A maioria das plantas cultivadas pelos seres humanos depende da polinização (realizada principalmente por abelhas) para produzir ou aumentar a produção de seus frutos. Em geral, as pesquisas sobre o tema assumem que os diversos tipos, variedades e híbridos agronômicos de uma espécie cultivada são igualmente atrativos para os insetos polinizadores. Porém, pesquisadores do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) descobriram que a história não é bem assim.
O estudo demonstrou que as abelhas africanizadas (Apis mellifera) utilizadas na polinização do meloeiro (Cucumis melo) não apenas usam o odor das flores para distinguir diferentes tipos dessa cultura, mas apresentam preferência por visitar flores de certos tipos de melão em detrimento de outros. Quanto mais visitas a flor recebe, maiores as chances de ela ser polinizada adequadamente, principalmente em espécies cujos frutos possuem muitas sementes, como é o caso do melão. Por isso, a escolha feita pelas abelhas tem influência direta na produção de melões de diferentes tipos.
A pesquisa é oriunda da tese de doutorado de Nayanny Fernandes no Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, como parte de uma parceria entre o Grupo de Pesquisa com Abelhas da UFC, coordenado pelo Prof. Breno Freitas, e as equipes dos pesquisadores Guilherme Zoccolo e Fernando Aragão, da Embrapa Agroindústria Tropical. Um artigo baseado na investigação foi publicado recentemente, em inglês, no periódico canadense Journal of Agricultural Science.
Os pesquisadores investigaram os compostos orgânicos voláteis (COVs) produzidos pelas flores masculinas e hermafroditas de cinco tipos comerciais de melão: amarelo, cantaloupe, charentais, gália e pele de sapo. Foi constatada uma variação significativa tanto na identidade quanto na quantidade de COVs entre os sexos das flores, e principalmente entre os tipos de melão. Assim, as flores dos distintos tipos de meloeiro apresentam cheiros diferentes para as abelhas, já que esses compostos químicos são os responsáveis pelo odor das flores.
FLORES MENOS REPELENTES TÊM PREFERÊNCIA
Também foi possível observar que, enquanto alguns COVs apresentam função atrativa para as abelhas, outros agem como repelentes. Assim, foram constatadas consideráveis correlações positivas e negativas entre a quantidade dos compostos D-Limoneno e Benzaldeído (atrativos) e do composto α-Pinene (repelente), respectivamente, e o número de visitas que as abelhas fizeram às flores de cada tipo de meloeiro.
Um dos aspectos interessantes revelados pelo estudo é que as abelhas não visitaram prioritariamente as flores que produziram mais COVs atrativos, mas aquelas que apresentaram quantidades menores de COVs repelentes, particularmente as flores do meloeiro do tipo cantaloupe e de sexo hermafrodita, que foram as mais visitadas. Isso quer dizer que para a polinização as abelhas preferem as flores de meloeiro menos repelentes, não as mais atrativas.
Um dos pesquisadores diz que os achados desse estudo abrem amplo campo de trabalho na perspectiva de desenvolver variedades mais atraentes para os polinizadores
De acordo com a pesquisadora Nayanny Fernandes, o estudo conclui que diferenças na composição dos COVs florais de melão e a proporção dos distintos compostos no odor emitido pelas flores do meloeiro desempenham papel determinante no número de visitas de Apis mellifera que cada tipo comercial de meloeiro recebe, com impactos importantes para a polinização e a produção de frutos.
Embora possa parecer estranho as flores produzirem substâncias que são repelentes para as abelhas, o pesquisador Guilherme Zoccolo, cuja equipe foi responsável pelas análises químicas do estudo, explica que as plantas estão sujeitas a muitos insetos fitófagos, ou seja, comedores de folhas e flores, e a produção de COVs repelentes é uma forma de defesa da planta para afastar esses insetos-pragas. Infelizmente, diz ele, essa estratégia pode ter efeito semelhante em insetos úteis para a planta, como as abelhas.
Para o pesquisador Fernando Aragão, responsável pelo melhoramento genético de meloeiros, os achados desse estudo abrem amplo campo de trabalho na perspectiva de desenvolver variedades mais atraentes para os polinizadores através da seleção de linhas de flores mais ricas em COVs atrativos para as abelhas e/ou mais pobres em compostos repelentes de abelhas.
O Prof. Breno Freitas, coordenador da pesquisa, destaca que os resultados do estudo deixam claro que a generalização em polinização agrícola não corresponde à realidade no campo. Ele diz que cada cultura, tipo ou variedade pode apresentar demandas específicas, que por sua vez irão interagir com as condições que as plantas encontram no campo.
“O caso do meloeiro demonstrou isso muito bem: enquanto no do tipo cantaloupe as flores se mostraram atrativas e as abelhas o visitaram facilmente, no do tipo charentais as flores repeliram as abelhas, demonstrando a necessidade de um manejo diferenciado para ‘convencer’ os insetos a visitar aquelas flores e assegurar a produtividade desejada”, exemplifica o Prof. Breno.
Os autores salientam a importância de parcerias interdisciplinares e interinstitucionais como esta entre a UFC e a EMBRAPA, em que, segundo eles, a soma das expertises permitiu elucidar um importante aspecto da polinização do meloeiro, com implicações ecológicas, agronômicas, econômicas e de manejo animal.
SAIBA MAIS
O odor está entre as características florais mais importantes para que as abelhas reconheçam as flores e sejam atraídas por elas. As abelhas sentem os odores por meio de milhares de pequenos órgãos sensoriais localizados nas antenas, fazendo com que seu olfato seja até 100 vezes mais sensível que o humano. Dessa forma, elas são capazes não somente de reconhecer as flores pelo cheiro, mas também de distinguir através de seus odores característicos aquelas que possuem as melhores recompensas de néctar e pólen.
Fonte: Prof. Breno Freitas, coordenador da pesquisa ‒ e-mail: freitas@ufc.br