Além de já ocasionar mais de 2,5 milhões de mortes ao redor do mundo, a covid-19 revirou economias nacionais e vem impactando diretamente os investimentos no mercado financeiro. Estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, em parceria com a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), demonstra que o aumento da transparência internacional, com geração e divulgação frequente de dados de saúde confiáveis sobre a pandemia, pode reduzir a volatilidade dos ativos, tranquilizando os investidores.
As conclusões estão no artigo “COVID-19, stock market and sectoral contagion in US: a time-frequency analysis (“Covid-19, mercado de ações e contágio setorial nos Estados Unidos: uma análise tempo-frequência”), publicado na revista científica Research in International Business and Finance. A pesquisa estudou a correlação entre a confirmação de casos e de mortes pela doença e o retorno dos investimentos na Standard & Poor’s 500 (S&P 500), índice composto por 500 ativos cotados nas principais bolsas de valores dos Estados Unidos.
Os pesquisadores apontam que hoje a comunidade acadêmica e os interessados no mercado de ações devem considerar eventos externos ao país para avaliar o comportamento do mercado financeiro, uma vez que o mundo encontra-se cada vez mais conectado. E a pandemia provou isso.
Segundo o estudo, nenhum surto infeccioso afetou tanto o mercado de ações como a covid-19. Alguns dos motivos são os impactos que a pandemia causou nas economias dos países: aumento nos custos com os sistemas de saúde, perda de produtividade do trabalho, atividade econômica reduzida pelas políticas de distanciamento social, queda no turismo e nos investimentos estrangeiros diretos.
“Por outro lado, hoje temos fatores informacionais que também são relevantes, como a disseminação quase homogênea e instantânea de notícias, algumas vezes desencontradas, e pessoas ligadas em redes sociais, o que favorece comportamentos em manada”, acrescenta o Prof. Paulo Matos, do Departamento de Administração e da Pós-Graduação em Economia da UFC e um dos autores do artigo. De acordo com ele, dados incorretos sobre mortes e novos casos de covid-19 geram volatilidade nos mercados, pois investidores levam essas informações em consideração ao definir suas aplicações.
O estudo mostrou que o mercado americano foi sensível a dados internacionais de casos e mortes, quando observado o retorno sobre o preço dos ativos na bolsa. “Na prática, isso leva a crer que os investidores usam os dados públicos divulgados como um dos ingredientes para precificar os ativos”, conclui o professor. Por esta razão, o incremento na transparência internacional sobre essas informações diminuiria os solavancos nos preços. “Esse seria um grande efeito benéfico para os mercados financeiros em momentos de pandemia ou casos de desastres naturais em geral”.
Essa relação direta encontrada entre os retornos no mercado de investimentos e os números da pandemia permitiu a observação, inclusive, de que o mercado tem conseguido prever as dinâmicas da covid-19.
“O mercado de ações é formado por uma série de participantes bem informados. É possível que alguns desses participantes obtenham ou estimem informações sobre casos ou mortes antes mesmo que os órgãos responsáveis façam a divulgação. Essa percepção pode então ser incorporada aos preços e indicar uma subsequente tendência para os casos ou mortes. Isso não quer dizer que haja uma relação de causalidade, certamente, mas de antecipação”, esclarece Matos.
PESQUISAS NO GOOGLE E A BOLSA
O estudo assinala, inclusive, que há um retorno negativo nas bolsas de valores pelo mundo relacionado ao volume de consultas no Google usando termos relacionados à pandemia. Ou seja, pesquisas comprovaram que quanto maior o pânico e a incerteza das pessoas – sentimentos previstos através das palavras buscadas na Internet –, mais elas se desfizeram de seus investimentos, causando, assim, quedas nos preços dos ativos.
A pesquisa é voltada para o mercado americano, com dados colhidos de janeiro a junho de 2020. Contudo, o pesquisador Antonio Costa, do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFC (CAEN/UFC) e que também assina o artigo, informa que um novo estudo já abarca os resultados de todo o ano passado e mostra uma mudança no comportamento do mercado.
O pesquisador afirma que, no primeiro semestre, pelo fato de a doença ser nova e de existirem muitas dúvidas quanto a ela, os estragos foram maiores. “A partir desse ponto, observamos gradual normalização. Esse comportamento variável ao longo do tempo é esperado, já que havia muitas incertezas cruciais que foram sendo resolvidas ao longo do tempo, como é o caso da factibilidade de vacinas em tempo recorde”, elucida.
Por mais que o estudo tenha sido voltado para o mercado nos Estados Unidos, o pesquisador destaca que os resultados são importantes para a realidade brasileira. “Impactos sobre a economia ou mercado financeiro dos Estados Unidos acabam sendo relevantes direta ou indiretamente para os outros países como o Brasil, que podem ser afetados, por exemplo, com a fuga de recursos, interrupção de fluxo comercial e de pessoas, entre outras coisas”, defende.
Costa pontua que a equipe de pesquisadores desenvolveu um outro estudo semelhante, traçando a realidade do mercado brasileiro, que revela que os resultados qualitativos são similares aos encontrados no mercado americano. O artigo encontra-se em fase de avaliação para publicação em um periódico científico.
SETORES MAIS AFETADOS
O S&P 500 divide o mercado em 11 índices setoriais, os quais foram analisados pelos pesquisadores. Entre eles, o de energia apresentou as maiores quedas nos valores das ações durante o período avaliado da pandemia. O índice é, em grande parte, composto por empresas ligadas ao setor do petróleo e gás, o que explicaria essa maior volatilidade, ressalta o pesquisador Cristiano da Silva, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, e também autor do estudo.
Um dos motivos, cita, seria a guerra de preços para o petróleo entre Rússia e Arábia Saudita, que ocasionou baixo rendimento do setor. “Além disso, é de se ressaltar que tivemos um grande choque de demanda do petróleo por conta da diminuição da atividade econômica e mesmo da locomoção das pessoas causada pelo lockdown”, complementa.
Na outra ponta, os índices tecnologia da informação e de consumo de bens não essenciais – que inclui as indústrias automotivas, de bens duráveis e vestuário, além do varejo e os serviços ao consumidor – foram os únicos que registraram ganhos cumulativos no período na S&P 500.
“A visão que temos é a de que o coronavírus afetou de forma diferente os diferentes setores da economia. Por exemplo, muitas pessoas necessitaram adaptar seu ambiente doméstico para o trabalho e para ter um certo conforto para passar o dia inteiro em casa, vindo a adquirir bens duráveis, contratar serviços de conectividade melhores e por aí vai”, justifica Silva.
O artigo completo pode ser lido na plataforma da ScienceDirect.
Fonte: Prof. Paulo Matos, da Pós-Graduação em Economia da UFC (CAEN) – e-mail: paulomatos@caen.ufc.br
Este texto faz parte de uma série sobre a produção científica da UFC relacionada à covid-19. Os textos vêm sendo publicados semanalmente na Agência UFC. Os resultados aqui apresentados não representam necessariamente a opinião da UFC sobre o assunto.