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Saúde

Pesquisa alerta para risco de danos ao fígado causados pelo uso de hidroxicloroquina no combate à covid-19

Esta é uma das três matérias que a Agência UFC traz hoje sobre pesquisas que tratam da relação entre a cloroquina, a hidroxicloroquina e a covid-19. Nosso objetivo é contribuir para os estudos e debates na busca soluções eficazes contra o Sars-Cov-2

Era março do ano passado quando uma gestante de 29 anos deu à luz a uma criança de 3,9 quilos. Parto cesariano, bebê saudável. A mãe teve alta e logo entrou em contato com parentes de Brasília que vieram para conhecer a criança. Aí, começa a história: os parentes apresentaram tosse e febre. Cinco dias depois, a mãe começou a sentir fraqueza, tosse seca e falta de ar. Era covid-19. Apesar de jovem e sem comorbidades, ela acabou internada, já com comprometimento pulmonar.

Pesquisa de julho com simulação de computador mostrava boa interação da azitromicina contra coronavírus

Estudo publicado em novembro aponta que uso de hidroxicloroquina pode reduzir riscos de hospitalização de pacientes com covid-19

O quadro logo se agravou e a paciente teve de ir para a Unidade de Terapia Intensiva, onde recebeu azitromicina, piperacilina e tazobactam. Dois dias depois, passou a receber hidroxicloroquina (HCQ), 400 mg, duas vezes por dia. Com 24 horas, deu-se algo que chamou a atenção dos médicos: o nível de transaminase, uma enzina produzida no fígado, multiplicou-se por dez.

Ainda que não seja a única causa possível, mudanças no nível de transaminase são frequentemente associadas a problemas no fígado. Com a paciente na UTI com problemas pulmonares se agravando, o comprometimento do fígado era algo a ser evitado. A equipe imediatamente suspendeu a hidroxicloroquina, sem alterar o restante da medicação.

Um dia depois, o nível de aspartato aminotransferase (AST), uma das enzimas, já havia caído de 469 para 311, enquanto o de outra, a alanina aminotransferase (ALT) oscilava de 357 para 340. No segundo dia sem hidroxicloroquina, a AST caiu ainda mais, para 102, e a ALT ía a 191. Em cinco dias, os níveis já estavam normalizados.

A história da paciente chamou a atenção de um grupo de pesquisadores nordestinos. Surgiu dali o primeiro alerta na literatura médica que associava o tratamento com hidroxicloroquina no combate à covid-19 com hepatotoxicidade.

O estudo de caso foi conduzido pelos pesquisadores Luciano Pamplona, do Departamento de Saúde Comunitária da UFC; Melissa Barreto Falcão, da Universidade de Feira de Santana; Nivaldo Menezes Filgueiras Filho, da Universidade Estadual da Bahia e da Universidade de Salvador; e Carlos Alexandre Antunes de Brito, da Universidade Federal de Pernambuco.

PRIMEIRO RELATO

O trabalho foi publicado já em abril de 2020, um mês depois, na revista The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene e está disponível para consulta pública (em inglês). A revista possui Qualis A2, o que significa que tem alto nível de reconhecimento no seu campo de atuação.

“Como primeiro relato publicado na literatura dessa associação de hepatotoxicidade, o artigo alerta para a necessidade de observar o surgimento de eventos colaterais para diferentes terapias em covid e, especialmente, àquelas sem comprovação de efetividade e que muitas vezes são utilizadas sob o argumento de que não causam malefícios”, diz o Prof. Luciano Pamplona.

Depois disso, novos casos relacionados ao uso da HCQ no tratamento aos efeitos da covid-19 vêm sendo investigados, sendo registrados por outros trabalhos científicos. Em outubro, por exemplo, o Journal of the American Pharmacists Association publicou um levantamento mostrando o crescimento, durante a pandemia, do número de “eventos adversos” possivelmente associados ao uso de HCQ e azitromicina nos Estados Unidos.

“Infelizmente, apesar de relatada e documentada pela European Medicines Agency (Agência Europeia de Medicamentos, equivalente da ANVISA na União Europeia), além de outros artigos fazerem referência da presença desse efeito colateral, não houve capilarização da informação para sensibilizar profissionais (da saúde)”, avalia Pamplona.

Segundo ele, as pesquisas avançaram pouco no sentido de identificar a real frequência da hepatotoxicidade e pode haver subnotificação. “Outros episódios podem não ter sido relatados pois os profissionais podem não estar adequadamente sensibilizados para a suspeição desse efeito colateral e podem estar atribuindo quadros de hepatites ao efeito de vírus e de outras drogas, e não à HCQ”, diz.

E a paciente, que deu início a essa investigação? Na época em que a pesquisa foi publicada, ela ainda estava na UTI, com melhoras progressivas. Quase um ano depois, se recuperou plenamente, sem sequelas.

Fonte: Prof. Luciano Pamplona – e-mail: pamplona.luciano@gmail.com

Este texto faz parte de uma série sobre a produção científica da UFC relacionada à covid-19. Os textos vêm sendo publicados semanalmente na Agência UFC. Os resultados aqui apresentados não representam necessariamente a opinião da UFC sobre o assunto.

Agência UFC 30 de março de 2021

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