Não é tão fácil vê-los, mas eles estão lá: ameaça que tem sido bastante debatida nos últimos anos por ambientalistas e cientistas em geral, os microplásticos apresentam riscos, tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana, que ainda estão sendo calculados. Justamente por conta dessa incerteza, estudar e entender essas partículas, que chegam a no máximo 5 milímetros de espessura, tem sido um desafio necessário para a ciência.
Pesquisa que contribui para isso foi realizada na Universidade Federal do Ceará, por meio do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Pesca. O estudo analisou a dieta de diferentes espécies para quantificar o impacto dos microplásticos, levando em consideração o tipo de alimento que consomem. Uma das conclusões foi que o consumo das partículas independe da dieta dos peixes, estando todas elas igualmente suscetíveis ao microplástico.
Publicada na revista Marine Pollution Bulletin, a pesquisa analisou ao todo 214 estômagos de sete diferentes espécies de peixes, coletados de 2015 a 2017 na praia do Meireles, em Fortaleza. Entre os estômagos observados, 55% estavam contaminados por microplásticos, contendo até 14 partículas. Foram encontradas, no total, 327 partículas de microplásticos, divididas entre 10 diferentes tipos.
As espécies foram classificadas de acordo com suas guildas tróficas, grupos que se utilizam dos mesmos recursos ambientais, alimentando-se de forma similar. Apesar da hipótese inicial de que a diferença na forma de alimentação pudesse influenciar na quantidade de partículas ingeridas, o estudo constatou contaminação em todas as espécies, em quantidades semelhantes.
Os resultados foram encontrados a partir de estudo de doutorado da pesquisadora Natália Dantas, com orientação da Profª Caroline Vieira Feitosa, do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), coordenadora do Laboratório de Dinâmica Populacional e Ecologia de Peixes Marinhos, e da Profª Carla Ferreira Rezende, do Departamento de Biologia, coordenadora do Laboratório de Ecologia de Ecossistemas Aquáticos.
“Vários estudos foram desenvolvidos com o objetivo de identificar as espécies de peixes que contêm partículas microplásticas em seus estômagos. No entanto, pesquisas que enfocam a relação entre a contaminação por microplástico e os hábitos alimentares (guildas tróficas) das espécies e qual o tipo de plástico mais ingerido não haviam sido realizadas até o momento. Essa lacuna foi preenchida com a pesquisa concluída na UFC”, avalia Natália.
IMPACTO
Gerados da degradação de materiais plásticos de tamanhos maiores, os microplásticos, apesar de minúsculos (grande parte é invisível a olho nu; o tamanho varia entre 0,0001 e 5,0 milímetros), são considerados grandes poluentes dos ambientes marinhos. A presença dessas partículas nos oceanos é resultado da superprodução e do descarte incorreto de plástico nas últimas décadas.
Os impactos disso e a resposta ecológica do ambiente marinho e de seus organismos a essa poluição, porém, ainda são fatores incertos. “Por essa razão, estudos que ampliem a compreensão científica a respeito da quantidade e tipo de microplástico que os peixes estão ingerindo são cruciais para o entendimento e previsão das consequências dessa contaminação, bem como para subsidiar planos de gestão efetivos e promover a conservação dos recursos pesqueiros e dos ecossistemas costeiros e marinhos”, aponta a pesquisadora.
A preocupação se justifica pela contaminação, já documentada por diferentes estudos, de uma variedade grande de espécies, em diferentes níveis tróficos e em diferentes regiões do mundo. No Brasil, como apontado pelo estudo, a investigação dessa contaminação se concentra principalmente no Nordeste, onde já haviam sido registradas espécies com microplásticos, fragmentos de náilon e pellets (pequenas bolinhas de plástico).
CADEIA TRÓFICA
A pesquisa desenvolvida na UFC sugere que a ingestão dessas partículas ocorre durante as atividades de alimentação normais dos animais, de forma acidental. Isso porque as partículas estão presentes em sedimentos e na própria água, misturando-se com os recursos alimentares. Entre esses recursos, estão inclusive espécies já contaminadas que servem como presa a outras espécies.
Como os microplásticos podem estar impregnados com compostos químicos, que são repassados ao longo da cadeia trófica, determinada espécie de sardinha, alimento para outra espécie maior, se contaminada com esses compostos, poderá passá-los adiante na cadeia alimentar.
“Isso pode chegar ao ser humano, que consome esse recurso”, alerta Natália. “Colocamos [o microplástico] no ambiente e ele pode retornar para nós. São hipóteses que a gente levanta, a partir desse acúmulo e intensidade [de presença] dos compostos”.
PESQUISA
O estudo classificou os microplásticos encontrados na coleta por tipo, frequência e abundância, sendo os filamentos de plástico azuis os mais frequentes (28%) e abundantes (112 partículas). Outros tipos encontrados foram os filamentos transparentes, pretos, vermelhos, verdes e roxos; e os fragmentos transparentes, azuis e de isopor e os pellets.
Para realizar a análise, os peixes foram identificados, contados e dissecados, tendo seus estômagos removidos e preservados com etanol para ser avaliados. As espécies que tiveram estômago analisado foram Opisthonema oglinum (sardinha-laje), Bagre marinus (bagre-bandeira), Cathorops spixii (bagre-amarelo), Sciades herzbergii (bagre-branco), Chloroscombrus chrysurus (palombeta), Conodon nobilis (roncador) e Haemulopsis corvinaeformis (coró-branco).
O trabalho foi realizado com o auxílio do Laboratório de Cristalografia Estrutural, do Departamento de Física, sob coordenação do Prof. Alejandro Pedro Ayala; do Laboratório de Efluentes e Qualidade de Água, coordenado pelo Prof. Michael Barbosa; e do Laboratório de Zoobentos, coordenado pela Profª Cristina de Almeida Rocha, os dois últimos vinculados ao LABOMAR.
A leitura de mais detalhes da pesquisa pode ser feita em artigo publicado (em inglês) na Marine Pollution Bulletin.
Fonte: Natália Dantas, autora do estudo – e-mail: nataliacarladantas@hotmail.com