Metade da costa cearense deverá perder pelo menos 10 metros de sua faixa de areia até o ano de 2040. Este é um dos resultados do primeiro estudo preditivo já realizado sobre a linha de costa do Estado, desenvolvido no Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará. As previsões apontam que Fortim, a cerca de 130 quilômetros de Fortaleza, é o município com projeção mais acentuada de erosão.
A pesquisa calculou uma predição da situação da linha costeira cearense para os anos de 2030 e 2040 e, em ambos os períodos, a margem noroeste do rio Jaguaribe, no município de Fortim, é a que apresenta as taxas mais elevadas de avanço do mar. Entre o ano de 2020, usado como base, e 2030, a referida área deverá perder 318 metros de costa. De 2020 a 2040, serão 436 metros perdidos pela erosão, termo usado para se referir ao recuo da faixa de areia em direção ao continente.
Além de Fortim, o estudo indica que os municípios de Icapuí, Cascavel, Caucaia, Paracuru, Paraipaba, Trairi, Amontada, Itarema, Acaraú e Camocim também devem sofrer com intensas erosões até 2030. Para 2040, ressalta-se a tendência de avanço do mar na Costa Oeste do Estado, desde o chamado setor de Fortaleza, que inclui a capital e os municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, aos setores da Costa Oeste, com Trairi e Itapipoca, e Extremo Oeste, alcançando Amontada, Itarema, Acaraú, Cruz e Camocim.
No caso de Fortim, a previsão tão ressaltada de erosão se explica por se tratar de uma região de estuário, a qual naturalmente possui uma dinâmica sedimentar mais complexa e muito acentuada, conforme elucida a professora do Departamento de Geologia da UFC Narelle Maia de Almeida, uma das autoras do estudo. Contudo, de uma forma geral, 49,16% dos 573 quilômetros de costa do Estado deverão perder 10 metros ou mais de faixa de areia até 2040, e esse cenário é considerado muito grave pela professora. “Processos erosivos acentuados podem prejudicar demasiadamente esta região de grande importância econômica, ambiental, social e cultural, que desempenha um papel vital na sustentabilidade e no bem-estar das comunidades locais e na biodiversidade costeira”, analisa.
Segundo ela, os prejuízos, caso a predição se confirme, poderão ser sentidos por diversos setores. “A costa abriga uma diversidade de ecossistemas, como manguezais, dunas e recifes, fundamentais para a biodiversidade marinha e para a pesca. A atividade pesqueira e a aquicultura são cruciais para a economia local, garantindo alimentação e renda. O turismo costeiro, impulsionado pela beleza natural das praias e esportes aquáticos, é uma importante fonte de receita e emprego. A cultura e identidade locais também estão intimamente ligadas ao mar e à pesca”, destaca.
Para a realização do estudo, foi elaborado um banco de dados de imagens de satélite da linha de costa do Ceará do período de 1984 a 2020, obtidas através do repositório EarthExplorer, disponibilizado pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). As imagens foram convertidas em arquivos georreferenciados, que permitiram a criação de uma linha de base para cada ano. O processo foi desenvolvido de forma semiautomática com a utilização de técnicas de aprendizado de máquina. Um software, então, comparou as linhas costeiras em diferentes momentos e calculou as mudanças ao longo do tempo.
“Com base nas mudanças identificadas na linha de costa do Ceará ao longo do tempo, o software utilizou métodos de modelagem estatística para prever a posição futura da linha de costa. Essas previsões são feitas com base em tendências históricas de mudança e podem ser usadas para planejar medidas de gestão costeira e adaptação”, explica a Profª Narelle de Almeida.
O estudo, portanto, também avaliou as mudanças ocorridas entre 1984 e 2020, verificando, além da erosão, os processos de acresção, que é quando há avanço em direção ao mar, e equilíbrio, quando não existem variações significativas. Nesse período, considerando o valor médio das variações anuais na costa cearense, foi constatado que 38,28% da área sofreram erosão, 13,73% passaram por um processo de acresção e os 47,98% restantes se mantiveram em equilíbrio.
O geólogo Luiz Henrique Joca Leite explica que a erosão (a já ocorrida no período analisado e a prevista) tem causas tanto naturais quanto por ação humana. Ele cita os casos identificados na praia de Ponta Grossa, em Icapuí, e na Ponta Litorânea de Jericoacoara como áreas que merecem atenção e cujos processos erosivos aparentam serem causados por processos naturais relacionadas à própria dinâmica costeira desses ambientes.
“Por outro lado, nós identificamos cenários de erosão severa claramente causados por interferência antrópica [humana], como a praia do Icaraí, em Caucaia, e outros que apontam para uma possível interferência humana, mas que seriam necessários alguns estudos em escala de maior detalhe para confirmar estas hipóteses, como as erosões incipientes observadas nas pontas litorâneas dos municípios de Paraipaba e Trairi”, informa.
ATERROS EM FORTALEZA NÃO CAUSARAM AVANÇO DO MAR NO ICARAÍ
Joca Leite aponta o caso do Icaraí como um dos principais exemplos de erosão causados pela ação do homem. A praia sofreu a maior erosão da região do litoral metropolitano, tendo perdido 109,73 metros de faixa de areia entre os anos de 1984 e 2020.
Contudo, diferentemente do que popularmente se considera, esse processo não foi causado pelas obras de aterro realizadas na Praia de Iracema, em Fortaleza. “O aterro de Fortaleza não é a causa da erosão da praia do Icaraí. Os molhes do Porto do Mucuripe e os espigões de Fortaleza, sim, são as causas desta erosão”, esclarece a Profª Narelle de Almeida. De acordo com ela, a engorda artificial de praia realizada na Capital foi feita com a dragagem (remoção) de sedimentos de zonas mais profundas para a deposição na faixa de praia, incorporando um novo volume de sedimentos à dinâmica costeira.
“Porém, os molhes e espigões foram projetados para interromper a deriva litorânea ‒ que é o movimento natural dos sedimentos ao longo da costa devido às ondas e correntes ‒, a qual, na nossa região, ocorre de leste para oeste. Dessa forma, esses molhes e espigões retêm não somente os sedimentos da engorda artificial da praia, mas também os da dinâmica costeira natural, fazendo com que não cheguem ou cheguem poucos sedimentos à praia do Icaraí, levando-a a processos erosivos intensos”, elucida. “Como as obras do porto do Mucuripe foram iniciadas na década de 1930, essa erosão é o resultado de um processo histórico”, complementa.
AÇÕES A SEREM TOMADAS NO LITORAL CEARENSE
A professora Narelle de Almeida ressalta a necessidade urgente de novos estudos preditivos sobre a costa cearense, desta vez, considerando novas variáveis que interferem na dinâmica costeira, como velocidade dos ventos, pluviosidade, ação das ondas, marés, correntes, eventos de tempestades, elevação do nível do mar e ação antrópica, além de estudos mais aprofundados sobre estas áreas de erosão. “Recomenda-se o uso de medidas e soluções baseadas na natureza de forma que a predição apresentada nesta pesquisa não venha a se tornar a realidade do ambiente costeiro do estado do Ceará”, alerta.
A pesquisadora informa ainda que estudos em escala de maior detalhe ainda não estão sendo realizados pela equipe do Departamento de Geologia por falta de financiamento. “Por esse motivo, a pesquisa está paralisada”, lamenta.
O estudo já realizado faz parte do trabalho de conclusão de curso (TCC) de Joca Leite, formado em Geologia pela UFC em 2020, sob orientação da Profª Narelle de Almeida. Os resultados foram publicados no artigo intitulado Análise espaço-temporal e modelagem preditiva da linha de costa do estado do Ceará” (https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/geociencias/article/view/17799/12872), publicado na Revista Geociências, da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Fonte: Profª Narelle Maia de Almeida, do Departamento de Geologia da UFC – E-mail: narelle@ufc.br.
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