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Inverno ou verão? Como a época do ano impacta a poluição do ar em Fortaleza

Pesquisadores da UFC analisaram a qualidade do ar de Fortaleza e avaliaram como o período do ano interfere nas concentrações de poluentes

Pesquisadores de três laboratórios do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), da Universidade Federal do Ceará, coletaram amostras de cinco pontos de Fortaleza para avaliar a qualidade do ar e os impactos das variáveis meteorológicas e urbanas e seus riscos para a saúde em uma cidade com latitudes próximas à Linha do Equador. O estudo foi publicado em março deste ano na revista internacional Environmental Science and Pollution Research.

O estudo se concentrou em analisar as quantidades de material particulado (MP) e de BTEX, ambos compostos com materiais que a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer considera carcinogênicos. O material particulado é um complexo de sólidos e líquidos que fica em suspensão no ar. Já o BTEX é um grupo de compostos orgânicos voláteis que inclui benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno. Desses, apenas o benzeno é considerado cancerígeno.

Para fazer o levantamento, os pesquisadores coletaram o ar de cinco locais diferentes de Fortaleza nos períodos de maio-junho e setembro-outubro de 2015: avenida Aguanambi, avenida Bezerra de Menezes, avenida da Abolição, avenida da Universidade e rua Marechal Deodoro. As quatro primeiras foram escolhidas por serem locais de tráfego intenso de veículos, ao passo que a rua Marechal Deodoro funcionou como controle. As coletas foram realizadas duas vezes por dia, em dias da semana diferentes, depois levadas para análise em laboratório.

Foi feita, então, a comparação dos dados de Fortaleza com trabalhos semelhantes realizados em outras cidades. Como resultado, viu-se que os níveis de material particulado são equivalentes a outras cidades com grau de urbanização e industrialização que vai de médio a alto. Já os níveis de benzeno ficam em grau abaixo.

O tráfego intenso de veículos cumpriu papel na escolha dos locais analisados (Foto: Ribamar Neto/UFC)

“Fortaleza tem uma qualidade do ar razoavelmente boa e o motivo disso é justamente o sistema de dispersão que nós temos, que é bastante eficiente”, explica o Prof. Rivelino Cavalcante, integrante do Laboratório de Avaliação dos Contaminantes Orgânicos e um dos coordenadores do trabalho.

Os pesquisadores também identificaram uma variação sazonal muito grande no caso dos níveis de BTEX. As concentrações desse tipo de partícula crescem muito no período chuvoso do ano (maio-junho), ao passo que diminuem nos períodos secos.  Essa situação não se repete com o material particulado, cuja variação não depende muito da estação do ano.

O SISTEMA DE DISPERSÃO

Um dos aspectos que favorecem esse sistema de dispersão é a dinâmica ambiental da região – especialmente na forma como a incidência solar afeta a camada-limite planetária (ou camada-limite atmosférica). Ela é a parte mais baixa da troposfera, que por sua vez é a camada mais baixa da atmosfera. Por conta disso, a  camada-limite acaba sofrendo influência direta da superfície da Terra.

Essa faixa varia de altitude, de acordo com fatores atmosféricos, podendo atingir de 10 metros a 2 mil metros. A alta incidência solar nas regiões tropicais faz com que a camada em Fortaleza se expanda de forma muito mais intensa que nas regiões de altas latitudes.

Por conta disso, é como se os poluentes se diluíssem à medida que ocorre essa expansão. De forma inversa, quando há uma contração da camada, os poluentes se concentram. O pesquisador lembra que a própria intensidade dos ventos está relacionada a essa dinâmica. “Temos mais ventos no segundo período justamente porque temos a intensidade solar maior e, com ela, a expansão da camada-limite”, diz o professor Rivelino.

Isso ajuda a explicar também a variação do período seco para o chuvoso. De forma geral, os períodos secos, que ficam no segundo semestre, têm maior instabilidade climática: uma maior intensidade solar, com aumento da expansão da camada, provoca uma dispersão vertical; ventos mais intensos, por sua vez, causam uma dispersão horizontal. O resultado está expresso nas tabelas da pesquisa: menos poluentes nesses períodos.

Nos períodos chuvosos, dá-se justamente o contrário. O sistema atmosférico é muito mais estável: menos sol, menos vento, camada mais contraída e, consequentemente, mais concentração de benzeno.

E por que esse mesmo movimento não se aplica aos materiais particulados?  Porque, apesar de muito finos e pequenos, os MPs são sólidos, diferentemente dos vapores do BTEX. Nesse caso, as chuvas ajudam justamente a “limpar” o ar, assentando as partículas sólidas.

A compreensão dessa dinâmica em locais com alta intensidade solar é um dado importante da pesquisa. “A maioria dos estudos [sobre qualidade do ar] é realizada em locais que estão em altas latitudes, que é onde estão os países mais desenvolvidos, tanto no hemisfério Norte como no Sul. E no Brasil, os estados mais desenvolvidos estão nas altas latitudes, como Sul e Sudeste”, contextualiza o Prof. Rivelino.

A avenida da Universidade foi um dos locais avaliados (Foto: Viktor Braga/UFC)

SAÚDE HUMANA

A segunda parte da pesquisa procurou identificar o risco desses poluentes para a saúde humana. Para isso, estimou o impacto desses compostos cancerígenos tomando como base a exposição a eles de um indivíduo por uma hora por dia, durante 35 anos, nesses locais.

Apesar de as taxas de poluição não serem tão altas, a pesquisa identificou que, no caso do benzeno, em todos os locais pesquisados, o risco de desenvolvimento de câncer fica acima dos limites permitidos. O perigo é particularmente alto na avenida Bezerra de Menezes, no período chuvoso, mas está presente nos quatro outros pontos – inclusive na rua que serviu de controle.

“O risco pode variar se o tempo de exposição for mais longo ou mais curto que o considerado neste estudo e se a pessoa realizar atividades que exijam grande esforço, como exercícios físicos”, diz o artigo, na sua conclusão.

Já no caso do material particulado, apenas uma região apresentou índices acima dos aceitáveis: a avenida Aguanambi. Isso não significa que uma pessoa que trabalha na região vá necessariamente desenvolver a doença, mas que a presença desses componentes aumenta o perigo disso acontecer. “As pessoas precisam ter em mente que esses componentes são carcinogênicos conhecidos e uma maior exposição aumenta o risco de câncer. [Isso ocorre] devido à exposição ocupacional, especificamente entre indivíduos que trabalham nas ruas”, diz o texto.

O trabalho foi realizado pelo Prof. Rivelino Cavalcante, Íthala Santiago, Tamiris Silva, Elissandra Marques e Camille Rocha, todos do Laboratório de Avaliação de Contaminantes Orgânicos (LACOR); Antonio Ferreira, do Laboratório de Observação da Terra (EOLLAB); e Kamila Mendonça, do Laboratório de Economia, Lei e Sustentabilidade (LEDS), todos do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), da UFC. Além deles, o pesquisador Francisco Barreto, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE) também participou do estudo. A pesquisa recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Fonte: Prof. Rivelino Cavalcante, do LABOMAR – e-mail: rivelino@ufc.br

Erick Guimarães 13 de julho de 2021

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