Remédios essenciais no combate a micro-organismos, antibacterianos e antifúgicos enfrentam um problema que desafia a medicina: o aumento da resistência dos micro-organismos provocado pelo uso indiscriminado de remédios. Um dos modos de contornar isso é por meio do redirecionamento de fármacos, um tipo de pesquisa que atribui novos usos a moléculas antes utilizadas para outros fins.
Esse é o foco do trabalho realizado no Laboratório de Bioprospecção de Moléculas Antimicrobianas (Labiman), do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará. A ideia é que substâncias hoje destinadas a outros tipos de tratamentos sejam testadas no combate a infecções causadas por fungos.
A pesquisa ajuda a resolver questões como a do fluconazol, o antifúgico mais comum hoje, que tem um custo relativamente barato. O trabalho desenvolvido no laboratório se tem concentrado em maneiras de aumentar sua vida útil, evitando que novos fármacos precisem ser desenvolvidos desde o início. Isso tem sido feito pela associação do fármaco a outras moléculas capazes de potencializar sua atuação.
VELHAS DROGAS, NOVOS USOS
Diversas substâncias têm sido testadas com esse objetivo. Uma das mais promissoras é a amiodarona, utilizada na cardiologia como antiarrítmico. Pesquisa do Labiman, publicada na conceituada revista Antimicrobial Agents and Chemotherapy, já demonstrou que a amiodarona possui um efeito sinérgico capaz de atuar em fungos já resistentes ao fluconazol. A pesquisa gerou resultados práticos: o desenvolvimento de uma formulação em gel, já patenteada, que deve ser agora testada pelo laboratório em modelos de candidíase, doença genital causada pela infecção por fungos.
Com a descoberta, os pesquisadores esperam aumentar o tempo de mercado do fluconazol, agora que sua ação pode ser potencializada e ter maior eficiência. “Se não preservarmos o fluconazol, o sistema de saúde e a população vão perder, pois as alternativas são mais caras e com mais efeitos colaterais, por conta da toxicidade”, avalia o Prof. Hélio Vitoriano, coordenador do Laboratório.
PROSPECÇÃO
A amiodarona não é a única substância a ser investigada. Três flavonoides – a catequina, quercetina e epigalocatequina – também demonstraram ter forte efeito sinérgico com o fluconazol, induzindo a apoptose (morte celular) em fungos que provocam a candidíase. A pesquisa também foi publicada na Antimicrobial Agents and Chemotherapy.
O Labiman estuda ainda moléculas que os pesquisadores esperam ter atividade antimicrobiana independentemente do fluconazol. No começo deste ano, o laboratório conseguiu comprovar o efeito antimicrobiano contra espécies de Candida já resistentes de três antidepressivos: sertralina, paroxetina e fluoxetina, sendo esta a de maior potencial farmacotécnico. A pesquisa foi publicada em outra revista de prestígio da área, a Microbial Pathogenesis.
Por meio de síntese química (processo de obter outros compostos a partir de determinada substância), os pesquisadores acabam avaliando os derivados dessas moléculas. É possível que os compostos gerados, além de ter todas as características positivas da substância da qual se originaram, sejam melhores do ponto de vista farmacológico, pela solubilidade, facilitando uma nova formulação.
VANTAGENS
Se todos os parâmetros estiverem em concordância para a fabricação de um novo medicamento, o trabalho do laboratório pode significar a solução de outro problema: o longo tempo que transcorre desde a prospecção de moléculas até a comercialização do remédio, que pode ser de 15 a 20 anos. Com o redirecionamento de fármacos, esse tempo de lançamento no mercado é encurtado, pois os parâmetros farmacocinéticos e toxicológicos da molécula já foram avaliados nas primeiras pesquisas sobre aquele medicamento.
LEIA AS PESQUISAS (EM INGLÊS)
Efeitos sinergéticos da amiodarona e do fluconazol
Catequina, quercetina e epigalocatequina e fluconazol
Atividade da serotonina com o fluconazol
Fonte: Prof. Hélio Vitoriano, do Labiman – e-mail: helioufc@yahoo.com.br