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Monitorando a qualidade da água dos açudes com satélites

A técnica de sensoriamento remoto surge diante da incapacidade de monitorar presencialmente toda a hidrografia cearense

Principais responsáveis pelo abastecimento de água no Ceará, os açudes são peças fundamentais na hidrografia de um Estado historicamente afetado por períodos de seca. Hoje, cerca de 30 mil açudes compõem a geografia cearense, além daqueles pequenos demais para ser contabilizados.

A extensa rede cria um problema para o monitoramento da qualidade das águas dos reservatórios. Para isso, é necessário coletar amostras de água de cada unidade, mas a extensão obriga os gestores públicos a acompanhar apenas 146 dos maiores açudes. Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, em parceria com a Universidade de Potsdam (Alemanha), estão utilizando o sensoriamento remoto por imagens captadas por satélite para avaliar indicadores que apontem a situação da água em determinada região.

O estudo é desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa de Hidrossedimentologia do Semiárido (Hidrosed), com sede no Departamento de Engenharia Agrícola da UFC. O projeto, ainda em caráter experimental, monitora hoje 12 pequenos açudes no município de Madalena, no Sertão Central.

Professor José Carlos Araújo em frente a açude de pequeno porte (Foto: Ribamar Neto/UFC)

Prof. José Carlos de Araújo monitora qualidade da água de 12 açudes de pequeno porte (foto: Ribamar Neto/UFC)

De acordo com o Prof. José Carlos de Araújo, coordenador do projeto, por meio da combinação das frequências utilizadas pelos satélites, é possível avaliar a incidência de vários tipos de matéria orgânica que podem vir a comprometer a qualidade da água, como clorofila-a, algas e vegetação do tipo macrófita. Além disso, o sensoriamento remoto também permite avaliar a transparência da água (função da turbidez) nos reservatórios, bem como a carga de sedimentos em suspensão na rede de drenagem.

Identificar e quantificar a presença de cianobactérias (algas azuis) é outra tarefa que pode ser realizada pelo sensoriamento remoto. Também relevantes para a classificação da qualidade da água, esses organismos podem ser detectados pela observação de pigmentos denominados ficocianina.

“Havia uma ideia de que o pequeno açude só serve para evaporar. Mostramos que isso não é verdade”

Outra possibilidade é a detecção do que os pesquisadores chamam de “áreas inundadas” no açude. Se a imagem captada mostrar regiões de verde próximas ao açude, é possível que haja uma grande concentração de macrófitas emersas, o que gera dúvidas sobre a real quantidade de água disponível, uma vez que parte da superfície estaria coberta pela vegetação.

Segundo Christine Farias, doutoranda em Engenharia Agrícola que participa do projeto, as imagens de satélite vão além da observação visual. “Nessas pesquisas são testados vários modelos bio-ópticos e algoritmos. Com base nos valores de reflectância da água superficial do reservatório, por exemplo, os atributos clorofila-a, matéria orgânica e turbidez podem ser estimados”, explica.

CRIAÇÃO DO PROJETO

O projeto nasceu em 2013, após uma pesquisa de 20 anos que estudava, dentre outros, o impacto social e ambiental das pequenas açudagens. “Havia uma ideia de que o pequeno açude só serve para evaporar. Mostramos que isso não é verdade”, garante o professor José Carlos.

As pesquisas do Hidrosed mostraram que açudes menores são responsáveis por segurar 62% da erosão no Ceará, aumentando o tempo de vida útil das barragens maiores. Outros fatores importantes são a democratização dos recursos hídricos e a eficiência energética obtida com a manutenção dos sistemas hídricos de menor porte. Uma vez comprovada a importância dos pequenos açudes, a pesquisa se deparou com outro problema: a qualidade da água.

Imagens de satélite mostram a área de um açude monitorado e a presença de macrófitas e vegetação (Imagem: Christine Farias Coelho, a partir de dados obtidos pelo satélite RapidEye)

Imagens de açudes de Madalena monitorados pelo projeto. À direita, o verde mais claro sinaliza a presença de macrófitas e o verde mais escuro, a vegetação do entorno (Imagem: Christine Farias Coelho, a partir de dados obtidos pelo satélite RapidEye)

O pesquisador destaca que o sensoriamento remoto não significa abrir mão do trabalho de campo. Seria necessário, por exemplo, coletar amostras de alguns açudes para utilizá-las como material de comparação e validação dos resultados obtidos pelo satélite. “Com a estrutura no campo e a imagem no satélite, podemos extrapolar a abrangência e monitorar simultaneamente os 30 mil açudes no Ceará”.

Ainda há limitações, como a detecção de clorofila do tipo A, diretamente ligada à concentração de algas, que enfrenta dificuldades em açudes que secam anualmente. “Quando isso ocorre, esse tipo de vegetação cresce dentro e interfere na análise. Mostra clorofila, mas não é a da água”, explica o pesquisador.

Também estudado pelo grupo de pesquisa e extensão Manejo de Água e Solo no Semiárido (Massa), na UFC, o método de monitoramento por satélite ainda dá seus primeiros passos. Para o Prof. José Carlos, essa é uma tecnologia que exigirá anos de estudo, cujas próximas etapas serão a combinação de dados entre as diferentes pesquisas na área, com o intuito de aperfeiçoar o trabalho já realizado. Mas garante: “Essa ferramenta é o futuro”.

Fonte: Prof. José Carlos de Araújo, do Departamento de Engenharia Agrícola da UFC – e-mail: jcaraujo@ufc.br

Kevin Alencar 30 de julho de 2017

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