Atividade tradicional do Nordeste brasileiro, a agroindústria do caju tem grande potencial na geração de renda e receita, notadamente no Ceará, um dos estados líderes na produção nacional. Produtos como a amêndoa da castanha-de-caju ou mesmo polpas e sucos a partir do pedúnculo (pseudofruto) ainda fazem parte da indústria brasileira, mesmo com a relativa estagnação que esse setor da agroindústria vem gradativamente enfrentando desde a década de 1980.
Integrantes do Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos (GPBio), do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará, têm se debruçado em uma questão envolvendo essa agroindústria: as grandes quantidades de pedúnculo do caju que são desperdiçadas durante a produção da amêndoa. Como solução para aproveitar esse material orgânico, o grupo passou a estudar maneiras de gerar outros produtos do suco e do bagaço. Entre as diversas possibilidades pesquisadas, está a produção de etanol, de primeira e segunda geração, do caju.
Os primeiros estudos do grupo envolvendo o caju, matéria-prima rica em açúcares, sais minerais e aminoácidos, resultaram na geração de substâncias como biossurfactantes (espécie de detergentes de origem biológica) e ácido hialurônico. Este último tipo de biopolímero é muito utilizado em tratamentos de rejuvenescimento e no combate a rugas devido a sua capacidade de retenção de água e de preenchimento de sulcos dérmicos.
O ácido hialurônico também tem aplicações na indústria farmacêutica (na recuperação de articulações ósseas), alimentícia e de bioplásticos. Segundo os pesquisadores, além de ter menores custos de produção, os produtos também possuem qualidade similar aos atualmente utilizados no mercado.
APOSTA NO ETANOL
Mesmo assim, não era suficiente. A Profª Luciana Gonçalves, pesquisadora e coordenadora do GPBio, explica que ainda havia um grande potencial inexplorado para o aproveitamento do caju em plataformas biotecnológicas emergentes. “Vimos que, como o suco tem muito açúcar, em torno de 100 gramas por litro, poderíamos pensar um processo de produção de etanol”, conta.
Entretanto, a utilização apenas do suco extraído do pedúnculo para a fabricação do álcool etílico se mostrou inviável economicamente, como apontaram, mais tarde, trabalhos do próprio GPBio. A constatação provocou a necessidade de aproveitar também o material orgânico que sobrava na extração. “Com isso, vieram os estudos de produção de etanol de segunda geração. O de primeira geração era produzido a partir dos carboidratos que já estão no suco, e o de segunda geração, do bagaço do caju”, explica a Profª Valderez Rocha, responsável pelos primeiros estudos sobre o tema.
A produção do etanol com base na cana-de-açúcar, por exemplo, é viável devido às ramificações que o processo possui: primeiro é recuperado o açúcar que consumimos no dia a dia, e o melaço sobressalente é utilizado para fabricar o álcool. Além disso, as indústrias utilizam o bagaço da cana para a geração de energia por meio da queima e comercializam o excedente.
Por isso, os pesquisadores chegaram à conclusão de que o etanol produzido do caju seria viável se houvesse investimento na criação de outros produtos de forma agregada, viabilizando o processo como um todo.
“Mudando uma ou outra condição, você consegue produzir etanol, xilitol, 2-feniletanol e outros. Em termos de tecnologia, isso é muito interessante, pelo aproveitamento de uma mesma infraestrutura”
As possibilidades para fazer isso surgiram como uma consequência da produção de etanol de segunda geração: no decorrer do processo fermentativo do hidrolisado do bagaço do caju, uma das substâncias geradas foi o xilitol, um carboidrato utilizado na produção de creme dental infantil e de chicletes devido a seu baixo valor calórico, refrescância e capacidade de inibir bactérias que causam cárie.
Tendo como base estudo do xilitol, outra substância acabou sendo descoberta: o 2-feniletanol, aroma utilizado pela indústria de perfumaria e alimentícia na fabricação de bebidas e doces, por exemplo.
Outro aproveitamento que o grupo estuda, ainda em fase incipiente, é o da lignina, substância que sobra do processo de pré-tratamento da biomassa. A lignina pode ser utilizada para a produção de intermediários químicos e adsorventes (sólidos que retêm as moléculas de um fluido) e ainda para gerar energia a partir de sua queima.
Tudo isso em concordância com o conceito de biorrefinaria, “que tenta aproveitar o máximo da matéria-prima para diferentes produtos”, explica a Profª Valderez. Trata-se de um processo integrado em que uma mesma plataforma é capaz de produzir diversas substâncias, utilizando os mesmos equipamentos e técnicas semelhantes com base no mesmo substrato.
“Ao implementarmos essas tecnologias, nós estamos aproveitando um material regional e valorizando nossa cultura e as bases de nossa economia agrícola”
“Mudando uma ou outra condição, você consegue produzir etanol, xilitol, 2-feniletanol e outros. Em termos de tecnologia, isso é muito interessante, pelo aproveitamento de uma mesma infraestrutura”, comenta o Prof. André Casimiro, também do GPBio
Ao estabelecer a fabricação integrada, os pesquisadores esperam que a plataforma de biorrefino com base no caju seja concretizada e que a agroindústria do caju volte a ter a força nacional que já possuiu.
Mesmo com a queda da safra, que vem sendo registrada ao longo dos últimos anos, os pesquisadores consideram que o aproveitamento da quantidade desperdiçada de pedúnculo para obtenção de produtos de alto valor agregado traria de volta a importância econômica dessa indústria. “É algo disponível em nosso Estado. Ao implementarmos essas tecnologias, estamos aproveitando um material regional e valorizando nossa cultura e as bases de nossa economia agrícola”, acredita a Profª Luciana.
CONHEÇA AS PESQUISAS (em inglês):
- Produção de etanol a partir do bagaço do caju
- Pretratamento de peróxido de hidrogênio alcalino do bagaço de caju para produção de etanol: estudo de parâmetros
- Avaliação do suco de caju para a produção de álcool combustível
- Produção de biosurfactantes
- Produção de xilitol
- Ácido hialurônico
Fonte: Profª Luciana Gonçalves, Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos (GPBio) – e-mail: lrg@ufc.br / fones: 85 3366 9611 e 3366 9610