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Estudo pioneiro da UFC avalia papel de gene no desenvolvimento de tumores

Utilizando a técnica de edição gênica CRISPR, a pesquisa preenche lacuna sobre a importância do gene H19 para o processo tumoral

Uma das estratégias para elucidar o papel de genes em processos biológicos é forçar alterações em seu nível de expressão, verificando as mudanças resultantes na configuração celular. Isso é possível por meio da chamada edição gênica, base de estudo inédito desenvolvido na Universidade Federal do Ceará que traz novas informações sobre um importante gene relacionado ao desenvolvimento de tumores: o H19.

Normalmente um supressor tumoral, o H19 é classificado como RNA longo não codificante (ou seja, não produz proteína), cumprindo funções em diversos processos, como crescimento e desenvolvimento celular. Porém, apesar de conhecido pela ciência e de já ser alvo de diferentes pesquisas, seu envolvimento no processo tumorigênico ainda não está totalmente claro.

Alguns passos na direção de preencher essa lacuna foram dados na pesquisa desenvolvida no Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC, em parceria com a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). A partir da edição gênica, alterações significativas na proliferação celular e na morfologia das células foram constatadas.

Na UFC, a pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Oncologia Experimental (Foto: Viktor Braga/UFC)

Publicado no Scientific Reports, periódico da Nature, o estudo mostrou que a deleção de parte da região promotora do H19 (responsável por regular sua expressão) resultou em configurações típicas de células tumorais, confirmando a relevância do gene para o controle das vias de crescimento celular cancerígeno; ou seja, com a expressão reduzida, esse controle deixa de ser eficiente.

Uma análise por meio de citometria (avaliação das características físicas) das células modificadas mostrou, por exemplo, alterações na complexidade interna delas, como aumento do tamanho e maior granularidade.

Também verificou-se uma pausa na fase do ciclo celular G2/M, que normalmente previne a execução de mitose quando há danos no DNA, evitando a replicação de células anormais. Outra constatação foi a de uma maior proliferação celular, o que facilita rearranjos e aberrações cromossômicas.

“Como o câncer é uma doença caracterizada por proliferação celular descontrolada, com alterações cromossômicas que provocam um fenótipo aberrante, a desregulação [do H19] evidencia seu papel fundamental no início do desenvolvimento tumoral, de modo que a diminuição da expressão gênica levou células não tumorais a desenvolver características de células tumorais”, explica a Profª Cláudia do Ó Pessoa, coautora do artigo.

INEDITISMO

A redução da expressão gênica é uma estratégia conhecida como knockdown (algo como “derrubada”). Nesse caso, o knockdown foi mediado por uma técnica de edição permanente, mais robusta e estável, ao contrário do que normalmente é feito em estudos como esse, que costumam usar técnicas transientes, não permanentes.

Chamada CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), a metodologia é relativamente nova. Na UFC, é a primeira vez que está sendo usada para silenciamento da expressão de genes, o que confere caráter de ineditismo à pesquisa.

Desenvolvida em 2012, rendendo inclusive o Prêmio Nobel de Química às suas criadoras, a CRISPR funciona como uma espécie de tesoura que corta partes do DNA, com a ajuda de uma proteína chamada Cas9. Essa proteína é usada por bactérias para se proteger contra vírus, já que ela tem a capacidade de lembrar dos ataques virais e eliminar a parte problemática do DNA caso um novo ataque ocorra.

Assim, é possível entregar à Cas9 sequências que se queira eliminar, sendo essa a base de funcionamento da CRISPR, que tem sido utilizada por cientistas no mundo como uma possibilidade de prevenir doenças pela edição do DNA humano. No caso do estudo com o H19, a ideia foi diminuir sua expressão e verificar as consequências disso no processo tumoral.

“Utilizamos uma linhagem celular permanente e não tumoral para verificar se a deleção e diminuição da atividade do gene H19 levariam ao processo de iniciação tumoral, evidenciando o papel de supressor [do gene] nos estágios iniciais de desenvolvimento do câncer”, detalha a Profª Cláudia.

“Células em estágio de iniciação tumoral não respondem a comandos de células sadias, portanto, se proliferam indiscriminadamente e independentemente da necessidade e da qualidade desse processo. Isso foi observado na linhagem com menor expressão de H19, mais proliferativa e com alterações morfológicas quando comparada ao mesmo tipo celular não modificado”, diz.

É justamente esse processo de crescimento e divisão celular ampliado e descontrolado, constatado a partir do knockdown feito com a mediação da CRISPR, que pode resultar nos rearranjos cromossômicos característicos dos cânceres, com altos níveis de translocações (ou seja, trocas entre cromossomos, que se conectam uns aos outros de modo não usual).

A equipe de pesquisa reunida no Laboratório de Oncologia Experimental (Foto: Viktor Braga/UFC)

PRÓXIMOS PASSOS

Com esses primeiros resultados consolidados, a ideia é que a pesquisa avance para novos estágios, inclusive com a utilização em modelos animais da linhagem de expressão reduzida do H19 obtida na pesquisa, para verificar a indução tumoral (até aqui, o estudo foi realizado in vitro, fora de sistemas vivos).

Além disso, os pesquisadores da UFC pretendem analisar o papel do H19 em linhagens de câncer já conhecidas, para tornar ainda mais claro seu papel no crescimento dos tumores, bem como editar outros genes que possam cumprir função relevante nesse processo. Assim, a longo prazo, é possível trabalhar com a ideia de terapias farmacológicas direcionadas contra alvos específicos.

“Conhecer e mapear esses genes é de extrema importância. Uma vez que a técnica é desenvolvida, pode ser aplicada a diversos genes que participam das vias de desenvolvimento tumoral, tanto para caracterização dos mais variados tipos de câncer quanto para a utilização desses genes como marcadores de prognóstico e terapia-alvo dirigida”, pontua a Profª Cláudia do Ó.

SAIBA MAIS

A pesquisa foi desenvolvida com recursos da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em uma colaboração entre pesquisadores da UFC, da UNIFOR e da FIOCRUZ.

Além da Profª Cláudia do Ó Pessoa, participaram do estudo a Profª Cristiana Libardi Miranda Furtado, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médico-Cirúrgicas da UFC; o Prof. Ronald Pinheiro Feitosa, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas; o pesquisador Renan da Silva Santos, do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia; o Prof. Kaio Tavares, do Núcleo de Biologia Experimental da UNIFOR; e o pesquisador Gilvan Pessoa Furtado, da FIOCRUZ.

Leia mais no artigo completo (em inglês) publicado no Scientific Reports.

Fontes: Profª Cristiana Libardi, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médico-Cirúrgicas da UFC – e-mail: clibardim@gmail.com; Profª Cláudia do Ó Pessoa, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC – e-mail: cpessoa@ufc.br

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Kevin Alencar 28 de setembro de 2021

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