Pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Geologia, do Centro de Ciências da Universidade Federal do Ceará, mapeou parte da Bacia do Ceará e como se deu o processo de formação de petróleo e gás na região. A Bacia do Ceará é um conjunto de rochas com área em torno de 65 mil quilômetros quadrados, onde estava localizada a exploração de petróleo na costa cearense.
O trabalho faz parte da tese de doutorado da pesquisadora Ana Clara Braga de Souza, recentemente publicado na revista internacional Marine and Petroleum Geology, periódico com fator de impacto 3.790, avaliado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) como Qualis A2 na área de geociências.
A pesquisadora obteve dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de 30 poços petrolíferos da região e interpretou dados sísmicos e geoquímicos de amostras de rochas. Com isso, foi capaz de propor um modelo da evolução da bacia que conseguiu identificar, por exemplo, a ocorrência de dois eventos anóxicos oceânicos (EAO) na bacia durante o Cretáceo. Esses eventos marcam uma brusca redução do nível de oxigênio nos mares, com uma grande mortandade de espécies na região, e ajudam a entender como foram geradas as rochas formadoras de petróleo.
Para que o petróleo possa ser gerado, é preciso que algumas etapas sejam cumpridas. A primeira delas: deposição de matéria orgânica, em grandes quantidades. Depois, sua conservação, evitando que ela seja degradada ao longo do tempo. Poucas coisas degradam tanto a matéria orgânica quanto o oxigênio e é por isso que os EAOs ajudam na formação dos hidrocarbonetos: eles levam à deposição da matéria orgânica de inúmeras espécies que não sobrevivem à redução do oxigênio, como também ajudam a conservá-la.
Ao investigar os dados da ANP, a pesquisadora buscou identificar a quantidade de carbono presente nas rochas, a chamada COT. “Para ser considerada uma rocha geradora de petróleo, é preciso ter valores a partir de 1% de COT. Isso já é um processo raro. E quando encontramos, como achei na bacia do Ceará, índices de até 9%, estamos falando de números realmente expressivos”, diz a pesquisadora Ana Clara Braga de Souza.
Isso significa que há muito petróleo na bacia cearense? Não necessariamente. Para haver geração de petróleo, é preciso que outras coisas aconteçam: primeiro, um longo processo físico-químico que levará à formação do querogênio – um produto da matéria orgânica depositada nas rochas. É essa substância que, submetida a condições bem específicas de temperatura e pressão, poderá se transformar em petróleo ou gás.
Depois, o ponto certo de pressão e temperatura. Se o processo ocorrer em temperatura e pressão adequadas, gera-se o petróleo propriamente dito, explica Ana Clara. Se a temperatura da rocha for alta, o hidrocarboneto se transforma em gás. Mas, se o aquecimento for alto demais, haverá degradação da matéria orgânica.
A geóloga lembra que muitos outros estudos estão sendo conduzidos na costa nordestina para identificar a presença de petróleo e gás. Recentemente, uma pesquisa do Prof. Allan Kardec Duailibe, ex-diretor da ANP e pesquisador da Universidade Federal do Maranhão, divulgou o estudo “Novo pré-sal no Arco Norte do território brasileiro”, no qual aponta possíveis campos de hidrocarbonetos em bacias do Norte e Nordeste, com reserva estimada em 30 bilhões de barris de petróleo.
ONDE ESTÃO AS ROCHAS GERADORAS
O principal ponto do trabalho da Geologia da UFC foi o mapeamento das rochas geradoras. A pesquisadora relata que, diferentemente do que muitos podem pensar, os blocos de rocha da Bacia do Ceará estavam em movimento ao longo de milhares de anos. Os tipos de rochas variavam sua posição de acordo com o nível do mar, podendo ficar mais próximos da borda ou do centro da bacia, em movimentos chamados de retrogradação e progradação.
“Esses movimentos fazem com que o processo de geração [de hidrocarbonetos] uma hora se concentre em uma posição, outra hora se concentre em outra posição. A partir dessa distribuição espacial, consigo ver quais eventos e feições estruturais controlam o momento de geração”, explica.
Durante o Cretáceo, o que hoje é a América do Sul estava se afastando do continente africano. A Bacia do Ceará, cuja contraparte na África atual fica na região de Gana, Benin e Costa do Marfim, foi testemunha dessas mudanças. Ela passou por três momentos.
O mais antigo deles é o continental, com blocos rochosos que estavam em terra firme, consolidados antes da chegada do oceano. Esse grupo de rochas é chamado de Formação Mundaú e está hoje de 3.400 a 3.900 metros de profundidade do oceano. Os pesquisadores podem acessar os dados dessas rochas por meio dos poços de petróleo.
Durante milhões de anos, vários sedimentos rochosos foram sendo colocados sobre as rochas da Formação Mundaú. Esse é o segundo momento da bacia do Ceará: a Formação Paracuru, que ocorreu entre 84 e 85 milhões de anos atrás. Era uma fase de transição, sendo parte continental e parte marinha.
Foi nesse período de transição que foi registrado um EAO e bruscas mudanças globais, com elevação do nível do mar, aumentos de temperatura e extinção de várias espécies. Os registros geológicos dessas rochas estão hoje de 1.600 a 2.000 metros de profundidade do mar e compõem o conjunto mais promissor para a exploração de petróleo e gás nas águas cearenses.
Com a consolidação do oceano Atlântico Equatorial começa a terceira fase da bacia do Ceará, totalmente marítima. Assim como as fases anteriores, os sedimentos vão sendo depositados, durante milhões de anos, sobre as fases anteriores e passam por um processo de compactação. Essa fase marítima é composta por três formações rochosas (Ubarana, Tibau e Guamaré) – a mais recente delas, aliás, continua recebendo sedimentos até hoje.
IMPACTOS DO AQUECIMENTO
As causas dos EAOs na Bacia do Ceará ainda estão sendo estudadas. Muitos cientistas atribuem o fenômeno ao intenso vulcanismo do período, que teria liberado um enorme volume de gases gerando um fenômeno semelhante ao do efeito estufa. Isso teria aumentado a temperatura das águas, dificultando a circulação das correntes marítimas nos oceanos, e, consequentemente, alterado o equilíbrio de certas regiões.
“Um dos indícios que encontramos [desse aquecimento] foi a presença de halita, um mineral que está associado a ambientes quentes da história geológica”, conta a pesquisadora Ana Clara.
Ela relata que a hipótese é reforçada por trabalhos realizados em várias outras áreas no mundo. Uma dessas áreas é a Bacia do Araripe, no Cariri cearense. Lá, nas formações que guardam relação com esse mesmo momento geológico, foi identificada a presença de gipsita, mineral que é um indicador de aumento de temperatura.
“A partir do momento em que a gente olha para essas rochas do Cretáceo, temos um retrato do que aconteceu lá atrás para predizer que possíveis mudanças podem estar associadas a questões atuais do aquecimento, provocado pelo aumento das emissões de CO2”, diz a pesquisadora. “Obviamente, são proporções diferentes, mas podemos dizer que há nisso um alerta para o impacto das mudanças climáticas”, aponta.
Ana Clara foi bolsista de doutorado da CAPES. Sua pesquisa teve como orientador o Prof. Daniel Rodrigues, do Departamento de Geologia da UFC, e como coorientador o Prof. Francisco Nepomuceno Filho, do Departamento de Física da UFC.
A publicação na Marine and Petroleum Geology contou ainda com a participação dos pesquisadores Profa Narelle Maia de Almeida (Geologia – UFC); Prof. Alessandro Batezelli (UNICAMP); Prof. Felipe Holanda dos Santos (Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA); e Karen Maria Leopoldino Oliveira (UFRN). Todas as análises, desenvolvidas ao longo da pesquisa, foram realizadas no Laboratório de Interpretação Sísmica (LIS) da UFC, coordenado pelo Prof. Nepomuceno Filho.
Fonte: Pesquisadora Ana Clara Braga de Souza, da Pós-Graduação em Geologia da UFC – E-mail: anaclarageologia@alu.ufc.br