Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram um equipamento de baixo custo capaz de captar dados de poluição atmosférica e de variáveis meteorológicas em ambientes internos e externos. O protótipo, iniciado em parceria com a Samsung Eletrônica da Amazônia Ltda., já foi testado para identificar a poluição nos bairros Meireles e Aldeota e segue em aperfeiçoamento. A expectativa é de que o modelo permita, em breve, a geração de mapas de poluição para toda a cidade de Fortaleza e possa ter aplicação facilitada em outras cidades.
No Ceará, a qualidade do ar é monitorada por dois órgãos públicos, tanto no nível estadual (SEMACE) quanto no municipal (SEUMA), mas a medição é feita com equipamentos de grande escala para coleta de dados. Conforme os pesquisadores, estes monitores possuem limitada possibilidade de realocação, exigindo mais tempo de medição para cobrir uma grande área.
O dispositivo desenvolvido pelos pesquisadores da UFC, denominado Sensenet, pode vir a ser uma solução para o problema. Isso porque ele é de baixo custo: enquanto o Sensenet custou cerca de R$ 1.200, estações robustas de monitoramento contínuo da qualidade do ar podem custar entre R$ 90 mil e 160 mil. O protótipo, que estava em sua terceira versão quando foi testado, realizou as medições em 11 pontos dos dois referidos bairros, sendo calibrado com equipamentos de referência, de maior custo, para que sua eficácia fosse verificada. Um sensor certificado de menor porte e com alta precisão, como o que foi utilizado para calibração do Sensenet, custou cerca de R$ 21 mil.
O Sensenet captou dados de temperatura e umidade, além da presença, nesses locais, de dióxido de carbono (CO2), um dos principais responsáveis pelo efeito estufa, e de partículas finas (PM2,5), que afetam a saúde respiratória e cardiovascular, podendo causar câncer. A análise usou os dados recolhidos pelo equipamento, suplementados por informações sobre o volume de tráfego, a altura dos edifícios e a distância entre eles.
Os resultados, apresentados em artigo publicado recentemente no periódico internacional Urban Climate, mostraram que todos os pontos apresentaram um bom índice de qualidade do ar, de acordo com os padrões da OMS. “Os dados de poluentes coletados pelo Sensenet nos dois bairros estudados são satisfatórios, pois foram calibrados a partir de equipamentos certificados”, garante o coordenador do Laboratório de Mecânica dos Pavimentos (LMP), professor Jorge Soares, um dos autores do estudo. Também assinam o artigo a doutoranda Nayara Gurjão e os professores visitantes do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Transportes Lara Furtado e Jorge Lucas Oliveira Junior.

O Sensenet foi idealizado e desenvolvido por meio da parceria de diversos grupos de pesquisa da UFC. Além do LMP (INCT-Infra), que participa do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (Recursos Hídricos, Saneamento Ambiental e Geotecnia), o aparelho contou com o auxílio da equipe do Laboratório de Engenharia de Sistemas de Computação (LESC) e foi testado e calibrado em ambientes internos e externos com apoio do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR).
Ele foi desenvolvido como parte de um projeto da UFC com a Samsung Eletrônica da Amazônia Ltda. chamado “AI4WELLNESS”, que tem o objetivo de gerar novos algoritmos e métodos que utilizem a inteligência artificial nas áreas de saúde e bem-estar, a fim de produzir produtos e serviços para uma melhor qualidade de vida da sociedade.
O protótipo está seguindo para sua versão 6.0, com melhorias já realizadas para coletar mais poluentes, a exemplo dos compostos orgânicos voláteis (VOCs). Em fase de avaliação, o novo modelo é denominado SenseAir. Ele passa a contar com uma webcam que permite, por meio de algoritmos de reconhecimento de imagem, fazer a contagem automática de tráfego. “Uma plataforma web foi desenvolvida para apresentação dos dados por meio de gráficos, mapas e índices de fácil compreensão. Além disso, um aplicativo está sendo construído para visualização dos resultados, promovendo fácil acesso, aplicação e uso para pesquisadores e também para a sociedade”, adianta o professor.
MAPAS DE POLUIÇÃO DA CIDADE
As inovações estão em elevado nível de maturidade, garante o professor, de forma que já podem ser aproveitadas pela Prefeitura de Fortaleza. Como é de baixo custo, o Sensenet poderá, no futuro, ser usado nas diversas regiões da cidade e com uma periodicidade regular, permitindo a criação de mapas de poluição da cidade.
Os mapas de poluição funcionam de forma semelhante aos mapas de calor. Todavia, em vez de representar a temperatura, exibem o Índice de Qualidade do Ar (IQAr) médio em diferentes locais. “As áreas com maior concentração de poluentes são indicadas por cores mais escuras, enquanto as de menor concentração aparecem em tons mais claros. Esses mapas podem ser alimentados em tempo real com dados coletados dos sensores distribuídos em pontos georreferenciados da cidade”, esclarece Soares.
As informações coletadas são, então, enviadas para uma plataforma on-line, onde são processadas e organizadas. “A partir disso, com a evolução da pesquisa, a escala de cores dos mapas pode ser atualizada automaticamente dentro de um intervalo predefinido, permitindo um monitoramento contínuo da qualidade do ar”, complementa.
Essa estratégia, quando aplicada em maior escala na cidade, pode ser de grande benefício para a população, conforme a doutoranda Nayara Gurjão: “As pessoas, principalmente os grupos de risco como idosos e pessoas com doenças respiratórias, podem adaptar os trajetos usados no dia a dia, a fim de escolher caminhos com menores índices de poluição. O mesmo vale para ciclistas, com escolhas de rotas mais confortáveis em relação à qualidade do ar e ao conforto térmico”.

O professor Jorge Soares acrescenta que as pesquisas na área de sensores de baixo custo e automação de coleta de grande volume de dados vem crescendo no âmbito científico, e também empresarial e governamental. “Essa estratégia pode ser de grande ajuda para a gestão urbana no sentido de fornecer dados confiáveis e em tempo real, visando políticas públicas mais assertivas e voltadas para o real problema com base nas evidências”, defende.
VENTOS DISPERSAM POLUIÇÃO
Um dos principais motivos para a escolha dos bairros Meireles e Aldeota como área de estudo foi a alta densidade de edificações na região, que constituem o que os pesquisadores chamam de “cânions urbanos”. Esses cânions acontecem quando edifícios altos estão localizados muito próximos uns dos outros, o que tende a gerar, na localidade de ventilação reduzida, as maiores concentrações de poluentes.
Os cânions, apontou o estudo, tiveram influência sobre os índices de CO2 nos locais, mas estes ainda permanecem em níveis aceitáveis. A razão para isso, acreditam os pesquisadores, é a proximidade do mar, que faz com que a ventilação interfira na concentração dos poluentes, permitindo sua dispersão. “No caso de Fortaleza, os ventos predominam do leste e sudeste, mas, na maior parte do ano, os ventos que atingem Meireles e Aldeota vêm da Beira-Mar”, informa.
Conforme o professor, a dispersão de poluentes nessa região pode ocorrer de forma diferente em relação a outros bairros, por conta da intensa ventilação. “Por isso, essa relação entre dispersão de poluentes e ventilação deve ser analisada em diferentes regiões da cidade para uma melhor compreensão”, completa. A doutoranda Nayara Gurjão reforça que a análise destes índices do ambiente urbano é bastante complexa devido à influência de múltiplas variáveis, diferentes para cada região, tais como ventilação, umidade e tráfego de veículos. “Por isso, a coleta e a divulgação contínua de dados são essenciais, permitindo que os pesquisadores aprofundem suas investigações e o entendimento sobre os índices urbanos”, destaca.
Segundo o professor Jorge Soares, a recente elevação no tamanho de novos prédios na capital cearense pode ter influência sobre o nível de poluição, mas é preciso ter em vista também a relação da distância entre as edificações, pois é a conjunção desses dois fatores que estabelece os cânions urbanos profundos.
“Há outras variáveis que afetam e são afetadas pela concentração de poluentes, como a direção e a velocidade dos ventos. A depender do posicionamento e altura dos prédios, maiores índices de ventilação podem auxiliar na dispersão ou transporte de partículas para outras regiões, evitando o acúmulo delas em áreas específicas, o que pode caracterizar um cânion urbano”, explica. “Como exemplo, quando a ventilação é paralela às vias, o poluente emitido pelo tráfego pode ser dispersado; caso contrário, pode haver acúmulo de poluentes em uma determinada região. Por esse motivo, trabalhos no ambiente urbano se tornam tão complexos”, acrescenta.
Apesar do grande fluxo de automóveis na região estudada, o tráfego não apresentou correlação com os maiores índices de poluição, conforme o estudo. Soares espera que o novo protótipo, com sensores equipados com câmeras para contagem automática de veículos, ajudará a monitorar melhor essa variável.
“Os resultados da pesquisa, bem como de trabalhos realizados anteriormente, deixam clara a necessidade de se pensar em formas de planejamento da expansão e ocupação do solo que promovam formas mais sustentáveis de mobilidade, tendo os pedestres como prioridade”, destaca o pesquisador.
TRÂNSITO E MEIO AMBIENTE
O Departamento de Engenharia de Transportes da UFC vem, há mais de 10 anos, desenvolvendo estratégias e tecnologias para monitorar a qualidade do ar. Outra iniciativa é do Grupo de Pesquisa em Transporte, Trânsito e Meio ambiente (GTTEMA), que desenvolveu um monitor leve, de baixíssimo custo – custando de R$ 600 a 800 – com capacidade para acompanhar em tempo real parâmetros poluentes e meteorológicos. O equipamento, tecnologia 100% UFC, já está em funcionamento em algumas áreas de Fortaleza. Confira a reportagem:
Fonte: Coordenador do Laboratório de Mecânica dos Pavimentos (LMP) e do INCT-Infra da UFC, Profº Jorge Soares – E-mail: jsoares@det.ufc.br.
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