Combater as contaminações por coronavírus e o desenvolvimento de sintomas graves da covid-19 passa também por entender como o vírus e a doença se comportam, considerando os mecanismos de infecção e a forma como se relacionam com determinadas moléculas. É o que tenta explorar um dos estudos realizados na Universidade Federal do Ceará.
A pesquisa, publicada no International Journal of Antimicrobial Agents em julho de 2020, buscava, à época, lançar luz sobre como determinados medicamentos interagiam com a estrutura do coronavírus (SARS-CoV-2). A ideia era prover resultados que pudessem auxiliar estudos mais avançados sobre essas interações.
Três medicamentos tiveram seus mecanismos avaliados, em uma fase in silico, ou seja, simulação de computador: azitromicina, cloroquina e hidroxicloroquina. Os fármacos foram postos em interação com dois componentes do coronavírus: o domínio de ligação ao receptor (RBD) da proteína spike, principal ferramenta de conexão com o organismo humano, e a protease Mpro, possível alvo de medicamentos para inibir a replicação viral.
Além disso, o estudo também leva em consideração dois componentes presentes no corpo humano: a principal enzima receptora do vírus, a ACE2, na qual a proteína spike do coronavírus costuma se conectar, e a protease CTSL, que facilita a clivagem (como uma divisão celular) do vírus.
Entre os medicamentos testados à época, a azitromicina se destacou por ter apresentado forte ligação com todos os alvos escolhidos para a pesquisa, além de um maior número de interações, mostrando resultados mais promissores do que a cloroquina e a hidroxicloroquina (a primeira havia demonstrado maior afinidade com a ACE 2 e a Mpro; a segunda, com a Mpro e a CTSL).
“Nesse período (da publicação da pesquisa até aqui), muitos estudos foram publicados, sendo ainda controverso a indicação clínica de vários medicamentos. No entanto, resultados de ensaios clínicos serão determinantes para sanar as discussões e melhor orientação no tratamento contra a infecção causada pelo SARS-CoV-2”, aponta a Profª Dra Roberta Jeane Bezerra Jorge, orientadora do estudo.
As informações encontradas são importantes porque podem ajudar a determinar mecanismos voltados ao bloqueio do vírus e da replicação, utilizando essa interação como ponto de partida. Por exemplo, uma interação com a Mpro, peça fundamental para a replicação viral, significa uma possibilidade de que aquela molécula seja uma candidata a combater o vírus.
Isso não quer dizer, porém, que os medicamentos têm total eficácia comprovada contra o SARS-CoV-2 – visto que somente a testagem in silico foi feita –, mas que estudos mais aprofundados são necessários para avaliar o papel dessas interações moleculares no controle da covid-19.
METODOLOGIA
Os resultados foram obtidos a partir da metodologia da chamada docagem molecular (algo como acoplagem), que ajuda a caracterizar o comportamento dessas moléculas no local de ligação delas com as proteínas-alvo do estudo.
“É uma ferramenta-chave para predizer a melhor orientação de ajuste de um fármaco em uma proteína do vírus SARS-CoV-2”, avalia a Profª Roberta. “No caso da COVID-19, essa técnica facilita o teste computacional de vários fármacos que possam interagir de maneira satisfatória, além de predizer as interações de novas mutações do vírus e rastreio de novas drogas a essas variantes”.
Assim, essas primeiras avaliações direcionam pesquisas mais avançadas. “Os estudos computacionais (in silico) nos apresentam resultados iniciais permitindo selecionar moléculas mais promissoras a um determinado alvo. Com essa triagem se pode dar continuidade aos testes em células (in vitro) e em animais (in vivo) para possibilitar a realização posterior dos ensaios clínicos”, projeta a pesquisadora.
SAIBA MAIS
Para realizar a pesquisa, as proteínas-alvo e as amostras das moléculas dos medicamentos foram obtidas a partir de repositório virtual para estruturas químicas, que depois foram postas em software de computador, por meio do qual foram otimizadas. O estudo foi feito no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da UFC, através de parceria com diferentes laboratórios da unidade.
Assinam o artigo também o mestrando em Ciências Morfofuncionais Helyson Lucas Bezerra Braz (autor principal do estudo); a pesquisadora Aline Diogo Marinho, o Prof. João Alison de Moraes Silveira e a Profª Helena Serra Azul Monteiro (do Laboratório de Toxinologia); a Profª Elisabete Amaral de Moraes (Unidade de Farmacologia Clínica); e o Prof. Manoel Odorico de Moraes Filho (Laboratório de Farmacologia Pré-Clínica, Laboratório de Oncologia Experimental e diretor do NPDM). Todos integram a Faculdade de Medicina da UFC.
Leia o artigo completo (em inglês) publicado no International Journal of Antimicrobial Agents.
Fonte: Profª Roberta Jeane Bezerra Jorge, do Laboratório de Toxinologia do NPDM – e-mail: robertajeane@ufc.br
Este texto faz parte de uma série sobre a produção científica da UFC relacionada à covid-19. Os textos vêm sendo publicados semanalmente na Agência UFC. Os resultados aqui apresentados não representam necessariamente a opinião da UFC sobre o assunto.