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Pesquisadores reúnem estudos sobre impactos do vazamento de óleo no Nordeste

Em artigo de revisão publicado em periódico internacional, pesquisadores apontam o alcance do vazamento e identificam lacunas a serem preenchidas

Ingestão de óleo, alterações nas proporções de sexo e tamanho, anormalidades em larvas e ovos, alterações comportamentais, aumento de mortalidade… Esses são alguns dos impactos observados em espécies marinhas como consequência do vazamento de óleo que atingiu o litoral brasileiro em 2019 e 2020, um dos maiores crimes ambientais da história do País.

Isso é o que aponta recente estudo do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da Universidade Federal do Ceará, em parceria com a Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), publicado no periódico internacional Marine Environmental Research. O artigo de revisão reúne alguns dos principais achados de pesquisas que se debruçaram sobre o vazamento.

Ao todo, o óleo atingiu 11 estados brasileiros, principalmente no Nordeste do País, e as consequências do derramamento mesmo hoje são sentidas, sobretudo pela população litorânea. Quatro anos depois, o trabalho dos pesquisadores buscou elencar essas consequências e apontar quais lacunas ainda devem ser preenchidas sobre o caso do ponto de vista ambiental e científico.

O artigo aponta que 10 diferentes ecossistemas foram atingidos pelo óleo, sendo os principais: estuários (4.929,74 km² de área atingida), florestas de mangue (489,83 km²), prados de ervas marinhas (324,77 km²), praias (185,30 km²), planícies de maré (63,64 km²), corais de águas profundas (45,95 km²) e corais de águas rasas (9,69 km²).

Porém, os impactos relacionados ao óleo só foram avaliados por estudos científicos em cinco ecossistemas: bancos de rodolitos, praias, prados de ervas marinhas, estuários com manguezais e principalmente recifes com corais em águas rasas e em zonas entremarés (estes representando 78,6% dos estudos).

“Estudos de mapeamento e de ocorrência do óleo mostram que o óleo chegou lá nesses outros cinco ambientes. Só não existem estudos mostrando quais organismos foram impactados e como”, explica o Prof. Marcelo Soares, do LABOMAR, um dos autores do artigo. Ele assina a publicação com a Profª Emanuelle Fontenele Rabelo, pesquisadora na UFERSA.

Apesar de serem os ecossistemas mais estudados, os recifes de corais aparecem entre os que receberam menos óleo, contradição que pode ser explicada pela facilidade de acesso que apresentam a pesquisadores e mergulhadores.

“Os recifes têm alta biodiversidade e são monitorados por diversas equipes. Devido a sua relevância como o ecossistema marinho mais diverso, se tornaram o ambiente mais estudado”, afirma o Prof. Marcelo.

EXTINÇÃO

Além dos impactos já mencionados, os estudos reunidos também apontam alterações mutagênicas e morfológicas de espécies, contaminação por metais e hidrocarbonetos tóxicos, mudanças nas taxas de sobrevivência, diminuição na riqueza geral das espécies e aumento oportunista de organismos mais tolerantes a óleos.

Alguns dos impactos registrados em em diferentes espécies marinhas (Imagem: Reprodução)

Com a extensão da área de impacto do derramamento, foram atingidas inclusive regiões que abrigam pelo menos 35 espécies ameaçadas de extinção, incluindo elasmobrânquios (subclasse que inclui tubarões e raias), peixes, invertebrados, pássaros migratórios, tartarugas marinhas e mamíferos marinhos.

“Esse impacto do óleo soma-se a outros impactos que essas espécies estão sofrendo, como caça, pesca e destruição de habitat. Ainda não temos dados para estimar se houve redução da população dessas espécies”, alerta o pesquisador.

O artigo mostra ainda que a maioria dos estudos que se debruçaram especificamente sobre as espécies atingidas tiveram grande foco nos chamados organismos bentônicos, que vivem em associação com o fundo do ambiente aquático, de onde tiram seus recursos de alimentação.

Estudar esses organismos é importante porque eles costumam servir como bons indicadores de impactos ambientais. “Quando o óleo chega a uma região, eles são os primeiros a sofrer os danos ecológicos”, explica o Prof. Marcelo. “Assim, nosso estudo mostra efeito em diferentes organismos e diferentes ecossistemas, o que demonstra o impacto significativo desse crime ambiental contra o litoral brasileiro.”

Apesar da grande quantidade de estudos que investigaram o derramamento de óleo, ainda há lacunas identificadas pelo artigo, sobretudo considerando que as pesquisas ainda não foram capazes de estabelecer os impactos para além do curto prazo, uma vez que ainda se trata de um caso relativamente recente.

“Faltam estudos de médio e longo prazo, de 5 a 10 anos, para ver se as populações de animais se recuperaram. Além disso, outros ambientes precisam ser estudados (como recifes mais profundos e bancos de algas calcáreas) para se entender melhor os impactos. Estudos de contaminação nas cadeias alimentares também são necessários, bem como sua relação com a saúde humana”, lista o Prof. Marcelo Soares.

Fonte: Prof. Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) – e-mail: marcelosoares@ufc.br

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Kevin Alencar 10 de outubro de 2023

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