanismos biofísicos e moleculares, permitindo aplicações mais direcionadas e efetivas, incluindo áreas que anteriormente não eram bem compreendidas”, defende.

O estudo mostrou que a absorção da luz influencia a rigidez celular e suas propriedades viscoelásticas. Como as propriedades biomecânicas influenciam diretamente a capacidade das células de se moverem, de se multiplicarem e de repararem tecidos, a constatação é de grande importância. “Modular esses parâmetros com luz permite tratamentos mais eficazes em cicatrização, estética, regeneração e medicina esportiva”, salienta.

PARCERIA INTERDISCIPLINAR

Segundo o professor, o caráter multidisciplinar da pesquisa tem garantido o sucesso em seus resultados. Os pesquisadores do Departamento de Física aportaram a expertise em biomecânica e técnicas avançadas de microscopia, enquanto os Departamentos de Biologia e Bioquímica e Biologia Molecular contribuíram com a interpretação dos dados da proteômica (estudo do conjunto de proteínas expressas por uma célula, tecido ou organismo).

Enquanto isso, o Departamento de Fisiologia e Farmacologia ajudou na interpretação biológica dos resultados, e a Central Analítica disponibilizou equipamentos essenciais para as análises realizadas por microscopia confocal, feitas pela servidora técnico-administrativa Rosemayre Freire, pesquisadora e coautora do estudo. A pesquisa contou ainda com parceria da Universidade de Fortaleza (Unifor) e do Instituto Federal do Sergipe (IFS).

A pesquisa segue em andamento e seu próximo passo será investigar outros tipos celulares e tecidos, além de explorar diferentes comprimentos de onda e intensidades luminosas para ampliar o entendimento sobre os mecanismos da fotobiomodulação.

Fonte: Professor Jeanlex Soares de Sousa, do Departamento de Física da UFC – E-mail: jeanlex@fisica.ufc.br / Pesquisador Antônio Vinnie Silva – E-mail: vinnie@fisica.ufc.br

USE NOSSAS MATÉRIAS

A reprodução dos textos da Agência UFC é permitida, com atribuição. Caso o texto seja reproduzido na íntegra, ele deve ser assinado com o nome do repórter seguido do identificador “da Agência UFC”. Caso o texto passe por cortes ou ajustes no processo de edição, deve-se publicar apenas “da Agência UFC”, ou forma semelhante, de acordo com os padrões adotados pelo veículo.

Saiba mais sobre como usar as matérias da Agência UFC

Sérgio de Sousa 21 de maio de 2025