Apesar de exibir destacada beleza e ostentar um nome imponente, o coral-sol, como são chamadas duas espécies semelhantes do animal (Tubastraea tagusensis e Tubastraea coccinea), vem sendo apontado como uma ameaça à vida marinha na costa brasileira. Estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, em parceria com instituições nacionais e internacionais, acaba de identificar, pela primeira vez, a ocorrência desse tipo de coral invasor em uma plataforma de petróleo na costa cearense e alerta para os riscos que ele pode causar ao meio ambiente e à economia.
Os pesquisadores encontraram colônias de coral-sol na plataforma PXA-1, uma das nove plataformas existentes na denominada Bacia do Ceará. A plataforma está instalada no Campo de Xaréu, um dos quatro campos petrolíferos da bacia cearense, localizado a 30 quilômetros da costa do município de Paracuru. A hipótese de o coral já estar espalhado pelas plataformas dos quatro campos é bastante provável, porém ainda não confirmada.
A descoberta do coral nessa plataforma despertou uma grande preocupação. É que esta estrutura de extração de óleo e gás, assim como outras 61 acomodadas em campos de águas rasas (com profundidade menor que 50 metros) das bacias do Ceará, Potiguar, de Campos e de Sergipe, estão nos planos de descomissionamento anunciados pela Petrobras em 2019. Isto é, por conta da queda na produção que vem sendo registrada nos últimos anos nessas plataformas, elas devem, em breve, ser desativadas.
O problema é que, caso a remoção delas não seja realizada de maneira adequada, esses corais podem se espalhar por novos ambientes, atingindo recifes situados na costa brasileira, inclusive, alcançando e comprometendo o hoje denominado Grande Sistema de Recifes do Amazonas, conjunto de recifes, descoberto em 2016, que se estende por uma área de cerca de 50 mil quilômetros quadrados (o equivalente ao estado do Rio Grande do Norte).
A situação foi descrita no artigo “Retirement risks: Invasive coral on old oil platform on the Brazilian equatorial continental shelf”, publicado no Marine Pollution Bulletin, periódico internacional de grande renome na área de poluição marinha.
“Caso estes corais não sejam retirados ou mortos, é possível que o descomissionamento auxilie a espalhar esta espécie invasora em novos ambientes, se a plataforma for transportada na água. Por isso, o cuidado é essencial. Manejo correto e técnicas adequadas para limpeza das plataformas que tenham essas espécies são fundamentais”, aponta o professor do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR/UFC) Marcelo de Oliveira Soares, que é um dos autores do artigo.
O professor aponta que existem muitas evidências científicas nas últimas décadas de que o coral-sol causa impacto nos ecossistemas marinhos ao ocupar o espaço de espécies nativas, por competição e mortalidade direta. “É como se você tivesse um tipo de floresta formada por diversas árvores nativas e chega um único tipo de árvore de outro local e passa a dominar a paisagem. O coral-sol é como essa árvore que chega e domina, reduzindo a vida marinha que tinha antes. Vários tipos de animais e algas podem ser deslocados, o que pode diminuir a biodiversidade, além de afetar a economia, a exemplo da pesca artesanal”, esclarece.
O pesquisador informa que os impactos dessa praga biológica marinha se ampliam para as atividades de turismo e pesca, uma vez que ela modifica os tipos e quantidade de peixes e pode deixar a paisagem monótona (ou seja, com somente uma cor), diminuindo a ,atratividade turística.
O coral-sol é uma espécie nativa do Oceano Indo-Pacífico com alto potencial invasivo. Os primeiros registros de sua ocorrência na parte ocidental do Oceano Atlântico datam de 1943, no Mar do Caribe. No Brasil, atualmente, sua presença já foi reportada do Ceará a Santa Catarina, sendo o Rio de Janeiro o primeiro estado a ter a espécie identificada, ainda nos anos 1980. Segundo Soares, na costa fluminense, o coral-sol tem se espalhado intensamente a cada ano, tanto em ambientes artificiais, como plataformas e embarcações afundadas, como em ambientes naturais, o que torna a situação por lá mais grave.
“No Ceará, até onde sabemos, só há três locais com a presença do coral-sol, incluindo somente ambientes artificiais, como naufrágios no Acaraú e no Pecém e plataformas de óleo e gás no Paracuru. Aqui no Estado, operadoras de mergulho recreativo, como a Mar do Ceará, têm nos ajudado enviando fotos dos mergulhos. Com isso, verificamos se o coral-sol existe ou não na região do mergulho. Isso se chama ciência cidadã”, informa o Prof. Marcelo Soares.
COMO ESPÉCIE FOI IDENTIFICADA
Para identificar os corais invasores na plataforma cearense, os pesquisadores analisaram imagens e vídeos de mergulhadores profissionais publicados em diversos sites de streaming, como o YouTube, provenientes, possivelmente, de câmeras de capacetes usadas em serviços subaquáticos nas plataformas da Bacia do Ceará.
Análises de dois vídeos, um de 2015 e outro de 2018, indicaram a presença da Tubastraea tagusensis na plataforma PXA-1. Apesar da existência de nove plataformas, o coral só pôde ser confirmado na referida plataforma, pois o nome dela e do campo estavam descritos no título do vídeo.
Conforme o estudo, a possibilidade de o coral ter se espalhado pelas plataformas dos quatro campos da Bacia do Ceará (Atum, Curimã, Espada e Xaréu) é grande, devido a uma série de fatores: a proximidade entre as estruturas (menor que 20 quilômetros), as condições ambientais, a movimentação de embarcações de transporte de petróleo e gás e
a dispersão natural de curto prazo por larvas de coral (ou grupos de pólipos), ou de corais adultos que colonizam madeira ou plásticos que flutuam no mar.
A plataforma PXA-1 está localizada a uma distância de mais de 1.200 quilômetros da estrutura mais próxima de óleo e gás, localizada em Sergipe. A pesquisa informa que a PXA-1 iniciou sua produção em 1981, tendo sido construída ou reformada provavelmente na costa da Bahia, onde também há ocorrência da espécie invasiva.
O Prof. Marcelo Soares considera que as ações mais efetivas para solucionar o problema são atividades que já vêm sendo realizadas em estados como Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina: a retirada manual das colônias por pescadores, mergulhadores e equipamentos adequados. “É uma técnica efetiva para locais rasos e perto do litoral”, justifica.
Segundo ele, quanto mais profundo e com águas mais turvas e agitadas o mar for, mais complicado é usar essa técnica de remoção manual. O coral-sol pode chegar a até 100 metros de profundidade. “Nessas altas profundidades e longe da costa, controlar e erradicar o coral-sol será muito complicado e extremamente caro. Por isso, temos que nos prevenir e não buscar remediar/controlar”, alerta o professor.
RISCOS COM A INSTALAÇÃO DE NOVAS PLATAFORMAS
A região costeira e marinha do Rio Grande do Norte, do Ceará e da costa amazônica, informa o professor, é a área menos conhecida em termos de biodiversidade marinha no Brasil. “Porém, já sabemos que temos ecossistemas extremamente ricos”, acrescenta. Por esta razão, os pesquisadores defendem que implementar novas plataformas nessa região sem os estudos necessários pode representar enorme risco ambiental e socioeconômico.
A preocupação ganha corpo em virtude dos planos anunciados em 2020 pela Petrobras, única operadora da Bacia do Ceará, de vender 100% de sua participação nos campos de Atum, Curimã, Espada e Xaréu, além de suas concessões na sub-bacia de Mundaú, também em território cearense.
Os compradores, portanto, podem estender a produção das plataformas existentes e instalar novas estruturas de exploração nessa região. A extração marítima de óleo e gás no Ceará data da década de 1980 e, segundo aponta o Prof. Marcelo Soares, os estudos ambientais feitos à época para implementar as atuais plataformas foram frágeis: “até porque não tínhamos a legislação ambiental que temos hoje”.
“Para as novas plataformas, são necessários estudos mais detalhados, de acordo com a legislação ambiental atual, como os sugeridos no artigo, até porque já sabemos que o coral-sol, e outras espécies exóticas, podem chegar na nossa região com novas plataformas de óleo e gás e dos portos. Lembremos que a nossa região marinha é praticamente desconhecida. Portanto, novos e detalhados estudos científicos são fundamentais”, reforça.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é responsável pelo licenciamento ambiental da indústria de óleo e gás na região marinha. Segundo o professor, o órgão tem trabalhado nesse tema e o controle do coral-sol é uma preocupação até mesmo para garantir que a exploração do petróleo possa ser garantida. “Novas licenças só devem ser liberadas se forem adequadas do ponto de vista ambiental, social e econômico, incluindo o controle de espécies marinhas invasoras”, considera.
Em outubro de 2021, relembra Soares, a 17ª Rodada de Licitações da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) ofertou blocos nas proximidades do Parque Nacional de Fernando de Noronha e da reserva biológica do Atol das Rocas, áreas ambientalmente sensíveis. Nenhum deles foi arrematado pelos empreendedores, que já previam problemas em viabilizar a produção, em virtude de possíveis entraves jurídicos e de licenciamento ambiental nos locais. “Assim, controlar o coral-sol é bom para a economia, envolvendo a redução de prejuízos ao turismo, à pesca e à indústria de óleo e gás”, pontua.
Os pesquisadores agora buscam financiamento para continuar a pesquisa, agora com o objetivo de identificar quando essa invasão no Ceará teve início e quais os novos locais para onde a espécie pode se dispersar no Estado (sabe-se, até o momento, do Pecém, do Acaraú e de Paracuru). “Isso pode ajudar o poder público em ações efetivas para o combate a essa praga biológica marinha”, avalia.
O estudo é assinado também por Sandra Vieira Paiva, Carlos Eduardo Peres Teixeira e Anne Larisse Alves Rebouças Gurgel, do LABOMAR/UFC; Marcus Davis Andrade Braga, do LABOMAR/UFC e da escola e operadora de mergulho Mar do Ceará Limitada; Lívio Moreira de Gurjão, do IBAMA, e Pedro Henrique Cipresso Pereira, do Projeto Conservação Recifal, de Recife. O Prof. Marcelo de Oliveira Soares, além do LABOMAR/UFC, está vinculado, neste estudo, ao Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental (ICTA), da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), na Espanha, e ao Departamento de Ciência e Tecnologia Biológica e Ambiental (DISTEBA), da Universidade de Salento, na Itália, devido ao fato de ter atuado como professor pelo Programa Institucional de Internacionalização (CAPES-PRINT), do qual a UFC é participante.
Fonte: Prof. Marcelo de Oliveira Soares, do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR/UFC) – e-mail: marcelosoares@ufc.br
USE NOSSAS MATÉRIAS
A reprodução dos textos da Agência UFC é permitida, com atribuição. Caso o texto seja reproduzido na íntegra, ele deve ser assinado com o nome do repórter seguido do identificador “da Agência UFC”. Caso o texto passe por cortes ou ajustes no processo de edição, deve-se publicar apenas “da Agência UFC”, ou forma semelhante, de acordo com os padrões adotados pelo veículo.