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Saúde

Estudo avalia papel de enzima no tratamento de câncer gástrico

Funcionando como um biomarcador, a enzima AURKA pode ser alvo de fármacos para reduzir a agressividade do câncer

Além de ser um dos tipos mais frequentes no mundo, o câncer gástrico, também chamado câncer de estômago, é ainda um dos mais perigosos por ser normalmente diagnosticado em estágios avançados, em fase metastática (quando se espalha para outros órgãos). O Instituto Nacional do Câncer estima, apenas para 2022, 13.360 casos novos da doença em homens e 7.870 em mulheres.

Dada a gravidade, esforços de pesquisa na área da saúde para abrandar o problema passam pela descoberta de formas para combater o câncer de modo precoce e direcionado, identificando sua presença em estágios iniciais por meio de biomarcadores no organismo, que podem funcionar ainda como alvos de terapia. É esse o foco de estudo desenvolvido na Universidade Federal do Ceará.

Em artigo publicado no Journal of Cellular Biochemistry, com autoria principal do doutorando em Farmacologia Felipe Mesquita, a equipe de pesquisadores da UFC, em parceria com a Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA), avaliou o potencial da quinase Aurora A (AURKA) para cumprir a função de biomarcador e servir como alvo de fármacos, de modo a controlar o avanço do câncer.

Na prática, isso significa que, a partir da identificação e do estudo aprofundado do biomarcador AURKA, enzima que cumpre funções importantes no organismo relacionadas ao avanço do câncer, seria possível o desenvolvimento de novos medicamentos focados justamente nela.

Essa é uma conclusão possível por conta da maior expressão de AURKA tanto nas células cancerígenas usadas como modelo no estudo quanto nos tecidos tumorais analisados. Para o paciente, essa superexpressão significa um avanço maior da doença e uma menor possibilidade de cura. Atingindo e controlando a enzima, portanto, poderia haver uma diminuição na gravidade do câncer.

“Por estar em altas quantidades na célula de câncer, [o AURKA] pode ser um alvo para medicamentos que vão inibir o progresso do tumor. Isso, sem dúvida, traria benefício para o paciente. Entretanto, estamos ainda longe de afirmar que isso possibilitaria a cura da doença”, aponta a Profª Raquel Montenegro, do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da UFC, orientadora da pesquisa.

INIBIDORES

Para comprovar a possibilidade de afetar as células cancerígenas e, consequentemente, o avanço da doença usando esse biomarcador como alvo terapêutico, os pesquisadores fizeram testes de inibição da enzima. Ao todo, 145 inibidores da quinase foram avaliados, realizando a exploração de seus efeitos antiproliferativos e antimigratórios (para impedir as células doentes de migrar para outras partes do organismo).

Um desses inibidores foi o GW779439X, molécula desenhada especificamente para coibir o avanço da AURKA que apresentou os melhores resultados na pesquisa. Com a ação dessa molécula, constatou-se o impedimento da proliferação da célula tumoral gástrica, que acaba morrendo.

Gráfico mostrando interação do inibidor GW779439X com a AURKA
Interação do inibidor GW779439X com a AURKA (Imagem: Reprodução)

A pesquisa revelou que o inibidor da quinase causou ainda uma redução da expressão, na linhagem celular estudada, do c-MYC, oncogene também ligado ao nível de agressividade e proliferação do câncer. Com isso, promove-se uma rota relevante para o bloqueio do ciclo e da proliferação das células cancerígenas.

“Quando ele [o c-MYC] está em grandes quantidades, o câncer de estômago tende a progredir para a metástase. Vimos na nossa pesquisa que, quando inibimos o biomarcador AURKA nas células de câncer gástrico, a quantidade de c-MYC na célula é reduzida. Com isso, podemos impedir o progresso maligno da doença”, explica a Profª Raquel.

Na primeira imagem, sem o uso de inibidor, há um menor número de celulas cancerígenas mortas (em verde); a segunda traz o uso do inibidor (Imagens: Reprodução)

GUARDIÃO DO GENOMA

Outra consequência da utilização do inibidor foi a restauração das funções protetivas de alguns genes responsáveis por bloquear a proliferação das células. Um desses genes é o CDKN1A, cuja função protetiva é desativada em células tumorais quando há um aumento nos níveis de c-MYC.

Outro gene também importante nesse aspecto é o TP53, apelidado de “guardião do genoma”, dada sua característica de proteção do DNA das células humanas. Essa proteção depende, porém, de sua presença em grandes quantidades no interior das células.

“Nas células de câncer de estômago, e em outros tipos de câncer, o TP53 se encontra reduzido, deixando-as desprotegidas. Isso é ruim, uma vez que o DNA é o centro de comando das células humanas. Qualquer dano ao DNA pode ter repercussões catastróficas. A pesquisa mostrou que, ao inibir o biomarcador AURKA, a célula de câncer de estômago volta a produzir grandes quantidades do guardião do genoma humano”, detalha a Profª Raquel.

SAIBA MAIS

O estudo publicado na Journal of Cellular Biochemistry é desenvolvido numa parceria entre o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), o Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, o Departamento de Patologia e Medicina Legal (os três da UFC) e a Divisão de Biologia Química e Química Medicinal da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

Assinam o artigo, além de Felipe Mesquita e da Profª Raquel Montenegro, os pesquisadores Emerson Lucena da Silva, Pedro Souza, Luina Lima, Jackson Amaral, Prof. William Zuercher, Louise Albuquerque, Profª Silvia Rabenhorst, Caroline Moreira-Nunes e Profª Maria Elisabete Amaral de Moraes.

A pesquisa teve financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Leia o artigo completo (em inglês).

Em pesquisa anterior desenvolvida no Laboratório de Farmacologia do NPDM, outra possibilidade de biomarcador para o tratamento de câncer gástrico havia sido avaliada. Publicado na revista Toxicology in Vitro, o artigo analisava o gene MAPK14 e como sua inibição afetava a proliferação da doença. A pesquisa completa também está disponível para leitura (em inglês).

Fonte: Profª Raquel Montenegro, do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) – e-mail: rcm.montenegro@gmail.com

Kevin Alencar 24 de agosto de 2021

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