Por Carmina Dias, para a Agência UFC
Tocar ou pelo menos ver de perto holótipos do caranguejo-ermitão Pagurus limatulus ou do camarão Palaemon paivai é o sonho de muitos pesquisadores de crustáceos. Na biologia, um holótipo é o exemplar ou fragmento único usado para a descrição e identificação científica de uma espécie.
Os dois mencionados são alguns dos exemplares dados como perdidos e reencontrados graças à pesquisa Recuperação da Coleção Carcinológica do Labomar, desenvolvida pela bolsista de iniciação acadêmica Vitória Régia Gonçalves de Sousa, sob orientação do Prof. Luís Ernesto Arruda Bezerra, que assumiu a curadoria da coleção em 2016.
Os espécimes têm valor ainda maior porque foram identificados para a ciência pelo Prof. José Fausto Filho (1935-2017), pesquisador cearense que criou a coleção e hoje é referência mundial na área da carcinologia, o estudo dos crustáceos.
Com o trabalho de resgate do acervo, também foram localizados os holótipos do camarão Brachycarpus holthuisi e do siri Callinectes affinis, assim como o parátipo da tamarutaca, ou lacraia-do-mar, Neogonodactylus moraisi. Parátipo é o espécime que pertence ao mesmo lote de um holótipo, mas que não foi o exemplar escolhido pelo pesquisador para fazer a descrição.
Além de resgatar esses holótipos e parátipos, o estudo também localizou na coleção amostras de espécies já conhecidas pela ciência, mas que não são mais encontradas no litoral cearense.
A Coleção Carcinológica é um importante registro de biodiversidade do Ceará e de boa parte do Nordeste brasileiro. “É um resgate da fauna de crustáceo do nosso litoral. Ela possibilita, por exemplo, entender como era essa fauna há 50 anos e comparar a situação com o que se tem hoje”, explica o Prof. Luís Ernesto.
Como amostra de transformações ocorridas na fauna do litoral cearense, ele aponta o exemplar do enorme caranguejo Cardisoma guanhumi, que, na década de 1970, era comum na região do rio Ceará. Atualmente, não é mais possível encontrar um caranguejo com tamanho semelhante naquela região.
Outro exemplar que evidencia as transformações é o do camarão Palaemon paivai, coletado na praia do Meireles pelo Prof. Fausto e não mais presente ali. Luís Ernesto explica que fatores como pesca predatória, poluição e ocupações irregulares das margens do rio e da faixa do litoral contribuíram para essas perdas.
Para Vitória, “coleções são importantes para a conservação da biodiversidade, registrando de certa forma a história da vida de determinado ecossistema. Resgatar a coleção é um jeito de dar continuidade e sentido ao trabalho de anos do Prof. Fausto Filho”, diz.
RESGATE
Quando se aposentou na década de 1980, o Prof. Fausto Filho deixou a coleção com 704 lotes de crustáceos catalogados. Sem curadoria por mais de 30 anos, o acervo sofreu perdas, reconhece o Prof. Luís Ernesto.
O pesquisador conta que a pesquisa Recuperação da Coleção Carcinológica do Labomar ocorreu em dois momentos. No primeiro período – abril a dezembro de 2016 –, a bolsista foi orientada a fazer o levantamento geral do material. Separou os exemplares bons dos estragados, limpou e trocou recipientes. Simultaneamente, passou as informações das fichas de tombamento manuscritas pelo Prof. Fausto para o Livro de Tombo, recém-criado.
No segundo período – de abril a dezembro de 2017 –, os dados da coleção foram digitalizados para tornar as informações acessíveis aos pesquisadores do Brasil e do exterior. A coleção atualmente possui 31 famílias de crustáceos distribuídas em 281 lotes, dos 704 deixados pelo Prof. Fausto Filho, devidamente identificados e registrados no Livro de Tombo. Foram perdidos ou danificados 423. Mesmo o que foi perdido permanece registrado; caso a espécie desapareça da natureza, os estudiosos saberão que ela existiu.
Fonte: Prof. Luís Ernesto Arruda Bezerra – e-mails: luis.ernesto@ufc.br/luiseab@gmail.com