Em estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da Universidade Federal do Ceará, uma importante representante da biodiversidade da caatinga ganhou protagonismo: a espécie Holoregmia viscida, planta com forte ligação ao clima semiárido. A pesquisa constata que a espécie pode chegar à extinção por conta das mudanças climáticas globais.
Apesar de o gênero Holoregmia ser endêmico da caatinga, existindo somente nesse bioma e tendo evoluído para se adaptar a ele, a extinção da espécie é um cenário possível de acontecer em menos de um século diante de um agravamento da situação climática global, de acordo com o que o estudo da UFC projeta.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores utilizaram a chamada modelagem preditiva de distribuição de espécies, tipo de modelo matemático que utiliza algoritmos e variáveis ambientais para prever como estará o nicho de determinada espécie em um espaço de tempo específico.
Foram considerados para a modelagem tanto períodos passados, especificamente o Holoceno e o Pleistoceno, quanto presentes e futuros, neste último caso em cenários de mudanças climáticas diversos. O objetivo foi comparar a área adequada à ocorrência da espécie H. viscida de acordo com as mudanças climáticas ao longo de diferentes janelas temporais.
A possibilidade de extinção da espécie surge a depender do cenário futuro avaliado, mudando conforme se altera o nível de emissão de gases que contribuem para o aquecimento global. No pior deles, em que o uso de combustíveis fósseis e a consequente emissão desses gases segue aumentando, a expectativa é de redução drástica da espécie até 2060 e extinção em até 20 anos depois.
Considerando um cenário em que a emissão de gases permaneça como está e as mudanças climáticas não se agravem, ainda assim é prevista uma redução de cerca de 57% da área de cobertura da espécie até 2060 e de 80,62% até 2090. As porcentagens caem para 45,69% e 49,22%, respectivamente, em cenário otimista, com baixa emissão de gases.
“Embora [a Holoregmia viscida] seja adaptada ao clima semiárido da caatinga, o aquecimento global pode tornar as áreas da caatinga mais secas, portanto menos adequadas para a sobrevivência da espécie”, explica o Prof. Marcelo Moro, do LABOMAR, um dos responsáveis pela pesquisa.
“Nosso estudo mostrou que, se os cenários mais graves de aquecimento global ocorrerem, isto é, se a humanidade não reduzir a emissão de gases de efeito estufa, nosso semiárido vai ficar mais seco e inadequado mesmo para plantas que são adaptadas a ele”, completa.
EVOLUÇÃO
Nos modelos produzidos pela pesquisa, que considerou os últimos milhares de anos da configuração climática, perceberam-se momentos em que a área adequada para a ocorrência da H. viscida era mais ampla, reduzindo durante o Holoceno (período que vai de cerca de 11 mil anos até hoje), até chegar nas condições atuais.
A espécie tem hoje sua distribuição conhecida restrita ao sul da Bahia, sendo sua limitação ao semiárido o resultado de uma separação evolutiva das outras plantas de sua família (Martyniaceae). Por isso sua relevância enquanto representante da flora da caatinga.
“Se essa espécie chegar a desaparecer, toda a sua história evolutiva e as interações ecológicas que ela estabelece com as outras espécies da caatinga serão perdidas”, pontua o Prof. Marcelo.
Um movimento percebido pelos pesquisadores que ocorre hoje é uma “migração” das condições climáticas da caatinga rumo a áreas que estão dentro dos limites da mata atlântica, o que significa dizer que áreas com clima mais úmido ficarão semiáridas, enquanto as áreas do semiárido ficarão ainda mais secas.
A consequência disso é que não apenas a Holoregmia como também outras espécies do bioma precisarão lidar com condições ainda mais difíceis de sobrevivência.
FUTURO
Para o Prof. Marcelo, a reversão do problema passa por algumas ações: proteção e recuperação de áreas naturais e menores índices de emissão de gases do efeito estufa. “A vegetação ajuda a regular o clima e mantém grandes estoques de carbono fixado nas plantas. Nessa meta o Brasil tem falhado enormemente”, aponta o pesquisador.
Outra ação seria o aumento da extensão das áreas protegidas ou a criação de mais unidades de conservação. “Hoje, menos de 2% da caatinga é protegido por unidades de proteção integral e menos de 9% estão dentro de áreas protegidas”, aponta o Prof. Marcelo.
“As mudanças climáticas não afetarão apenas uma espécie ou um tipo de ecossistema, mas serão um grande problema para a sobrevivência e bem-estar da própria humanidade”, diz. “Ao verificar que as mudanças climáticas ameaçam uma espécie endêmica como a Holoregmia viscida, estamos, na verdade, recebendo um alerta sobre as ameaças que se abatem sobre cada um de nós.”
SAIBA MAIS
Outros detalhes sobre a pesquisa estão disponíveis no artigo (em inglês) publicado no periódico Plant Ecology and Evolution, com autoria principal da pesquisadora Taynara Rabelo-Costa, graduada em Ciências Ambientais pela UFC e atualmente mestranda do PRODEMA na mesma universidade.
Fonte: Prof. Marcelo Moro, do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) – e-mail: marcelomoro@ufc.br
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