Que os olhos são o espelho da alma você provavelmente já ouviu, mas o famoso ditado popular ganha um sentido mais profundo na perspectiva de estudos no campo da linguística desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará. Para além da visão romântica da função dos olhos, lá se investiga a relação entre a movimentação ocular e os processos cognitivos.
As pesquisas do Laboratório de Ciências Cognitivas e Psicolinguística, responsável pelos estudos, pressupõem que o olhar fornece importantes sinais de comunicação para os seres humanos, servindo como indicador de estados atencionais e mentais, o que ajuda a compreender como se dá a comunicação tanto durante a leitura de um texto quanto durante a audição da fala. Tudo isso a partir da movimentação dos olhos.
É a observação da movimentação ocular que torna possível esse tipo de pesquisa, hoje facilitada por equipamentos de eye tracking (algo como “rastreamento ocular”). São câmeras de alta velocidade que informam não apenas onde estamos focando nosso olhar, mas também quanto tempo demoramos a cada fixação da visão, por exemplo, durante a leitura, o que indicaria o tempo que gastamos para apreender aquilo que vemos.
Com o auxílio de equipamentos como o eye tracking, sabemos que o ser humano demora cerca de 330 milissegundos para identificar e entender uma imagem e em torno de um segundo para compreender uma frase de cinco palavras conhecidas, acessando todas as informações sintáticas e morfológicas da sentença. Isso porque o tempo de processamento corresponde justamente ao período em que o olhar permanece fixado naquela palavra.
A Profª Elisângela Teixeira, coordenadora do laboratório, afirma que, quando passamos um tempo mínimo olhando para determinado objeto, nosso cérebro recebe as informações obtidas pelas luzes que chegam à retina e depois envia essas informações para as áreas da cognição.
Entre outras coisas, isso explica o mecanismo de ação das mensagens subliminares. “O tempo que passamos observando um objeto é o mesmo que a mente leva para entender conscientemente esse objeto”, diz a professora. Se esse período é curto demais (como nas informações abaixo do limiar de 50 milissegundos), recebemos a informação, que pode até nos levar a tomar decisões e a agir em função dela, mas o cérebro não a trata conscientemente.
LEITURA
Há diversos movimentos oculares que podem ocorrer durante o processo de leitura, como o regressivo (quando voltamos para um ponto anterior para tentar apreender novamente o sentido daquela palavra na frase). No entanto, dois movimentos são basilares: as fixações e as sacadas (ou saltos).
“Temos a impressão de que nossos olhos passeiam suavemente observando um panorama, mas a visão só consegue a movimentação suave quando acompanha um objeto em deslocamento”, diz a Profª Elisângela. Por exemplo, se acompanhamos um carro na rua, nosso olhar irá se mover de acordo com a passagem do veículo. Porém, não conseguimos reproduzir essa suavidade voluntariamente.
“Quando o objeto é estático, como é o caso na leitura, o olho faz, após a fixação, o que chamamos de saltos”, esclarece a professora, ou seja, nossa visão salta entre uma palavra e outra (ou dentro de ponto focais capazes de abranger até mais de duas palavras), fixando-se por alguns milissegundos antes de seguir para o próximo ponto.
“Um segundo é muito tempo para a linguagem (…) Quando conseguimos observar o tempo de processamento das informações contidas em uma frase é que temos a noção disso”
Isso é importante para entender como diferentes tipos de texto ou de organização da frase podem influenciar o processo de compreensão do leitor. Por exemplo, se usamos um pronome anafórico (aqueles que fazem referência direta ou indireta a um termo anterior, como um “ele” referenciando um nome já citado no texto), seu tempo de processamento pode ser diferente a depender da forma como o utilizamos.
Outra possibilidade de análise mostra a relação que a visão tem com tarefas demandadas a alguém durante a observação de uma cena. “Se eu forneço uma imagem e dou uma tarefa específica a alguém, a movimentação do olhar ocorrerá de acordo com essa tarefa”, explica a mestranda Brenda Souza, integrante do laboratório.
Algo que ilustra isso é o experimento realizado pelo psicólogo russo Alfred Yarbus nos anos 1960: com base em uma pintura de uma família em uma sala de estar, intitulada O visitante inesperado, ele solicitou tarefas aos participantes da pesquisa, tais como estimar a condição financeira das pessoas no quadro e a idade delas. Para responder, os participantes moviam o olhar pela mobília da casa no quadro ou o fixavam nos rostos das pessoas pintadas.
LABORATÓRIO
Os instrumentos de eye tracking usados pelo grupo chegam a registrar até 2 mil fotos por segundo, podendo capturar o movimento ocular a cada meio milissegundo. Isso é obtido por meio de uma câmera emissora de uma luz infravermelha que, refletida nos olhos dos participantes, permite calcular a distância entre as córneas direita e esquerda, fazendo uma triangulação em relação ao objeto visualizado (normalmente projetado na tela do computador).
No campo da linguística, esses são equipamentos que permitem grande abrangência de pesquisas experimentais, desde a análise de como se dá o acesso lexical (o processo de resgatar o significado de uma palavra conhecida) até o estudo da teoria da mente, a capacidade de inferir estados mentais do outro em situação comunicativa. Tudo dentro de uma perspectiva de tempo muito menor do que a habitual.
São estudos que procuram evidências empíricas para teorias que buscam explicar o processo extremamente veloz pelo qual nosso cérebro realiza naturalmente a compreensão leitora e auditiva da fala.
“Um segundo é muito tempo para a linguagem”, afirma Brenda. “Quando tratamos esses registros de movimentação ocular e conseguimos observar o tempo de processamento das informações contidas em uma frase é que temos a noção do universo inserido em um segundo.”
EQUIPE
O Laboratório de Ciências Cognitivas e Psicolinguística é composto ainda pelos pesquisadores Maria Soares, Eduardo Junqueira, Patrícia Vieira, Maria Cristina Fonseca, Ana Paula Alves, Carolina Peixoto, Alisson Lima, Vitória Ferreira, João Vieira, Juliana Gurgel, Dalva Fernandes e Espedito Roza.
Fonte: Profª Elisângela Teixeira, do Programa de Pós-Graduação em Linguística – e-mail: elisteixeira@letras.ufc.br