O combate ao Aedes aegypti, responsável pela transmissão de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela, já ganhou um novo aliado: o líquido da casca de castanha-de-caju (LCC). Com a expertise de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará no manejo desse subproduto agroindustrial, foram desenvolvidos cinco derivados de baixo custo que atuam como larvicidas naturais contra o mosquito, com ação menos tóxica que a dos saneantes sintéticos hoje utilizados. A meta agora é fabricar um larvicida que possa ser utilizado de forma caseira, sem a necessidade de aplicação por agentes de saúde.
O Prof. Diego Lomonaco, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica (DQOI) da UFC, participa do estudo liderado pela Profª Alexeia Barufatti, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), que conta ainda com pesquisadores da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) e da Universidade Federal de São Paulo.
Lomonaco foi quem iniciou, ainda em 2006, a aplicação do LCC no combate às larvas do Aedes aegypti. Ele produziu, em 2008, um artigo pioneiro comprovando que o subproduto tinha ação larvicida, intitulado “Study of technical CNSL and its main components as new green larvicides” (“Estudo do LCC técnico e seus principais componentes como novos larvicidas verdes”), que foi publicado na renomada revista Green Chemistry.
“Foi um tiro no escuro no meio do mestrado. A minha orientadora na época, Profª Gilvandete Santiago, trabalhava em pesquisas envolvendo substâncias naturais como larvicidas para dengue e, como a composição química do LCC é basicamente de fenóis, e fenóis são substâncias biologicamente ativas, a minha ideia foi: será que o LCC vai funcionar contra as larvas da dengue?”, lembra o professor. E funcionou. O estudo abriu janelas para essa nova linha de investigação e, desde então, ele vem aperfeiçoando os achados no Laboratório de Produtos e Tecnologia em Processos (LPT/UFC), agora atuando em parceria com pesquisadores de outras universidades.
Em sua pesquisa inicial, o professor da UFC separou os componentes cardol e cardanol do LCC e analisou como os dois, assim como o próprio LCC sem dissociação, atuavam contra a larva do mosquito transmissor da dengue. A resposta foi que os três experimentos mostraram boa ação larvicida, provando que o LCC poderia ser utilizado sem separação como um larvicida natural e sustentável, o que permite reduzir os problemas do seu descarte e da consequente degradação ambiental.
Posteriormente, em parceria com a Profª Selma Elaine Mazzetto (DQOI/UFC), sintetizou novos produtos derivados do cardol, o constituinte mais ativo do LCC, que foram ainda mais eficazes no combate à larva do mosquito Aedes aegypti. O trabalho “Cardol-Derived Organophosphorothioates as Inhibitors of Acetylcholinesterase for Dengue Vector Control” (“Organofosforados derivados de cardol como inibidores da acetilcolinesterase para controle de vetores de dengue”), publicado em 2019 no Journal of the Brazilian Chemical Society, mostra esse resultado.
A GRANDE “SACADA”
Então, no ano passado, pesquisadores da UFGD procuraram Lomonaco para colaborar em uma evolução da descoberta do professor. “A grande sacada”, como explica ele, foi reagir o LCC com diferentes bases, como o hidróxido de sódio e, a partir dessa reação considerada bastante simples, foi possível melhorar a atividade do LCC como larvicida. “O hidróxido de sódio, assim como o LCC, é um composto simples e de baixo custo. Com essa mistura, o invento fica mais próximo da comercialização, pois precisa colocar menos material, ele se torna mais efetivo, suja menos e ainda é mais barato”, projeta.
A motivação para se testar o LCC a partir de uma reação com outros compostos foi que esse subproduto tem características lipídicas, ou seja, ele é gorduroso. E gordura, como se sabe, não se mistura com a água, que é o ambiente onde a larva do Aedes se desenvolve até virar mosquito.
“A questão é que o LCC, apesar de ser lipídico, tem uma porção da molécula que a gente consegue modificar quimicamente. Daí, com essa alteração, usando o hidróxido de sódio, conseguimos transformá-lo num surfactante, isto é, uma espécie de detergente. Com isso, ele passou a ter a capacidade de emulsificar, que é exatamente misturar a gordura com água”, esclarece Diego Lomonaco.
O experimento fez o LCC melhorar sua aptidão de se dissolver em água, mas sem prejudicar sua característica larvicida. Pelo contrário: ela passou a ficar ainda mais acentuada. “E conseguimos isso também sem comprometer a questão da toxicidade. Os números foram muito bons, não tóxicos aos organismos não alvos”, aponta.
Esses organismos não alvos são todos aqueles que não são as larvas do Aedes aegypti, incluindo os seres humanos. O ponto da pesquisa está, neste momento, em avançar nos ensaios de toxicidade com outros animais, inclusive com o homem, e apresentar os resultados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), para que as substâncias possam ser aprovadas para comercialização.
Os experimentos resultaram em cinco derivados bioativos, dos quais deverão ser fabricados os futuros produtos para o combate às larvas do mosquito. Todo o processo de obtenção foi descrito no artigo “Self-emulsifiable Bioactive Derivatives of Technical Cashew Nut Shell Liquid (tCNSL) Developed to Control Aedes aegypti Populations” [“Derivados bioativos autoemulsificáveis do líquido técnico da casca da castanha-de-caju (LCC técnico) desenvolvidos para controle de populações de Aedes aegypti”], publicado em janeiro deste ano no periódico internacional Waste and Biomass Valorization, da Springer.
PESQUISA PARA PRODUTO CASEIRO
Lomonaco informa que os cinco derivados já tiveram sua carta patente solicitada ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pelos pesquisadores da UFGD. Agora, a meta é transformar um deles, ou mais de um, em produto “a ser comercializado em prateleiras de supermercado ou em casas de produtos agropecuários”. Em outras palavras, o objetivo é fazer com que não seja mais necessário o uso controlado do saneante por agentes de saúde, como o que ocorre hoje com os larvicidas sintéticos usados no combate ao Aedes.
“O plano é desenvolver um produto para ser usado de forma caseira, pelas próprias pessoas em casa. O mais amplo, mais acessível possível, não só economicamente falando, mas em disponibilidade e manuseio”, aponta. “A gente quer ver o quão mais seguro ele é em relação ao sintético, para que a venda não seja controlada”, completa. O LCC técnico não possui odor, assim como os derivados produzidos. Segundo o professor, o plano é que se mantenha a característica líquida do produto, para que ele seja aplicado com a utilização de conta-gotas.
Diego Lomonaco diz ver possibilidades reais de o produto ser comercializado, por ser bastante simples. Com novos testes comprovando sua baixa toxicidade, não há dificuldade em transformá-lo em um produto caseiro, garante. Isso porque o processo de produção é considerado simples, pois ambas as substâncias, o LCC e o hidróxido de sódio, são baratas e de fácil acesso.
“A gente já trabalha com LCC todo dia no laboratório e nunca tivemos problemas com ele, e fazemos isso em grande quantidade. A gente combinou com o LCC um processo simples demais do ponto de vista industrial. Com qualquer maquinário, coisa bem arcaica, a gente conseguiria fazer isso em escalas grandes. O segredo é fazer o produto chegar às prateleiras, mas tem todas as possibilidades”, projeta.
O LCC
O líquido da casca de castanha-de-caju é um subproduto industrial de baixo custo, obtido por meio do beneficiamento da castanha-de-caju. Negro e viscoso, esse óleo pode ser classificado como técnico ou natural. No Brasil, a extração das amêndoas do caju é feita através do cozimento, processo que gera grandes quantidades de LCC técnico, o qual é utilizado na presente pesquisa. Já o LCC natural é obtido através da prensagem da casca da castanha in natura ou extraído com o uso de solventes orgânicos.
Fonte: Prof. Diego Lomonaco, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC – e-mails: lomonaco@ufc.br / lpt@ufc.br / site: www.lpt.ufc.br.
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