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Molécula pesquisada em parceria com a UFC pode ajudar contra fungos super-resistentes

Desenvolvido em laboratório, o peptídeo sintético aumenta eficiência de remédio, tornando-o capaz de matar fungo causador da aspergilose

Pesquisa desenvolvida em parceria com a Universidade Federal do Ceará e publicada na Nature tem buscado resolver problemas que não são novos no combate aos fungos causadores de doenças em humanos: a escassez de novos medicamentos e a resistência dos microrganismos aos medicamentos que já são conhecidos.

Espécie que se beneficia dessa resistência às drogas farmacológicas é o Aspergillus fumigatus, fungo presente no ar e no solo, causador da aspergilose. Em sua forma mais letal, classificada como aspergilose pulmonar invasiva, a doença chega a ter mais de 300 mil casos no mundo todo por ano, com taxa de mortalidade que chega a 90% entre a população mais suscetível à infecção.

Uma possibilidade de tratamento para a doença é o fármaco caspofungina. A substância sozinha, porém, não consegue driblar a resistência desenvolvida pelo A. fumigatus nem é capaz de atuar para matar de fato o fungo. É aí que a pesquisa desenvolvida em conjunto com a UFC pode fazer a diferença: utilizando moléculas sintéticas criadas em laboratório em conjunto com o remédio, o efeito farmacológico pode ser melhorado.

A molécula sintética, do tipo peptídeo, é a brilacidina (BRI). Quando combinado à caspofungina, o peptídeo é capaz de potencializar a atividade da droga, não apenas contra o A. fumigatus mas também contra outros patógenos fúngicos. Na prática, a BRI influencia diretamente na capacidade de resistência do fungo ao afetar sua membrana celular.

A imagem da direita mostra o fungo tratado apenas com a caspofungina (CAS); na imagem da esquerda, vê-se a redução da quantidade do fungo com a adição da brilacidina (BRI) (Imagem: Reprodução)
A imagem da direita mostra o fungo tratado apenas com a caspofungina (CAS); na imagem da esquerda, vê-se a redução da quantidade do fungo com a adição da brilacidina (BRI) (Imagem: Reprodução)

“A brilacidina torna o fungo sensível novamente ao efeito da caspofungina. Sem a brilacidina, a caspofungina não tem efeito nenhum sobre o fungo”, reforça o pesquisador Pedro Filho Noronha de Souza, professor visitante no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da UFC e coautor do artigo publicado na Nature sobre a pesquisa.

Já testada tanto in vitro quanto in vivo, em modelos animais, a BRI se provou não tóxica para células de mamíferos, o que a torna uma boa candidata a funcionar como sinergizador da caspofungina. Assim, considerando a complexidade de criação de novas drogas, o reaproveitamento de fármacos, com novas possibilidades, se torna uma saída para o desenvolvimento de novas modalidades de tratamento.

MIMETIZAÇÃO

Para chegar à BRI, os pesquisadores se debruçaram sobre uma coleção contendo 1.402 compostos ao todo, buscando aprimoradores das funções da caspofungina que pudessem ajudar a inibir o crescimento fúngico ao ser combinados com a droga. A brilacidina foi o peptídeo que se destacou, ao se mostrar contra o biofilme do A. fumigatus, afetando a organização de sua parede celular.

Isso pode ser explicado pelo fato de a BRI ser uma molécula criada para mimetizar a estrutura das proteínas de defesa do hospedeiro presentes em nosso organismo. “As proteínas de defesa do hospedeiro já possuem uma atividade natural contra o fungo. Essas proteínas constituem nossa defesa. Então, ao mimetizá-las, o BRI também apresenta essa atividade”, resume o Prof. Pedro de Souza.

O sinergismo apresentado entre a BRI e a caspofungina, além do potencial de combate ao A. fumigatus, também se mostrou eficaz contra outros fungos: o C. albicans, espécie comumente causadora de infecções como a candidíase, e o C. neoformans, responsável por infecções no pulmão.

Outra espécie que também se mostrou suscetível à combinação do peptídeo com o medicamento foi a C. auris, que tem recebido atenção da mídia nas últimas semanas, sendo chamado de “superfungo” justamente por conta da sua resistência aos medicamentos tradicionais.

O gráfico mede a quantidade de fungo em cada tipo de tratamento: na barra A, o modelo de controle, sem tratamento; na barra B, o tratamento usando somente a brilacidina; na C, apenas o uso da caspofungina; já na última barra, a D, a união da caspofungina com a brilacidina (Imagem: Reprodução)
O gráfico mede a quantidade de fungo em cada tipo de tratamento: na barra A, o modelo de controle, sem tratamento; na barra B, o tratamento usando somente a brilacidina; na C, apenas o uso da caspofungina; já na última barra, a D, a união da caspofungina com a brilacidina (Imagem: Reprodução)

PEPTÍDEOS

O caminho até que o peptídeo sintético seja de fato usado na indústria farmacológica é longo e tudo depende ainda de muitos outros testes. Na UFC, moléculas desse tipo já vêm sendo estudadas pelo potencial que possuem no combate a microrganismos de modo geral, incluindo bactérias e vírus.

Os trabalhos são desenvolvidos pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC. Em uma das pesquisas, o coronavírus responsável pela pandemia de covid-19 foi um dos objetos de estudo.

Apesar do esforço necessário pela frente, o Prof. Pedro de Souza entende que os peptídeos já desempenham papel importante no desenvolvimento de medicamentos. “As peptide-based drugs [drogas baseadas em peptídeos, em tradução livre] são o futuro das drogas que irão combater a resistência aos antimicrobianos”, diz.

“Os peptídeos apresentam mecanismos que tornam muito dificil o desenvolvimento de resistência. Além disso, os peptideos podem ajudar drogas a funcionar novamente. Com certeza são a nossa nova chance de ter drogas mais eficientes contra microrganismos multirresistentes”, projeta o pesquisador.

Fonte: Prof. Pedro Filho Noronha de Souza, pesquisador do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC – e-mail: pedrofilhobio@ufc.br / pedrofilhobio@gmail.com

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Kevin Alencar 6 de junho de 2023

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