Pesquisadoras da Universidade Federal do Ceará utilizaram a árvore símbolo do Ceará, a carnaubeira, para desenvolver um novo ativo cosmético para correção de manchas na pele, alcançando um produto com ação mais eficaz e duradoura, além de ecologicamente sustentável. Atuando ao mesmo tempo como um esfoliante, o invento acaba de garantir a 29º carta patente para a UFC.
Iniciados em 2016, os estudos para a elaboração do produto buscavam oferecer ao mercado um ativo esfoliante que substituísse as microesferas de plástico, hoje amplamente utilizadas pela indústria cosmética, mas que contaminam os oceanos e prejudicam a vida aquática. A solução foi retirada da cera de carnaúba, da qual foram desenvolvidos grânulos de tamanho padronizado ao dessas esferas plásticas, os quais mostraram a mesma capacidade de esfoliar a pele, só que sem causar impacto no meio ambiente.
Após o sucesso na empreitada, as pesquisadoras perceberam que essas esferas de origem vegetal poderiam desempenhar ainda uma outra função: a de microencapsular uma outra substância para que, assim, possa ser obtido um ativo cosmético multifuncional. “Realizamos um vasto estudo bibliográfico e, após diversos testes laboratoriais, conseguimos encapsular o ácido kójico para potencializar a sua ação e aumentar o seu tempo de estabilidade”, explica a professora do Departamento de Farmácia, Tamara Gonçalves, uma das autoras da patente.
O ácido kójico tem aplicação consolidada como dermocosmético. Ele é um agente despigmentante, ou seja, que pode ser usado no clareamento de manchas da pele. Com uma atuação suave, o produto não causa irritação nem fotossensibilização no usuário, o que permite seu uso, inclusive, durante o dia. Porém, ele possui fácil oxidação, tornando-se gradativamente amarelo ou marrom quando submetido a altas temperaturas na presença de oxigênio.
O referido problema, contudo, consegue ser resolvido se o ácido estiver encapsulado, e é aí que o invento da UFC ganha maior atratividade. Isso porque a aplicação do ativo se dá pela sua fricção com a pele. Nesse movimento, as microesferas de cera de carnaúba atuam primeiro na esfoliação física, processo que consiste em remover as células mortas do chamado extrato córneo, a camada mais externa da pele e que é uma região crucial para a absorção de substâncias. Quando esfoliada, a pele permite uma maior penetração de fármacos.
Dessa forma, o ativo deixa a pele mais preparada para receber o ácido kójico, que se encontra dentro dessas cápsulas. Protegido pelas esferas, o ácido kójico não oxida, aumentando sua estabilidade. Além disso, as micropartículas de cera de carnaúba isolam o ácido kójico dos demais componentes da formulação, impedindo possíveis interações, o que evita processos de degradação do ativo.
POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO
“Os resultados são bem satisfatórios porque, ao mesmo tempo em que ocorre a esfoliação e retirada de células mortas, o ácido kójico é liberado de modo mais lento e atua de forma mais eficaz e localizada”, assegura a professora. Segundo ela, o ativo atua corrigindo as discromias da pele, ou seja, as manchas localizadas causadas por hiperpigmentação.
As principais manchas para as quais o invento pode ser aplicado são olheiras (decorrentes de acúmulo de melanina); os cloasmas, que são manchas escuras que surgem na pele durante a gravidez, principalmente na testa, no lábio superior e no nariz; as melanoses solares, também conhecidas como “mancha senil”, que são lesões benignas que surgem em áreas expostas cronicamente ao sol; e os melasmas, que são manchas escuras que costumam aparecer no rosto, nos braços e nas mãos.
A professora reforça que o invento não se trata de um produto dermatológico em si, mas de um ativo cosmético multifuncional que pode ser adicionado em formulações cosméticas e/ou dermatológicas. De acordo com ela, os insumos e a técnica de produção são economicamente viáveis e abrem boas perspectivas de comercialização para o ativo.
“Uma das inventoras, a doutora Bianca Louchard, apresentou, na semana passada, a nossa patente para algumas empresas de insumos cosméticos naturais, durante a realização da Naturaltech, que é a maior feira de produtos naturais de toda a América Latina. Algumas empresas se mostraram interessadas”, adianta a Profª Tamara Gonçalves, garantindo que o ativo está pronto para ser comercializado.
A CAATINGA COMO FONTE
Esta é a segunda carta patente que tem a Prof. Tamara Gonçalves como uma das inventoras. A primeira, expedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em dezembro de 2020, referia-se ao invento intitulado “Composição, processo de preparação e uso de nanocosmético à base de cera de carnaúba e quercetina com ação hidratante, antioxidante e fotoprotetora”. Ou seja, a carnaúba já vem sendo objeto de pesquisas da professora há algum tempo.
Mas não é só com a cera de carnaúba que ela e demais pesquisadores da UFC estão trabalhando em soluções dermocosméticas. A professora orienta um outro estudo que vem sendo feito com a aroeira, uma planta bem popular do sertão, também para o clareamento de manchas na pele.
“Através de métodos extrativos responsáveis e ecologicamente corretos, procuramos sempre valorizar o nosso bioma e mostrar o potencial das plantas da caatinga na área cosmética”, salienta a professora.
O mais recente invento, que foi denominado “Processo de obtenção e utilização de micropartículas com ação esfoliante e clareadora da pele, à base de cera de carnaúba e ácido kójico, para uso cosmético e dermatológico”, traz como autoras, além da Profª Tamara Gonçalves, as pesquisadoras Larissa Coelho Costa, Bianca de Oliveira Louchard e Teresa Maria de Jesus Ponte Carvalho.
Fonte: Profª Tamara Gonçalves, do Departamento de Farmácia da UFC – e-mail: tamara.ufc@gmail.com
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