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Pandemia atrasa pesquisas sobre derramamento de óleo na costa e amplia impactos da tragédia

Estudo da UFC, em parceria com universidades brasileiras e estrangeiras, mostra os efeitos da covid-19 nos estudos sobre o óleo derramado na costa brasileira e aponta consequências socioeconômicas e ambientais para a região

Considerado por cientistas como o maior acidente ambiental da história do Brasil, o derramamento de óleo na costa marítima no ano de 2019 permanece, em muitos aspectos, um mistério ainda a ser resolvido. A situação que já era delicada se agravou com um outro acontecimento trágico: o surgimento da covid-19, tido como o maior problema de saúde pública deste século. Pesquisadores apontam que a pandemia tem não só atrasado os estudos dos impactos do óleo sobre a sociedade e a natureza, como gerado um efeito cumulativo de repercussões negativas para a economia, a ecologia e as comunidades costeiras do País.

As conclusões estão no estudo “Oil spill + covid-19: a disastrous year for Brazilian seagrass conservation” (Derramamento de óleo + covid-19: um ano desastroso para a conservação brasileira de algas marinhas), publicado na revista internacional Science of the Total Environment por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha) e Universidade de Salento (Itália).

Conforme a pesquisa, esforços para compreender e solucionar a crise do derramamento de óleo no País foram pressionados a parar ou a diminuir seu ritmo por conta da pandemia da covid-19, deixando a sociedade sem resposta sobre quem foi o responsável pelo desastre, e os ecossistemas, sem a mitigação adequada dos impactos do óleo.

“Existem consequências de curto e longo prazo. Por exemplo, o caso do acidente da plataforma de óleo Deepwater Horizon, no Golfo do México (2010), que atingiu 2.300 quilômetros de litoral. Nesse caso, após 10 anos, ainda são detectados impactos, e houve um grande aporte de recursos financeiros para investigar e reduzir o problema. Nosso acidente atingiu 3 mil quilômetros e inúmeros ambientes costeiros e marinhos que mal conhecemos”, compara Marcelo de Oliveira Soares, professor do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da Universidade Federal do Ceará e também cientista-chefe em Meio Ambiente do Governo do Estado do Ceará (SEMA/FUNCAP).

Até agosto de 2020, a área afetada pelo óleo se expandia da costa da Amazônia ao Estado do Rio de Janeiro. A origem do petróleo encontrado já é conhecida, reforça o estudo, explicando que a substância vem da Venezuela. A companhia e a embarcação que causaram o derramamento, entretanto, ainda não foram identificadas, o que, segundo os autores, é importante para o processo de responsabilização pelos danos ambientais e socioeconômicos.

O desastre afetou mais de 55 unidades de conservação costeiras e marinhas e ameaça ecossistemas como manguezais, recifes de coral, estuários, banco de algas calcárias, banco de gramas marinhas, entre outros. O estudo destaca a preocupação com a contaminação de gramas marinhas pelo óleo, que tiveram 325 quilômetros quadrados de sua área afetados pelo derramamento, estimativa que se imagina ser bem inferior à realidade.

Ilustração mostrando a costa brasileira antes e depois do derramamento de óleo
Situação das gramas marinhas na costa brasileira após o derramamento de óleo (Imagem: Divulgação)

Esse ecossistema, comumente chamado no Ceará de “bancos de capim-agulha”, é usado como alimentação pelo peixe-boi e atua como importante habitat de atração de animais e de plantas, além de reduzir a erosão marinha, elevar a transparência e a qualidade das águas, servir de desova e berçário de espécies, entre outras funções. Por essa razão, o óleo nesse ecossistema pode fazer com que a flora e a fauna a ele associadas sejam mortas, envenenadas, poluídas ou asfixiadas, reduzindo também seu valor e sua demanda comercial. “Essas áreas são como verdadeiras maternidades para a vida marinha, além de atuarem como florestas marinhas capturando o carbono em excesso (por exemplo, emitido pelas queimadas, indústrias e veículos)”, enfatiza o Prof. Marcelo Soares.

IMPACTOS ECONÔMICOS – Os impactos sociais e econômicos são expressivos, adverte o Prof. Marcelo Soares, que é também pesquisador associado da Universidade de Barcelona e foi professor visitante na Universidade de Salento, em 2020, pelo Programa Institucional de Internacionalização (CAPES-PRINT). Para entender o alcance desse impacto, mesmo diante da pandemia, que restringiu os estudos in loco, ele explica que outras estratégias de pesquisa foram aplicadas, a exemplo do mapeamento por satélite.

“Com esse mapeamento por satélite, feito em parceria com a Universidade Estadual do Ceará (UECE), identificamos mais de 52 mil estabelecimentos que foram afetados pelo derramamento de óleo no Nordeste do Brasil. O setor de alimentação foi o mais atingido (35%), seguido do setor de acomodação/hospedagem (17%) e o de turismo e lazer (4%)”, explica o professor, acrescentando que os três estados mais impactados do ponto de vista socioeconômico, conforme o mapeamento, foram Bahia, Pernambuco e Ceará. Após o acidente com o óleo, esses setores econômicos sofreram novos impactos, porém agora pela pandemia da covid-19, salienta o pesquisador.

Fotografia do pesquisador em laboratório à frente de um microscópio
Pesquisador da UFC à frente do estudo, Marcelo de Oliveira Soares, professor do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR)

O professor chama a atenção para o fato de muitas comunidades de pescadores terem sido fortemente atingidas pelos efeitos combinados do desastre ambiental de óleo e da pandemia do novo coronavírus. O óleo diminuiu temporariamente as pescas de peixes, crustáceos e moluscos, ou mesmo as extinguiu em algumas áreas, e reduziu drasticamente o consumo e a venda desses produtos, pois muitos compradores temiam a contaminação do pescado pelo óleo. Em seguida, a covid-19 abalou a pesca artesanal, comprometendo a segurança alimentar, a renda e as condições de saúde das populações envolvidas nessa atividade.

Após a declaração da pandemia, indica o estudo, atividades de campo foram suspensas e recursos financeiros deixaram de ser alocados em pesquisas relacionadas ao derramamento de óleo. “Essa suspensão é provavelmente o pior efeito da quarentena nesses estudos, uma vez que as atividades de campo foram interrompidas antes de ferramentas e estratégias de controle serem testadas ou implementadas”, afirma o artigo, realçando que muitas amostras do óleo coletado antes de março de 2020 seguem não processadas ou não analisadas.

MAIS ÓLEO – Durante a quarentena, uma nova leva de óleo chegou à costa de, ao menos, seis estados brasileiros. As últimas ocorrências registradas remetem a agosto de 2020. Conforme análises, essas amostras provaram ser da mesma origem do óleo encontrado em 2019, o que mostra que o petróleo ainda está presente, enterrado em estuários, sedimentos marítimos, ou preso em recifes de coral, gerando efeitos negativos aos sistemas marinhos e costeiros. “Não podemos esquecer que, mesmo sem ver a olho nu, o óleo está na forma microscópica, a qual é uma das formas mais perigosas para a saúde humana e do meio ambiente”, complementa o Prof. Marcelo Soares.

“Entretanto, desde a declaração de pandemia, pesquisadores ficaram incapazes de manter os estudos, e parte do suporte financeiro foi realocado para o combate à covid-19”, alertam os pesquisadores no artigo.

Fotografias do óleo atingindo fauna marinha
Derramamento de óleo nas praias brasileiras (A). Peixes (B) e tartarugas marinhas impregnadas com óleo (C). Imagem feita em microscópio com óleo apontado pela seta (D). Água-viva (E) e planta marinha (F) que compõe os bancos de gramas marinhas com presença de óleo

RETOMADA – Essa situação, entretanto, começa aos poucos a se normalizar. O Prof. Marcelo Soares informa que, hoje, algumas atividades de campo e laboratório retornaram, seguindo os protocolos sanitários e com número adequado de pesquisadores. As pesquisas na UFC retomaram e contam com financiamento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Ambientes Marinhos Tropicais para realizar estudos em parceria com outros estados nordestinos.

Os professores da UFC Rivelino Martins Cavalcante (LABOMAR) e André Henrique de Oliveira (Departamento de Química Analítica e Físico-Química) lideram as análises químicas do óleo em diversos locais do Ceará, com diversos bolsistas envolvidos. “A Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMA) também tem colaborado com as pesquisas, principalmente auxiliando no contato com as comunidades de pescadores ao longo do litoral”, relata o Prof. Marcelo Soares.

Também há parcerias com o Instituto Oceanográfico Woods Hole e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), instituições de alta qualidade nos Estados Unidos. Soares explica que, juntamente com um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (UECE), sob coordenação do Prof. Samuel Façanha, cientista-chefe de inovação para o desenvolvimento econômico do Ceará (FUNCAP), os impactos cumulativos da covid-19 e do derramamento de óleo foram analisados. “Em breve, iremos divulgar os resultados sobre a vulnerabilidade social e econômica dos estados brasileiros para embasar políticas públicas e ações urgentes”, adianta.

O artigo completo pode ser lido na plataforma da ScienceDirect.

Fonte: Profº Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) – E-mail: marcelosoares@ufc.br.

Este texto faz parte de uma série sobre a produção científica da UFC relacionada à covid-19. Os textos vêm sendo publicados semanalmente na Agência UFC. Os resultados aqui apresentados não representam necessariamente a opinião da UFC sobre o assunto.

Sérgio de Sousa 4 de março de 2021

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