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Pesquisadores criam caneta inteligente para ajudar médicos a detectar doença de Parkinson de forma ágil e precisa

Dois estudos foram realizados. Em um deles, foi desenvolvida uma caneta inteligente sensorial que identifica se os movimentos de quem a usa são de parkinsonianos. Pesquisa posterior aprimorou o algoritmo usado pela caneta

Nos últimos 25 anos, a prevalência de pessoas com a doença de Parkinson dobrou em todo o mundo, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a qual estima que, em 2019, mais de 8,5 milhões de pessoas viviam com a enfermidade. Ainda incurável, a doença tem na sua detecção precoce um fator determinante para o sucesso do tratamento, porém, como seus sintomas mais evidentes só surgem nos estágios finais, isso permanece um desafio.

Na tentativa de superar tal obstáculo, dois estudos inovadores propuseram uma solução computacional para ajudar a classe médica no diagnóstico do Parkinson. A tecnologia alcançada já foi testada com sucesso e permite a identificação da doença de forma rápida e automática, mesmo em seus estágios mais iniciais.

Lideradas pelo professor do Departamento de Engenharia de Teleinformática da Universidade Federal do Ceará, Victor Hugo Costa de Albuquerque – que acaba de ser incluído na lista dos cientistas mais influentes do mundo em 2022, elaborada pela Universidade de Stanford (EUA) –, as pesquisas foram desenvolvidas em parceria com outras instituições do Brasil e do exterior.

O primeiro estudo desenvolveu uma caneta inteligente capaz de analisar os movimentos de quem a usa, em um determinado teste, e identificar se a pessoa tem ou não a enfermidade. Realizada pelo pesquisador Eugênio Peixoto na Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e sob a orientação do Prof. Victor Hugo, a pesquisa elaborou um dispositivo eletrônico que é acoplado à tampa de uma caneta comum, o qual envia as informações sensoriais a uma interface computadorizada que faz a análise dos dados captados. Peixoto segue como orientando do Prof. Victor Hugo, agora no doutorado em Engenharia Elétrica na UFC.

A caneta inteligente foi elaborada para ser usada pelo paciente, sob supervisão do médico, durante o chamado teste de diadococinesia em papel. Trata-se de uma avaliação já estabelecida na comunidade médica, que consiste em aferir a habilidade das pessoas de realizar movimentos rápidos, repetidos e alternados por meio de traços feitos por elas à mão.

Imagem: reprodução do teste de diadococinesia, usado para identificar a doença de Parkinson
O teste de diadococinesia em papel é uma avaliação que consiste em aferir a habilidade das pessoas de realizar movimentos rápidos, repetidos e alternados por meio de traços feitos por elas à mão

Os resultados encontrados foram satisfatórios, mas ainda precisavam de aprimoramento. Foi então que uma outra pesquisa, empreendida pelo professor na UFC, foi iniciada para alcançar um algoritmo mais eficaz na detecção do Parkinson. A caneta foi usada com a nova ferramenta computacional, trazendo resultados ainda mais promissores.

O dispositivo inovador é de baixo custo de reprodução e de fácil implementação e manuseio. Os pesquisadores destacam como grande vantagem o fato de que a caneta com o avançado algoritmo permitirá auxiliar no diagnóstico de pacientes em regiões onde os cuidados médicos podem ser limitados. Isso porque os resultados podem ser analisados também via Internet, o que possibilita que áreas de difícil acesso recebam tratamento com a mesma qualidade geral das regiões metropolitanas.

Pesquisadores já provaram que os movimentos das mãos dos pacientes com doença de Parkinson apresentam comportamentos diferentes em relação ao alcance, velocidade e tempo para completar esses testes, em comparação com pacientes saudáveis. Isso porque o Parkinson é uma doença neurodegenerativa progressiva, associada a distúrbios das habilidades motoras, que afeta a capacidade individual de realização das atividades da vida diária.

Tremores nas extremidades, instabilidade postural, rigidez de articulações e lentidão nos movimentos são os principais sintomas, que são mais fáceis de serem identificados, mas que comumente só surgem em fases avançadas. Há, contudo, sintomas não motores, como a diminuição do olfato, distúrbios do sono, alteração do ritmo intestinal e depressão, que podem ser confundidos com outros problemas de saúde.

Há um interesse particular em uma classificação precisa para os casos positivos, pois um caso diagnosticado erroneamente como negativo pode resultar em atraso no tratamento ou até mesmo morte, enquanto casos negativos classificados como positivos por engano não provocam danos excessivos.

NOVO ALGORITMO PODE GARANTIR PRECISÃO E RAPIDEZ

Foi com a intenção de garantir maior probabilidade de que os casos identificados como positivos sejam, de fato, positivos, e de que os negativos realmente sejam aplicados a indivíduos que não tenham a doença que os pesquisadores buscaram as métricas mais adequadas. O algoritmo responsável por fazer a leitura automática dos traços feitos à mão é chamado de floresta de caminho ótimo fuzzy (ou fuzzy OPF, do inglês optimum-path forest). Ele é uma ferramenta recém-desenvolvida, que já havia sido aplicada em outras situações. “Durante o desenvolvimento do fuzzy OPF, conduzimos testes em conjuntos de dados genéricos para avaliar sua precisão e desempenho. Os resultados obtidos foram promissores, motivando-nos a explorar novas aplicações na área biomédica”, explica o Prof. Victor Hugo.

Imagem: representação visual do processo de identificação de Parkinson
Processo de identificação da doença de Parkinson a partir o dispositivo computadorizado desenvolvido pelos pesquisadores

Assim, os pesquisadores decidiram usar o algoritmo para detecção do Parkinson, já que o fuzzy OPF tem grande capacidade de lidar com problemas complexos de classificação. O processo de utilização da ferramenta computacional para identificação do Parkinson é descrito no estudo intitulado Computer-assisted Parkinson’s disease diagnosis using fuzzy optimum-path forest and restricted Boltzmann machines (Diagnóstico da doença de Parkinson assistido por computador usando floresta de caminho ótimo fuzzy e máquinas restritas de Boltzmann), publicado na revista internacional Computers in Biology and Medicine. O artigo foi feito em parceria com a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e a Universidade Estadual de São Paulo (UNESP).

COMO FUNCIONA A FERRAMENTA

O primeiro passo do estudo, conforme aponta o artigo, foi utilizar uma outra ferramenta computacional para extrair características de dois conjuntos de dados compostos por traços geométricos desenhados à mão por pacientes. Um desses conjuntos continha desenhos de pessoas diagnosticadas com a doença de Parkinson; o outro trazia os traços feitos por pessoas saudáveis. As imagens são desenhos em forma de espirais e meandros, que caracterizam o teste de diadococinesia.

Em seguida, o fuzzy OPF realizou a classificação dos dados, identificando, nos pontos dos desenhos, quais deles se referiam ao grupo de pessoas com Parkinson e quais pertenciam ao outro grupo. “O fuzzy OPF faz isso calculando não apenas a distância entre os pontos, mas também o quão ‘pertencentes’ esses pontos são a cada grupo, o que pode ajudar a identificar amostras anômalas. Isso o torna uma ferramenta poderosa em situações em que a classificação não é uma decisão clara e definida, mas sim uma questão de probabilidade e graus de pertencimento”, esclarece o pesquisador.

“Os resultados foram promissores, na maioria dos casos, superando algoritmos bem estabelecidos na comunidade científica”, comemora o Prof. Victor Hugo, indicando que o fuzzy OPF representa uma excelente alternativa para diagnósticos precisos e rápidos. “Dessa forma, essa plataforma proporcionará valioso suporte aos médicos, com a ressalva de que esses algoritmos não têm a finalidade de substituir a expertise médica, mas sim de oferecer instrumentos para diagnósticos mais ágeis e precisos”, pondera.

Para que os médicos possam utilizar essa ferramenta, explica o professor, é fundamental desenvolver uma plataforma web ou um sistema desktop no qual o médico possa fazer o upload das imagens de formas geométricas desenhadas à mão pela pessoa que está sendo avaliada, obtendo, assim, uma avaliação da probabilidade de Parkinson pela ferramenta. O Prof. Victor Hugo informa que os pesquisadores estão planejando o desenvolvimento dessa plataforma web, para que o fuzzy OPF possa ser disponibilizado no mercado.

A CANETA INTELIGENTE

Com o desenvolvimento dessa técnica, o algoritmo é acoplado em uma caneta normal, por meio de um dispositivo eletrônico que possui dois sensores. Esses sensores enviam para um software os sinais captados, dos quais são extraídas diversas características, como aceleração da caneta e tempo para completar a tarefa. Esses recursos são então analisados pelo software, em um computador, por diferentes técnicas de aprendizado de máquina, que serão validadas com outras variáveis pelo médico para diagnosticar o paciente.

Imagem: idoso sentado a uma mesa, escrevendo com a caneta inteligente num teste de identificação de Parkinson
Paciente usando a caneta inteligente sensorial durante teste de identificação da doença de Parkinson (Imagem: divulgação)

O estudo da caneta sensorial inteligente foi desenvolvido em parceria com a Universidade de Lisboa, em Portugal, a Universidade King Saud, na Arábia Saudita, e a Universidade de Calábria, na Itália. Os resultados estão descritos no artigo “Intelligent sensory pen for aiding in the diagnosis of Parkinson’s disease from dynamic handwriting analysis” (Caneta sensorial inteligente para auxílio no diagnóstico da doença de Parkinson através da análise dinâmica de caligrafia), publicado na revista internacional Sensors.

NECESSIDADE DE MAIS FINANCIAMENTO

Apesar dos avanços já alcançados, os pesquisadores ainda estão dependendo de financiamento para o desenvolvimento dos novos passos da pesquisa. “Obter financiamento para a implementação de nossas pesquisas tem sido um desafio. Devido à falta de investimento, não houve progressos significativos desde a data de publicação desse artigo em relação ao software de detecção da doença de Parkinson”, lamenta o professor.

“No entanto, no que diz respeito ao algoritmo fuzzy OPF, estamos conduzindo outras pesquisas dentro do grupo BIODATA [Biomedical Data Analytics Research Group], com o objetivo de desenvolver um novo algoritmo baseado em regressão, fazendo uso do OPF como base”, relata. O BIODATA é composto por alunos de graduação, mestrado, doutorado, pesquisadores em pós-doutorado, além de pesquisadores e colaboradores externos, sendo liderado pelos professores Victor Hugo e Paulo Cortez.

O fuzzy OPF possui ampla gama de aplicações, abrangendo não apenas a área da saúde mas também a segurança e a indústria, por exemplo. Na área da saúde, além da detecção do Parkinson, a ferramenta também pode ser utilizada na identificação de câncer de mama, câncer de pele e muitas outras condições.

Fonte: Prof. Victor Hugo C. de Albuquerque, do Departamento de Engenharia de Teleinformática – e-mail: victor.albuquerque@lesc.ufc.br

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Sérgio de Sousa 21 de novembro de 2023

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