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Aluno com paralisia cerebral cria dispositivos que permitem uso de computadores por pessoas com deficiência

Projeto de mestre recém-diplomado pela UFC desenvolve mouse e editor de textos adaptados e uma tecnologia para a escrita digital sem o uso do teclado

Adaptação foi a palavra que o engenheiro Júnior Prado compreendeu, ao longo de sua juventude, como a solução para os obstáculos que a vida lhe colocou. Com paralisia cerebral desde que nasceu, o mestre recém-diplomado em Engenharia Elétrica e de Computação no Campus da UFC em Sobral tomou as dificuldades que encontrou em seu caminho como motivação para desenvolver dispositivos que facilitassem a inclusão digital de outras pessoas que, assim como ele, convivem com deficiências motoras.

Juntamente à equipe do Grupo de Tecnologias Assistivas e Educacionais (TAE), do Campus da UFC em Sobral, o engenheiro elaborou três novos dispositivos que prometem derrubar ou ao menos reduzir as barreiras tecnológicas para pessoas com deficiência. Tendo como grande vantagem o baixo custo, as tecnologias estão em fase de aperfeiçoamento, e Júnior já mira as perspectivas de comercialização.

Os inventos são um mouse fabricado a partir de impressora 3D, um novo editor de textos e um dispositivo para servir de alternativa ao teclado convencional, todos eles com sistemas adaptados a pessoas com necessidades especiais. A empreitada começou desde a graduação, quando Júnior cursava Engenharia de Computação no mesmo campus.

“Desde o nascimento, minha vida estudantil sempre foi muito difícil. Por causa da minha condição motora, eu não consigo escrever a punho. Como sou de uma família carente, meus pais não tinham condições de comprar um computador na época, então sempre estudei sendo ajudado pelos colegas e pelos professores. Os colegas faziam anotações pra mim, os professores sempre davam uma maneira de fazer avaliações adaptadas, de forma oral. Então, a educação sempre teve um sentido adaptativo no meio onde eu estudava”, relembra.

Foto do pesquisador Júnior Prado
Pesquisador Júnior Prado propôs o desenvolvimento das tecnologias para uso do computador por pessoas com deficiência (Foto: Divulgação)

“Durante a minha vida eu conheci várias outras pessoas com deficiência e, de certa maneira, a maioria delas ficava estacionada. Então, eu comecei a perceber que tudo é possível, diante de uma dificuldade, de ser resolvido com alguma adaptação. Foi aí que entrei para a Engenharia de Computação”, relata.

Quando estava na graduação, Júnior começou a trabalhar na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Sobral, instituição que conta com um laboratório adaptado às necessidades dos alunos, adquirido através de projeto com patrocínio da campanha nacional Criança Esperança.

Entretanto, ao perceber o alto custo do mouse adaptado disponível na entidade, o então aspirante a engenheiro buscou fabricar uma solução mais econômica. Surgiu, assim, o seu projeto de TCC: “Fiz o meu primeiro modelo de mouse, todo sucateado, com peças de fácil acesso. Mas consegui replicar o funcionamento do outro, acrescentando novas funcionalidades que ele não tinha”, conta.

Essa vontade de inovar para ampliar as possibilidades de inclusão de pessoas com deficiência o levou ao mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Computação (PPGEEC). Nele, junto à equipe do Grupo TAE, Júnior Prado trabalhou nas três novas tecnologias assistivas, que se complementam para facilitar o uso de computadores por esse público.

AS NOVAS TECNOLOGIAS

A primeira delas é o aperfeiçoamento do AdaptMouse, o mouse criado na graduação, o qual agora é feito a partir de uma impressora 3D. A tecnologia beneficia pessoas com mobilidade reduzida nos membros superiores, como as que têm paralisia cerebral. Em 2019, o projeto ganhou a competição Maker Challenge, do Governo do Estado do Ceará, recebendo um ano de incubação gratuita no Parque de Desenvolvimento Tecnológico (PADETEC).

Além das complicações em manusear o mouse, muitas pessoas com deficiência motora nos membros superiores têm dificuldade para usar o teclado convencional, em virtude da localização de algumas teclas e também pela exatidão necessária em pressionar a tecla com o caractere desejado. Os dois outros dispositivos criados objetivam superar esse contratempo.

Foi desenvolvido, portanto, um editor de textos adaptado para ser empregado com o referido mouse. Com uma interface simples semelhante a um editor de texto convencional, ele utiliza um sistema de detecção de movimentos da mão para a escrita de caracteres, recorrendo a apenas três movimentos de mão para essa ação.

O sistema de detecção de movimentos no braço de um usuário
Uma das vantagens do sistema de detecção de movimentos desenvolvido é que ele, ao contrário de similares do mercado, dispensa a introdução de agulhas nos músculos dos usuários (Foto: Divulgação)

O terceiro dispositivo é exatamente esse sistema de detecção de movimentos, aplicado para substituir o teclado no controle do editor de texto. Para isso, foram operadas técnicas de aprendizagem de máquina (machine learning) para a aquisição e classificação dos chamados sinais eletromiográficos (EMG), que são sinais biológicos (produzidos pelo corpo humano) detectados sob a área de alcance de eletrodos. Esses sinais já vêm sendo constantemente usados para a criação de novas interfaces com diversas utilizações, como controle de próteses e cadeiras de rodas motorizadas.

O desenvolvimento desses dois últimos dispositivos elaborados pelo Grupo TAE está descrito no artigo “Classification of hand movements from EMG signals for people with motor disabilities”, assinado por Júnior Prado em parceria com os pesquisadores Alexandre Rolim Fernandes e Flávio Vasconcelos dos Santos. O estudo foi publicado na revista internacional IEEE Latin America Transactions.

“Esse sistema tem como objetivo controlar o computador (ou qualquer outro sistema computadorizado) apenas utilizando estímulos musculares, usando movimentos de mão para a produção dos sinais”, resume Júnior Prado. Segundo ele, já existem propostas similares, como a utilização de sinais ópticos e cerebrais. Entretanto, tais projetos possuem, em geral, custo elevado ou ainda estão em fase de estudos. “A proposição é que o sistema atue em conjunto com o editor de texto desenvolvido, podendo ser usado de maneira conformável e prática pelo usuário”, esclarece.

COMO FUNCIONA

A tecnologia funciona da seguinte maneira: o usuário coloca uma espécie de bracelete elástico com eletrodos, e o sistema capta e classifica os movimentos de mão, para depois convertê-los em comandos para o computador. “No trabalho, esse sistema foi utilizado para controlar um editor de texto. Cada movimento realizava um comando tal como escrever, apagar e mudar de caractere”, explica.

Uma das grandes vantagens do sistema, segundo Alexandre Fernandes, professor do PPGEEC e orientador da pesquisa, é o fato de ele ser pouco invasivo, ou seja, como utiliza apenas sensores de superfície em braceletes elásticos, não há necessidade de introdução de agulhas nos músculos dos usuários, como ocorre em outras tecnologias já existentes. “Sem dúvida, a escolha por eletrodos superficiais facilita no manuseio do equipamento, tornando-o mais viável”, avalia.

Outro ganho da tecnologia é o baixo custo. O equipamento emprega eletrodos reutilizáveis, cabos de preço econômico e placas de aquisição de dados de livre utilização (open source), populares e de valor de compra menor que o da média das utilizadas no mercado. Ele adianta, contudo, que o grupo de pesquisadores também tem o plano de criar uma placa própria que possa ter um custo mais baixo.

APERFEIÇOAMENTO

Protótipo do AdaptMouse, mouse adaptado a pessoas com mobilidade reduzida nos membros superiores
Protótipo do AdaptMouse, mouse adaptado a pessoas com mobilidade reduzida nos membros superiores; equipamento está em fase de aperfeiçoamento (Foto: Divulgação)

Ao longo de dois anos de trabalhos, foram realizadas pesquisas bibliográficas, desenvolvimento do sistema e, por fim, testes práticos, que mostraram resultados satisfatórios. Os pesquisadores agora buscam o aperfeiçoamento dessas tecnologias, especialmente no que tange à precisão dos sensores na detecção de movimentos. Após isso, os planos são de comercializar a tecnologia, aponta o orientador do estudo.

“Embora o sistema esteja em fase de aprimoramento, esse projeto já abre portas para inúmeras aplicações que certamente proporcionarão melhor qualidade de vida para muitas pessoas com deficiência”, garante o Prof. Alexandre Fernandes.

Como desdobramento do estudo, o pesquisador Júnior Prado criou uma startup chamada AssistiveTech, que é incubada pelo Instituto Cearense de Tecnologia, Empreendedorismo e Liderança (ICETEL), em Sobral. No ICETEL, ele está trabalhando em projetos relacionados a tecnologias assistivas para pessoas com deficiência, incluindo uma terceira versão do mouse adaptado.

SOBRE O GRUPO TAE

O TAE é um grupo de pesquisa e extensão do Campus da UFC em Sobral que possui três grandes eixos de atuação: tecnologias assistivas (TA) para pessoas com deficiência (PCD), tecnologias ligadas à educação e tecnologias ligadas à saúde (engenharia biomédica). O grupo foi criado em 2016 e atualmente conta com integrantes dos Cursos de Engenharia da Computação, Engenharia Elétrica e Mestrado em Engenharia Elétrica e de Computação (PPGEEC).

Fontes: Francisco José Prado Júnior, mestrando e pesquisador do Grupo de Tecnologias Assistivas e Educacionais (TAE) – e-mail: juniorcvnnn@gmail.com; Prof. Alexandre Rolim Fernandes, fundador e pesquisador do TAE – e-mail: alexandrefernandes@ufc.br

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Sérgio de Sousa 9 de novembro de 2021

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